Fique por dentro – Informativo STJ 857 Comentado
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1. Agravo interno, precedentes qualificados e multa do art. 1.021, §4º, CPC
Destaque
1. O agravo interposto contra decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF autoriza a aplicação da multa prevista no art. 1.021, §4º, do CPC, mesmo quando manejado apenas para exaurir instância, revisando-se o Tema 434/STJ.
2. A multa não é cabível quando houver alegação fundamentada de distinção ou superação do precedente qualificado ou quando a decisão agravada se amparar em julgado de tribunal de segundo grau.
3. Fora dessas hipóteses, caberá ao colegiado avaliar a aplicação da multa, conforme as peculiaridades do caso.
REsp 2.043.826-SC, REsp 2.043.887-SC, REsp 2.044.143-SC e REsp 2.006.910-PA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/8/2025 (Tema 1201).
Conteúdo-Base
???? CPC, arts. 489, V e VI; 927, III; 1.021, §4º; 1.037, §§9º-13.
???? O respeito a precedentes qualificados é regra de observância obrigatória, por isso o questionamento irrazoável (manifestamente improcedência) merece sanção pecuniária.
???? Revisão do Tema 434/STJ: o exaurimento de instância não afasta a penalidade
???? Distinção e superação são hipóteses que afastam a multa.
Discussão e Tese
???? O STJ revisitou o Tema 434 à luz do CPC/2015.
Entendeu que a interposição de agravo interno contra decisão que aplica precedente vinculante pode configurar manifesta improcedência, sujeitando a parte à multa. O exaurimento de instância não afasta a penalidade. Contudo, quando o recurso aponta, de forma fundamentada, distinção fática ou possibilidade de superação, não se justifica a penalidade.
Como será Cobrado em Prova
???? É ilegal a imposição de multa do art. 1.021, §4º, CPC em agravo interposto para exaurir instância.
Errado. O STJ passou a admitir a multa, revisando o Tema 434.
???? No recurso que questiona precedente qualificado, o cabimento da multa do art. 1.021, §4º, CPC deve observar se houve fundamentada alegação de distinção ou superação.
Correto. Essa foi a ressalva feita pela Corte Especial.
Versão Esquematizada
???? Multa do art. 1.021, §4º, CPC |
???? Tema 1201/STJ ???? Revisão do Tema 434 ???? Precedente qualificado = observância obrigatória ???? Distinção/superação afastam multa |
Inteiro Teor
A primeira questão afetada para julgamento tem o seguinte teor: aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando a decisão recorrida se baseia em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC).
No regime do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça pacificou orientação no sentido de que o agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, motivo pelo qual inaplicável a multa que era prevista no art. 557, § 2º, do Código revogado. Essa orientação foi adotada em sede de recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo 434/STJ).
Ainda que o escopo do agravo interno seja viabilizar a interposição de recurso aos Tribunais Superiores (exaurimento de instância), não se pode olvidar que os recursos especial ou extraordinário terão seguimento negado quando o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior, proferida em sede de recurso extraordinário ou especial submetido ao regime dos recursos repetitivos.
Consequentemente, o simples argumento de que se pretende o exaurimento de instância, por si só, não é suficiente para que seja reconhecida a ilegalidade da multa. Diante desse quadro, revela-se necessária a revisão do Tema Repetitivo 434/STJ.
Por outro lado, o precedente qualificado autoriza tanto a improcedência liminar do pedido (pelo juízo singular) quanto o julgamento monocrático pelo relator (no âmbito dos tribunais). Admitir-se a interposição de recurso em face de decisão baseada em precedente qualificado – especialmente quando não há nenhuma sinalização de alteração do precedente – implica negar a própria finalidade da sua criação. Assim, o respeito ao precedente qualificado é regra de observância obrigatória.
Entretanto, reconhecer que inexiste ilegalidade ao se declarar manifestamente improcedente agravo interno que impugna decisão baseada em precedente qualificado, para fins de aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, não impõe que o órgão colegiado sempre declare manifestamente improcedente agravo interno interposto contra esse tipo de decisão. Em se tratando de penalidade, a aplicação deve ser proporcional.
A título de exemplo, é comum em questões tributárias o questionamento de acórdão proferido sob o regime dos recursos repetitivos, no Superior Tribunal de Justiça, perante o Supremo Tribunal Federal. Trata-se de matéria amplamente regulamentada pela Constituição Federal, admitindo, ao menos em tese, a viabilização do recurso extraordinário. Nesse cenário, reconhecida a existência de repercussão geral, não é recomendável a imposição da penalidade em sede de agravo interno, ainda que a decisão recorrida esteja amparada em acórdão vinculante do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse cenário, pode-se afirmar que inexiste ilegalidade ao se declarar manifestamente improcedente agravo interno que impugna decisão baseada em precedente qualificado, para fins de aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, ressalvados os casos em que a aplicação da multa não é recomendada (v.g. acórdão vinculante proferido pelo Tribunal local e recurso especial repetitivo pendente no STJ; acórdão vinculante proferido pelo STJ e pendência de julgamento de repercussão geral no STF).
Por sua vez, a segunda questão afetada para julgamento tem o seguinte teor: possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.
Como se constata, a questão guarda relação com o instituto da distinção, que é tratado especialmente nos arts. 489, V e VI e 1.037, §§ 9º a 13, do CPC.
Segundo a doutrina, “o distinguishing expressa a distinção entre os casos para o efeito de se subordinar, ou não, o caso sob julgamento ao precedente”, ou seja, “o distinguishing revela a demonstração entre as diferenças fáticas entre os casos ou a demonstração de que a ratio do precedente não se amolda ao caso sob julgamento, uma vez que os fatos de um e outro são diversos”.
Acerca do tema, é esclarecedor o Enunciado 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentalmente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa”.
A Segunda Turma do STJ, em recente precedente, afirmou que “o pedido (ou requerimento) de distinção deve ser apresentado na forma do art. 1.037, § 8º e seguintes do CPC. Nesse regime, tal pedido deve ser interposto na primeira oportunidade, após a determinação de sobrestamento, quando este ocorre em Tribunal Superior” (PDist no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.360.573/PE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 17/5/2024).
Destarte, em se tratando de decisão do relator baseada em precedente qualificado, a alegação de distinção deve ser formulada na primeira oportunidade, assim como ocorre com pedido de distinção previsto no art. 1.037, § 8º e seguintes do CPC.
Cabe ressaltar que é ônus da parte demonstrar a existência de distinção, em consonância com o Enunciado 9 da ENFAM. Essa demonstração deve ocorrer de forma fundamentada, de modo que é descabida a simples alegação de indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.
Assim, o agravo interposto contra decisão do Tribunal de origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e/ou extraordinário, quando apresentado contra decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC (revisão do TR 434/STJ).
Além disso, a multa prevista no art. 1.021, §4º, CPC não é cabível quando (i) alegada de forma fundamentada a distinção ou superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF ou (ii) a decisão agravada estiver amparada em julgado de tribunal de segundo grau.
Por fim, excetuadas as hipóteses supra, caberá ao órgão colegiado verificar a aplicação da multa, considerando-se as peculiaridades do caso concreto.
2. Terreno de marinha, transmissão gratuita e multa administrativa
Destaque
Apenas com a alteração do §4º do art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987, promovida pela Lei 14.474/2022, passou a ser exigida a comunicação, no prazo de 60 dias, de transmissões não onerosas de domínio útil de terreno da União, sob pena de multa.
REsp 2.149.911-RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? DL 2.398/1987, art. 3º, §§4º e 5º; Lei 14.474/2022.
???? Normas sancionadoras devem ser interpretadas restritivamente.
???? Antes da Lei 14.474/2022, não havia previsão para exigir comunicação de transmissões gratuitas de terreno da União.
???? Multa administrativa pela falta de tal comunicação somente após a alteração legislativa em 2022.
Discussão e Tese
???? O STJ analisou se era cabível multa por ausência de comunicação de sucessão hereditária em terreno de marinha antes de 2022.
A Corte concluiu que apenas a Lei 14.474/2022 incluiu, expressamente, as transmissões não onerosas no dever de comunicação. Antes disso, não havia previsão legal suficiente para sancionar o administrado.
Como será Cobrado em Prova
???? A obrigatoriedade de comunicar transmissões não onerosas de terrenos de marinha passou a existir apenas com a alteração legal de 2022.
Correto. Foi a tese firmada pelo STJ.
???? A falta de comunicação de transmissão por herança de terreno da União, ocorrida em 2010, enseja multa administrativa.
Errado. A exigência só surgiu após a Lei 14.474/2022.
Versão Esquematizada
???? Terrenos de marinha – transmissões gratuitas |
???? DL 2.398/1987, art. 3º, §4º ???? Lei 14.474/2022 ???? Norma sancionadora = interpretação restritiva ???? Multa só após alteração legal |
Inteiro Teor
O cerne da controvérsia diz respeito à imposição de multa pela ausência de comunicação no prazo legal de 60 dias da transferência, em caráter não oneroso, do domínio útil de terreno marinha anterior à alteração legislativa trazida pela Lei n. 14.474/2022 ao art. 3º do Decreto-Lei n. 2.398/1987.
No caso, a transmissão de titularidade de ocupação, por sucessão hereditária, ocorreu em 2008, mas não se realizou a comunicação à Secretaria do Patrimônio da União – SPU no prazo de 60 dias, o que ensejou a aplicação de multa. O Tribunal de origem manteve a sentença que afastou a multa aplicada.
Posteriormente, houve sucessivas mudanças na redação da cabeça do art. 3º do Decreto-Lei n. 2.398/1987 até a redação atual conferida pela Lei n. 13.465/2014, porém sem afastar, para configuração do laudêmio, a necessidade de que a transferência seja onerosa e entre vivos.
O parágrafo 4º do art. 3º do Decreto-Lei n. 2.398/1987 teve sua redação alterada pela Lei n. 14.474/2022, passando a dispor que: “Concluída a transmissão, onerosa ou não, o adquirente deverá requerer ao órgão local da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, que providencie a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, observado, no caso de imóvel aforado, o disposto no art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946”.
Quanto ao tema, não há jurisprudência pacificada no Superior Tribunal de Justiça. A Primeira Turma já reconheceu a possibilidade de aplicação da multa em transferências não onerosas anteriores à alteração legislativa promovida pela Lei n. 14.474/2022, diante do reconhecimento de que a referida multa tem caráter acessório autônomo em relação ao laudêmio. Nesse sentido: AgInt no REsp 2.134.479/AL, Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 3/10/2024).
Por outro lado, há também julgado do STJ reconhecendo a impossibilidade de aplicação da multa para ausência de comunicação da transferência não onerosa na mesma hipótese, qual seja, anteriores à alteração legislativa ocorrida em dezembro de 2022, em face do seu caráter sancionatório. Nessa linha: AgInt no REsp 2.163.663/RJ, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJEN de 9/12/2024.
Em nova reflexão sobre o tema, não há dúvida de que as disposições trazidas nos §§ 4º e 5º do art. 3º do Decreto-Lei n. 2.398/1987 são normas de caráter sancionador ao administrado. Assim, em se tratando de norma administrativa de caráter sancionador, sua interpretação deve ser restritiva.
Com efeito, o parágrafo que trata sobre a necessidade de comunicação da transmissão no prazo legal foi incluído em dispositivo que trata sobre transferências onerosas entre vivos da ocupação de terreno da União e possuía, ao tempo da irregularidade apontada, redação genérica, de modo que não se pode fugir, quando da sua apreciação, dos parâmetros trazidos na cabeça do artigo, notadamente quando se está a impor obrigação e sanção ao administrado.
Além disso, a alteração legislativa trazida pela Lei n. 14.474/2022, ao expressamente acrescentar que a comunicação no prazo legal deve ser realizada na transmissão “onerosa ou não”, reforça, ainda mais, o entendimento de que, até aquele momento, não havia determinação legal a exigir tal comportamento para transmissões gratuitas sob pena de sanção.
Portanto, apenas com a edição da Lei n. 14.474/2022 surgiu a obrigatoriedade de comunicação das transmissões não onerosas à SPU no prazo legal, sob pena de sanção.
3. Execução fiscal e emenda da inicial com título executivo equivocado
Destaque
Não é possível considerar como válida, para fins de interrupção da prescrição, a propositura de execução fiscal instruída com CDA de contribuinte diverso.
REsp 1.931.196-RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CPC, arts. 240, §1º, 319 e 321; Lei 6.830/1980, art. 1º; Súmula 392/STJ.
???? Havendo propositura de execução fiscal instruída com CDA de contribuinte diverso (equivocado), a emenda da inicial é cabível, mas não retroage para fins de prescrição.
???? Juntada de CDA de terceiro compromete o desenvolvimento válido da ação. Logo, a interrupção da prescrição só se dá somente a partir da emenda.
???? Súmula 392 não se aplica quando há troca de sujeito passivo: a Fazenda Pública pode substituir a Certidão de Dívida Ativa (CDA) até a prolação da sentença nos embargos, desde que seja para corrigir erro material ou formal. No entanto, essa substituição é vedada se a mudança resultar na alteração do sujeito passivo da execução.
Discussão e Tese
???? O STJ analisou se a correção de inicial instruída com título executivo errado retroagiria para interromper a prescrição.
Concluiu que, embora seja possível a emenda da inicial para corrigir o vício, a interrupção da prescrição só se dá a partir da emenda, não da propositura original. O protocolo com CDA de terceiro não produz efeitos válidos para o sujeito passivo correto.
Como será Cobrado em Prova
???? A juntada de CDA incorreta, referente a outro contribuinte, interrompe a prescrição desde o ajuizamento da execução fiscal, desde que o vício seja sanado antes da sentença.
Errado. A interrupção só ocorre a partir da emenda com o título correto.
Versão Esquematizada
???? Execução fiscal – CDA incorreta |
???? CPC, art. 240, §1º ???? Emenda da inicial possível ???? Interrupção só com a correção ???? Súmula 392 não se aplica |
Inteiro Teor
A controvérsia consiste em decidir se a emenda à inicial pela juntada do título executivo incorreto afasta a regra do art. 240, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC), segundo a qual a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, retroage à data da propositura da ação.
No caso, por ocasião do ajuizamento da execução fiscal, a Fazenda Nacional procedeu à juntada de título executivo cujo sujeito passivo não era a parte executada, ou seja, referente a empresa distinta. Intimado, o ente fazendário apresentou o documento correto, prosseguindo, assim, a tramitação do processo.
Inicialmente, afasta-se a aplicação da Súmula n. 392 do Superior Tribunal de Justiça, que admite a substituição da certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, nos casos de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. Isso porque, na hipótese, não se discute a validade da CDA em si, mas sim a juntada equivocada de título executivo alheio à parte executada, o que comprometeria a regularidade da petição inicial.
A correção desse vício atrai a incidência do Código de Processo Civil, aplicável de forma subsidiária à execução fiscal, nos termos do art. 1º da Lei n. 6.830/1980.
Assim, é cabível a aplicação do art. 321 do CPC para permitir a emenda da petição inicial, com a correção dos documentos que a instruem. Apenas em caso de inércia da parte após a intimação é que se justifica o indeferimento da inicial.
Contudo, embora haja previsão legal para a correção de defeitos ou irregularidades na petição inicial, para o Superior Tribunal de Justiça, quando a petição inicial é protocolada em desacordo com o disposto no art. 319 do CPC, de modo a impedir o desenvolvimento válido e regular do processo, a interrupção da prescrição, nos termos do art. 240, § 1º, do CPC, somente retroage à data da emenda da inicial (AgInt no REsp n. 1.749.085/DF, rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 5/10/2023; e AgInt no REsp n. 1.746.781/PE, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 25/5/2020, DJe de 28/5/2020).
Aplica-se esse entendimento ao caso, visto que seria completamente inviável o prosseguimento da execução fiscal cujo sujeito passivo do título executivo não correspondesse à parte executada.
4. Contratação de artista consagrado e improbidade administrativa
Destaque
A mera intermediação na contratação de show artístico com dispensa de licitação (art. 25, III, da Lei 8.666/1993) não configura improbidade administrativa, ausentes prova de superfaturamento ou de benefício indevido.
REsp 2.029.719-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? LIA (Lei 8.429/1992), arts. 10 e 11 (redação da Lei 14.230/2021); Lei 8.666/1993, art. 25, III.
???? Após a reforma de 2021, improbidade exige dolo específico de obter proveito indevido e comprovação de dano efetivo ao erário.
???? Não há mais dano presumido (in re ipsa); o Ministério Público deve provar superfaturamento ou enriquecimento ilícito.
???? A simples intermediação entre o poder público e o artista não gera improbidade.
Discussão e Tese
???? O STJ avaliou se a contratação de artista consagrado, intermediada por empresa que não era representante exclusiva, configuraria improbidade.
Para o STJ, não basta a irregularidade formal: é preciso prova de dolo específico e de prejuízo efetivo. Como não houve demonstração de superfaturamento ou enriquecimento ilícito, a condenação por improbidade foi afastada.
Como será Cobrado em Prova
???? A contratação de artista consagrado por intermediação, sem licitação, configura de per si improbidade administrativa.
Errado. O STJ afastou a improbidade por ausência de dolo específico e de dano efetivo.
???? Desde a Lei 14.230/2021, o reconhecimento de improbidade pelo art. 10 da LIA dispensa demonstração concreta de prejuízo ao erário, desde que haja irregularidade.
Errado. Contrário à ratio decidendi do julgado: não basta a irregularidade formal: é preciso prova de dolo específico e de prejuízo efetivo.
Versão Esquematizada
???? Improbidade – contratação artística |
???? Lei 8.666/1993, art. 25, III ???? LIA, arts. 10 e 11 (reforma 2021) ???? Exige dolo específico + dano efetivo ???? Intermediação sem superfaturamento = não há improbidade |
Inteiro Teor
A questão em discussão consiste em saber se a contratação de show artístico sem licitação, com base na inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/1993, configura ato de improbidade administrativa, considerando a ausência de dolo específico e de dano efetivo ao erário.
Com efeito, a partir da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, para a configuração da prática de ato de improbidade administrativa, exige-se a presença do dolo específico do agente de obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiro.
Já em relação ao art. 10 da Lei n. 8.492/1992 (Lei de improbidade Administrativa – LIA), além da presença de ação ou omissão dolosa, deve ser comprovada a efetiva perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa.
No caso, o Tribunal de origem fundamentou a condenação dos réus tão somente porque a empresa contratada para promover a estrutura do evento não era representante exclusiva do cantor contratado, mas “mera intermediária entre a administração pública e a empresa representante exclusiva do cantor”.
Não houve, todavia, qualquer demonstração de que os réus agiram com “o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”, como exigido pela nova redação do § 1º do art. 11 da LIA.
Além disso, também não se admite mais o chamado dano in re ipsa (presumido) para a configuração da improbidade administrativa pelo art. 10 da LIA, pois a legislação passou a exigir a demonstração da prova efetiva da lesão ao erário, o que não ocorreu no presente caso, tendo em vista que o Tribunal de origem se limitou a afirmar que, “no que tange à prova da efetiva lesão ao erário, em casos como o presente, o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que o dano é in re ipsa”.
Quanto à questão da comprovação do dano ao erário, percebe-se que o Tribunal de origem, na verdade, remeteu à fase de liquidação de sentença não a apuração do quantum debeatur – como seria de rigor -, mas sim a própria existência ou não de prejuízo, tanto que, instado a se manifestar sobre essa questão por meio de embargos de declaração, afirmou que, “Quanto à inexistência de superfaturamento, a matéria será apurada em liquidação de sentença”.
Ora, cabia ao Ministério Público, autor da ação civil pública, tentar demonstrar a existência de superfaturamento na contratação do artista consagrado, pois o serviço (show) foi efetivamente prestado, e, uma vez demonstrado o prejuízo ao erário, após o exercício do contraditório, pleitear a remessa à fase de liquidação de sentença apenas para apuração do quantum a ser ressarcido aos cofres públicos, o que, todavia, não ocorreu.
Nesse sentido, não houve qualquer questionamento acerca do montante pago pela apresentação do cantor sertanejo no aludido evento dos servidores municipais e nem quanto ao destino dos recursos, tampouco se cogitou de locupletamento ilícito dos agentes públicos ou da prática de qualquer ato de desonestidade.
Dessa forma, tal o quadro delineado, não sendo possível enquadrar a conduta imputada aos réus no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa – considerando a ausência de dano efetivo ao erário – e nem no art. 11 do mesmo diploma legal – tendo em vista a falta de demonstração do dolo específico dos agentes em obter benefício próprio,
5. Isenção de IPI e recebimento de BPC por pessoa com TEA
Destaque
É ilegal negar isenção de IPI a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na aquisição de veículo automotor com fundamento exclusivo no recebimento de Benefício de Prestação Continuada (BPC).
REsp 1.993.981-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CF, art. 6º, par. único; Lei 8.742/1993, art. 20, §4º; legislação de isenção de IPI.
???? A vedação do §4º do art. 20 da LOAS impede cumulação do BPC apenas com benefícios previdenciários/assistenciais, não com benefícios fiscais.
???? A lei do IPI exige apenas laudo médico e compatibilidade financeira para aquisição, não condiciona à não percepção do BPC.
???? Negar a isenção vulnera os princípios da isonomia e da capacidade contributiva.
Discussão e Tese
???? O STJ discutiu se o recebimento do BPC inviabilizaria a isenção de IPI para pessoa com TEA.
A Corte concluiu que a restrição da LOAS não alcança benefícios fiscais. O indeferimento administrativo, fundado nessa interpretação ampliativa, é ilegal. A isenção deve ser concedida se presentes os requisitos específicos da legislação tributária.
Como será Cobrado em Prova
???? O recebimento do BPC não impede a concessão da isenção de IPI prevista para pessoas com deficiência.
Correto. A restrição do art. 20, §4º da LOAS não se estende a benefícios fiscais.
???? A lei de isenção de IPI exige apenas comprovação médica e compatibilidade financeira, não vedando acumulação com BPC.
Correto. Foi a interpretação dada pelo STJ.
Versão Esquematizada
???? Isenção de IPI – TEA + BPC |
???? CF, art. 6º ???? LOAS, art. 20, §4º ???? Restrição só vale para benefícios da seguridade social ???? BPC não impede isenção fiscal |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em saber se a concessão de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros por pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é condicionada, ou não, à circunstância de que esta não receba, concomitante à pretendida isenção, o Benefício de Prestação Continuada – BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.
No caso, a despeito do preenchimento dos requisitos legais à concessão da isenção de IPI na aquisição de veículo automotor, por pessoa com Transtorno do Espectro Autista (apresentação de laudo, com especificação do diagnóstico médico e comprovação de disponibilidade financeira ou patrimonial compatível com o valor do veículo a ser adquirido), a administração fazendária erigiu, como condição negativa à obtenção do benefício fiscal, a circunstância – não estabelecida na lei isentiva de regência – de que o requerente não fizesse jus, simultaneamente, à percepção do Benefício de Prestação Continuada – BPC, invocando, para tanto, o disposto no art. 20, § 4º da Lei n. 8.742/1993, cujos contornos, todavia, não conferem respaldo algum a essa conclusão.
Dos termos do § 4º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, ressai evidenciado que o Benefício de Prestação Continuada não pode ser cumulado com nenhum outro benefício no âmbito da seguridade social (como o são o seguro-desemprego, a aposentadoria, pensão por morte, v.g.) ou de outro regime – aqui, leia-se, regime previdluenciário -, ressalvadas assistência médica, pensão especial de natureza indenizatória (como a regulada na Lei n. 7.070/1982); e transferências de renda oriunda da chamada “renda básica de cidadania”, mencionada no art. 6º, parágrafo único, da Constituição Federal e no art. 1º, § 1º, da Lei n. 10.835/2004 (no que se insere o “bolsa família”, benefício concebido como etapa do processo gradual e progressivo da universalização da renda básica de cidadania – art. 1º, § 1º, da Lei n. 14.601/2023).
Justifica-se a impossibilidade de acumulação, a considerar que o BPC tem por finalidade precípua justamente prover o mínimo existencial do beneficiário (pessoa idosa ou portadora de deficiência ou com Transtorno do Espectro Autista), o que já seria alcançado pela concessão de outros benefícios previdenciários e assistenciais, circunstância, por evidente, que não se aplica, nem sequer reflexamente, aos benefícios fiscais. Por tal razão, não se poderia conferir à norma de caráter indiscutivelmente restritiva (por restringir o direito à percepção do BPC) interpretação ampliativa para fazer incluir na vedação ali prevista os benefícios de ordem fiscal, que não guardam, como visto, nenhum paralelo com a justificação contida na norma proibitiva.
A interpretação conferida pela autoridade coatora, ao reputar vedado ao beneficiário do BPC – pessoa com deficiência e idoso com 65 anos ou mais, sem condições de prover sua própria subsistência – fazer jus à obtenção de um benefício fiscal, vulnera substancialmente os princípios da capacidade econômica do contribuinte, bem como da isonomia (que viabiliza, em certos casos, discriminações legais que se afiguram justas e razoáveis a fim de alcançar a igualdade material entre os contribuintes), o que não se concebe.
O benefício fiscal em questão dirige-se, no que importa ao caso, às pessoas com Transtorno do Espectro Autista em relação às quais não se exige a comprovação de hipossuficiência financeira. De modo diverso, a lei isentiva do IPI exige destas a demonstração a respeito da disponibilidade financeira ou patrimonial compatível com o valor do veículo a ser adquirido.
Este requisito – hipossuficiência financeira -, nos exatos termos em que especificado na Lei de Organização de Assistência Social, relaciona-se à concessão do Benefício Prestação Continuada, apresentando-se à administração fazendária como questão absolutamente irrelevante para fins de concessão ou não do benefício fiscal em exame, mostrando-se, por isso, indevida qualquer consideração a esse respeito.
Ademais, o reconhecimento de suposta ou eventual capacidade financeira do núcleo familiar do impetrante poderia, em tese, ser fundamento para revogação do benefício assistencial – garantido ao beneficiário, em todo caso, o exercício do contraditório e da ampla defesa -, e não o indeferimento de isenção de IPI sobre o veículo.
6. Alienação fiduciária de bem móvel e intimação prévia do devedor
Destaque
É desnecessária a intimação prévia do devedor acerca da data de leilão extrajudicial na alienação fiduciária de bens móveis, sendo a prestação de contas o meio adequado para discutir abusos.
REsp 2.163.612-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? Lei 4.728/1965; DL 911/1969.
???? A legislação permite a venda do bem móvel sem leilão ou até mesmo sem intimação do devedor; basta respeitar o prazo de 5 dias para pagamento integral.
???? Exigência de intimação prévia só existe na alienação de imóveis (Lei 9.514/1997).
???? O controle de eventual abuso se dá por meio de ação de prestação de contas.
Discussão e Tese
???? O STJ enfrentou divergência sobre a necessidade de intimação do devedor antes do leilão de bem móvel em alienação fiduciária.
Concluiu que, diferentemente dos imóveis, a lei de móveis não exige essa formalidade. A tutela do devedor ocorre por meio da prestação de contas, em que pode questionar preço, descontos e eventuais abusos do credor.
Como será Cobrado em Prova
???? O devedor deve ser intimado previamente da data do leilão de bem móvel alienado fiduciariamente.
Errado. Essa exigência só existe para imóveis.
???? Tratando-se de bem móvel alienado fiduciariamente, o devedor tem assegurado o direito de exigir prestação de contas após a venda extrajudicial de bem.
Correto. Esse foi o fundamento do STJ.
Versão Esquematizada
???? Alienação fiduciária – bens móveis |
???? Lei 4.728/1965 ???? DL 911/1969 ???? Prazo de 5 dias para purgar mora ???? Intimação prévia ≠ exigida ???? Defesa = prestação de contas |
Inteiro Teor
O contrato de alienação fiduciária em garantia de bens móveis está previsto na Lei n. 4.728/1965 e no Decreto-lei n. 911/1969, por meio do qual o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel de um bem como forma de garantir o pagamento de uma dívida.
No caso de inadimplemento do devedor, o credor tem assegurado o direito de reaver o bem, lançando mão do procedimento de busca e apreensão, previsto pelo Decreto-lei n. 911/1969.
E a lei é categórica ao facultar ao proprietário fiduciário a venda do bem móvel a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial.
Se a lei não exige ato anterior à alienação da garantia, não há como o Poder Judiciário exigir a intimação prévia do devedor para lhe dar ciência da venda, criando um entrave na retomada e na transmissão do bem móvel que, hoje, não mais se justifica.
O objetivo da inserção da prestação de contas pelo legislador foi exatamente permitir ao devedor a conferência dos procedimentos adotados pelo credor na alienação da garantia, como o valor da venda, os descontos aplicados e a existência de algum erro ou abuso.
Não se desconhece a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça acerca da necessidade de intimação pessoal do devedor sobre a data da realização do leilão extrajudicial nos casos de imóveis. Entretanto, referido entendimento está restrito aos casos de alienação fiduciária de coisa imóvel, regidos pela Lei n. 9.514/1997.
Portanto, no caso de bens imóveis, a Lei n. 9.514/1997 concedeu um prazo maior para purgação da mora (trinta dias), além da necessidade de comunicar o devedor sobre o leilão. Essas especificidades, todavia, não foram repetidas no Decreto-lei nº 911/69, que cuida da alienação de bens móveis, outorgando um prazo de cinco dias para pagamento da integralidade da dívida, sem a exigência de nenhuma medida judicial ou extrajudicial para venda do bem, assegurada a prestação de contas.
Em se tratando de casos absolutamente diversos, com tratamento da matéria em legislação própria, não há como, por analogia, se entender pela necessidade da intimação pessoal do devedor da data da realização do leilão extrajudicial no caso de móveis.
Além disso, essa opção legislativa por conferir tratamento distintos a bens móveis e imóveis não se revela irrazoável ou infundada. Ao contrário, mostra-se coerente com as características intrínsecas desses bens, notadamente nos aspectos relacionados a liquidez, celeridade com que são transacionados e volatilidade de seus valores no mercado.
7. Cláusula de não-concorrência sem limite temporal
Destaque
A cláusula de não-concorrência ilimitada no tempo é inválida, sendo passível de anulação.
REsp 2.185.015-SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CF/88, art. 170; CC/2002, arts. 172, 173, 177, 178 e 179.
???? A cláusula de não-concorrência restringe a livre iniciativa e deve ter limites espacial e temporal.
???? A ausência de limite temporal desvirtua a função da cláusula, tornando-a anulável (não nula).
???? Sendo anulável, admite confirmação pelas partes e só produz efeitos após decisão judicial, decaindo com o prazo legal.
Discussão e Tese
???? O STJ avaliou a validade de cláusula contratual de não-concorrência sem limite temporal.
Concluiu que a proteção da concorrência e da clientela não justifica restrição ilimitada. Por atingir a esfera privada, trata-se de hipótese de anulabilidade, sujeita às regras dos arts. 172 a 179 do CC.
Como será Cobrado em Prova
???? A cláusula de não-concorrência sem limite temporal é nula de pleno direito.
Errado. O STJ afirmou que é anulável, não nula.
???? A validade da cláusula de não-concorrência depende de limitação espacial e temporal razoável.
Correto. Esse foi o entendimento consolidado.
Versão Esquematizada
???? Cláusula de não-concorrência |
???? CF/88, art. 170 ???? CC/2002, arts. 172-179 ???? Limites: tempo e espaço ???? Ausência de limite temporal = anulabilidade |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em decidir se é válida a estipulação de cláusula de não-concorrência sem limitação temporal.
A cláusula de não-concorrência estabelece a vedação de que um dos contratantes comercialize bens ou serviços semelhantes àqueles comercializados pelo outro contratante, evitando que haja entre eles competição por clientela.
Trata-se de cláusula que restringe os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170 da CF/1988). Por isso, não é possível estabelecer cláusula de não-concorrência de forma ilimitada, sem restrições.
São válidas as cláusulas contratuais de não-concorrência, desde que limitadas espacial e temporalmente, porquanto adequadas à proteção da concorrência e dos efeitos danosos decorrentes de potencial desvio de clientela – valores jurídicos reconhecidos constitucionalmente.
Segundo a doutrina, a limitação temporal na cláusula de não-concorrência “liga-se à necessidade de se estabelecer prazo razoável para a duração dessa obrigação, pois a ausência de parâmetro temporal – ou a fixação de período irrazoável – acabaria por restringir demasiadamente o direito de a contraparte exercer livremente a atividade econômica“.
Quanto à espécie de invalidade, na vedação à cláusula de não-concorrência sem limitação temporal, embora se reconheça haver interesse social na preservação da livre concorrência e da livre iniciativa, o que se protege é a ordem privada. A restrição concorrencial contratualmente prevista atinge diretamente apenas o contratante; é o seu direito particular que não afronta à lei.
Assim, a cláusula de não-concorrência em que ausente a necessária limitação temporal é inválida, sendo o grau de intensidade de tal invalidade a anulabilidade, não a nulidade.
Sendo anulável, a ausência de limitação temporal na cláusula de não-concorrência: (i) é sanável e pode ser confirmada pelas partes, salvo direito de terceiro (arts. 172 e 173 do CC/2002); (ii) não tem efeito antes de julgada por sentença (art. 177 do CC/2002); (iii) não pode ser reconhecida ofício (art. 177 do CC/2002); (iv) deve ser alegada pelos interessados (art. 177 do CC/2002); (v) decai, passado o prazo legal (arts. 178 e 179 do CC/2002).
8. Pagamento de créditos trabalhistas na recuperação judicial
Destaque
O prazo de 1 ano para pagamento de créditos trabalhistas no plano de recuperação deve ser contado da concessão da recuperação judicial, não da data do pedido.
REsp 1.875.820-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? Lei 11.101/2005, arts. 54 e 59.
???? O plano de recuperação deve prever pagamento de créditos trabalhistas em até 1 ano.
???? O termo inicial é a concessão da recuperação, quando ocorre a novação dos créditos.
???? Antes disso, pode haver rejeição do plano ou convolação em falência.
Discussão e Tese
???? O STJ definiu o marco inicial para pagamento de créditos trabalhistas em recuperação judicial.
Fixou que o prazo conta-se da concessão da recuperação, momento em que se aperfeiçoa a novação e inicia a obrigação de pagamento.
Como será Cobrado em Prova
???? A concessão da recuperação judicial marca a eficácia da novação.
Correto. Antes disso, pode haver rejeição do plano ou convolação em falência.
???? O prazo para pagamento dos créditos trabalhistas em recuperação é de 1 ano da data da concessão do processamento da recuperação.
Errado. O marco inicial é a concessão da recuperação.
Versão Esquematizada
???? Recuperação judicial – créditos trabalhistas |
???? Lei 11.101/2005, arts. 54 e 59 ???? Prazo de 1 ano para pagamento ???? Marco inicial: concessão da recuperação ???? Novação só se aperfeiçoa com homologação |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia acerca do termo inicial a ser fixado para o pagamento dos créditos trabalhistas em sede de recuperação judicial.
A questão relativa ao marco inicial para pagamento de credores trabalhistas em processos de recuperação judicial foi definida no Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento dos recursos especiais n. 1.924.164/SP (DJe 17/6/20211) e n. 947.732/SP (DJe 1º/10/2021).
O art. 54 da Lei 11.101/2005 estabelece que o plano de recuperação judicial não pode prever prazo superior a 1 (um) ano para o pagamento de créditos trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido. Essa limitação visa proteger os trabalhadores, cujos créditos têm natureza alimentar e são, portanto, merecedores de tratamento especial.
A lei, no entanto, não especifica a data de início do prazo de um ano para o pagamento desses créditos.
Assim, a interpretação que a doutrina vem dando, corroborada pela jurisprudência do STJ, é que o prazo deve ser contado a partir da concessão da recuperação judicial, e não da data do pedido (RESP 1.960.888).
Esse entendimento advém de que: 1) A concessão da recuperação judicial é o marco que confere eficácia à novação dos créditos (art. 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência); 2) Antes dessa decisão, o plano ainda pode ser rejeitado, podendo haver a convolação em falência; e 3) A novação só se aperfeiçoa com a homologação judicial do plano, o que condiciona o início do cumprimento das obrigações.
9. Gratuidade de justiça e nova intimação para custas
Destaque
É dispensável nova intimação para recolhimento de custas processuais após o desprovimento de agravo de instrumento que manteve o indeferimento da gratuidade de justiça, se já houve advertência expressa.
REsp 2.010.858-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CPC, arts. 4º, 5º, 6º e 7º.
???? Se a parte foi intimada com advertência expressa sobre as consequências do não pagamento, não há necessidade de nova intimação após o recurso.
???? A ciência do indeferimento e da obrigação de pagar custas satisfaz a finalidade da intimação.
???? A exigência de nova intimação violaria princípios da celeridade e boa-fé processual.
Discussão e Tese
???? O STJ analisou se era necessária nova intimação após agravo desprovido contra decisão que negou gratuidade.
Concluiu que não: a primeira intimação, com advertência clara, basta para preservar o contraditório e a boa-fé. A exigência de nova intimação seria formalismo excessivo.
Como será Cobrado em Prova
???? Após o desprovimento de agravo contra o indeferimento de gratuidade, é obrigatória nova intimação para pagamento das custas.
Errado. O STJ entendeu que a primeira intimação já basta.
???? No desprovimento de agravo contra o indeferimento de gratuidade, a advertência expressa quanto à necessidade de recolhimento das custas satisfaz a exigência legal de intimação, dispensando nova ciência após recurso.
Correto. Esse foi o fundamento da Quarta Turma.
Versão Esquematizada
???? Gratuidade de justiça – custas |
???? CPC, arts. 4º-7º ???? Intimação com advertência é suficiente ???? Recurso não afasta dever de pagar ???? Nova intimação é desnecessária |
Inteiro Teor
A controvérsia jurídica consiste em definir se, após o julgamento do agravo de instrumento que manteve o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça, é necessária nova intimação da parte para efetuar o pagamento das custas processuais antes da extinção do processo.
O moderno processo civil brasileiro é estruturado sob diversos princípios fundamentais que dialogam entre si e formam um sistema coeso. Destacam-se, neste contexto, os princípios da boa-fé processual (art. 5º), da cooperação (art. 6º), da isonomia (art. 7º), da efetividade da tutela jurisdicional e da razoável duração do processo (art. 4º).
Dessa forma, quando a parte é adequadamente cientificada da necessidade de cumprir determinada obrigação processual, com expressa advertência sobre as consequências de seu descumprimento, a finalidade da intimação encontra-se plenamente satisfeita.
Nesse contexto, a exigência de uma nova intimação para o cumprimento de obrigação claramente estabelecida, após o desprovimento do recurso que questionava essa mesma obrigação, mostra-se incompatível com a lógica sistemática do processo civil contemporâneo.
Conclui-se, assim, que quando a parte é intimada para efetuar o pagamento das custas e opta por recorrer dessa decisão, assume conscientemente o risco processual inerente ao eventual desprovimento do recurso. O desfecho desfavorável do recurso, longe de sugerir a necessidade de nova intimação, apenas confirma a obrigação originalmente imposta, cujo prazo para cumprimento passa a fluir a partir da ciência da decisão que manteve o indeferimento da gratuidade.
10. Adjudicação de bens e necessidade de penhora prévia
Destaque
A penhora é ato processual prévio e indispensável para a adjudicação de bens em execução, sob pena de nulidade absoluta por ofensa ao devido processo legal.
REsp 2.200.180-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CPC, arts. 523, §3º, e 825, I; CF/88, art. 5º, LIV.
???? A sequência processual na execução é penhora → avaliação → expropriação.
???? A penhora garante contraditório e preserva o devido processo legal.
???? A ausência de penhora gera nulidade absoluta, sendo o prejuízo presumido.
Discussão e Tese
???? O STJ enfrentou se seria possível adjudicar bens sem penhora formal.
Concluiu que não: a penhora é pressuposto inafastável para qualquer forma de expropriação, pois representa a vinculação formal do bem ao processo, sem a qual há violação ao devido processo legal.
Como será Cobrado em Prova
???? A adjudicação pode ser deferida sem penhora prévia, desde que haja intimação do executado para garantir o contraditório.
Errado. O STJ afirmou que a penhora é ato prévio e indispensável.
???? A ausência de penhora antes da adjudicação acarreta nulidade relativa por violar o devido processo legal.
Errado. A tese aplicada pela Quarta Turma ressalta a nulidade absoluta.
Versão Esquematizada
???? Adjudicação de bens |
???? CPC, arts. 523 §3º e 825, I ???? CF/88, art. 5º, LIV ???? Penhora prévia = requisito essencial ???? Nulidade absoluta se ausente |
Inteiro Teor
A controvérsia jurídica diz respeito à possibilidade de se deferir a adjudicação de bem no processo de execução sem sua penhora prévia e formal.
Os artigos 523, § 3º e 825, inciso I, do Código de Processo Civil estabelecem que a penhora é ato processual prévio e necessário à adjudicação de bens. Essa sequência lógica e cronológica decorre da própria natureza da execução forçada e do sistema de expropriação nela previsto.
A exigência da penhora prévia como pressuposto para a adjudicação não representa mera formalidade processual, mas concretiza a garantia fundamental do devido processo legal prevista no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, segundo o qual ” ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Dessa forma, a sequência procedimental estabelecida pelo legislador processual (penhora-avaliação-expropriação) reforça o comando constitucional, estruturando um processo executivo que equilibra a efetividade da tutela jurisdicional com as garantias do executado.
A penhora, nessa perspectiva constitucional, representa uma etapa processual qualificada, que não pode ser suprimida por decisão judicial sem que isso implique violação à própria garantia do devido processo legal.
A supressão da penhora viola, portanto, não apenas as disposições infraconstitucionais que regulam o procedimento executivo, mas também o núcleo essencial da garantia constitucional do devido processo legal, na medida em que permite a privação de bens do executado sem a observância do procedimento legalmente estabelecido.
A inobservância deste pressuposto processual caracteriza nulidade absoluta, dispensando a comprovação de dano efetivo. Nesse contexto, o prejuízo é presumido ex lege, uma vez que vulnera princípios fundamentais como a segurança jurídica e o devido processo legal.
Por fim, é relevante observar que a necessidade da penhora antecedente não se restringe à adjudicação, mas constitui requisito inafastável em qualquer modalidade de expropriação prevista no art. 825 do CPC, seja ela a adjudicação (inciso I), a alienação (inciso II) ou a apropriação de frutos e rendimentos (inciso III).
11. Tráfico de drogas e aplicação cumulativa de majorantes
Destaque
As causas de aumento previstas no art. 40, II e VI, da Lei de Drogas possuem naturezas distintas e podem ser aplicadas cumulativamente, sem configurar bis in idem.
AgRg no REsp 1.937.895-MT, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? Lei 11.343/2006, art. 40, II e VI.
???? O inciso II tutela a proteção do adolescente como sujeito vulnerável; o inciso VI pune o uso do poder familiar para facilitar o tráfico.
???? São causas autônomas e cumuláveis.
???? Não há bis in idem, pois incidem sobre aspectos diversos da conduta.
Discussão e Tese
???? O STJ analisou caso em que a ré envolvia a própria filha adolescente na venda de drogas.
Reconheceu a possibilidade de cumulação: além da causa de aumento pelo envolvimento de menor, incide a majorante pelo abuso do poder familiar.
Como será Cobrado em Prova
???? É possível a aplicação cumulativa das majorantes do art. 40, II e VI, da Lei de Drogas.
Correto. Essa foi a tese fixada pela Quinta Turma.
Versão Esquematizada
???? Tráfico de drogas – majorantes |
???? Lei 11.343/2006, art. 40 II e VI ???? Natureza jurídica distinta ???? Cumulabilidade possível ???? Não configura bis in idem |
Inteiro Teor
A controvérsia consiste em saber se a aplicação cumulativa das majorantes do art. 40, II e VI, da Lei n. 11.343/2006 configura bis in idem.
O Tribunal de origem afastou uma das majorantes em questão consignando que, “impõe-se o decote da majorante do art. 40, VI, da Lei 11.343/06, se o adolescente envolvido no tráfico é o mesmo que fez ensejar a causa de aumento do inciso II do citado artigo, sob pena de incorrer em odioso bis in idem”.
Contudo, no caso, estão devidamente comprovadas as duas causas de aumento, que têm natureza jurídicas diversas, pois a acusada praticou o crime de tráfico de drogas com envolvimento de adolescente e prevalecendo-se do poder familiar, tendo em vista que aliciava sua filha adolescente para seu auxílio na venda dos entorpecentes.
Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em caso similar, afastou a ocorrência de bis in idem ao avaliar a conduta do pai que pratica o crime de drogas juntamente com o filho adolescente, entendendo devida a valoração negativa na primeira fase pelo poder paternal, sem prejuízo da incidência da causa de aumento do art. 40, VI, da Lei de Drogas, pois tratam-se de majorantes natureza jurídica distintas. Nessa linha, AgRg no AREsp 2.063.448/MA, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 5/8/2022.
Note-se que “[a] maior reprovabilidade da conduta de traficar com o próprio filho adolescente decorre da constatação de que a figura paterna deixou de observar o seu dever legal de conduzir a criação e a educação do filho, o que não se configura quando a prática do delito envolve adolescente sobre o qual não se exerce o poder familiar.” (HC 604.420/RJ, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 17/12/2021).
Assim, não há falar em bis in idem no reconhecimento das majorantes previstas nos incisos II e VI do art. 40 da Lei n. 11.343/2006.
12. Defensoria Pública como custos vulnerabilis na execução penal
Destaque
A Defensoria Pública pode atuar como custos vulnerabilis na execução penal, ainda que haja advogado constituído, para reforçar a proteção dos direitos humanos dos apenados.
REsp 2.211.681-MA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CF/88, arts. 5º, XXXV e LXXIV, e 134; LC 80/1994, art. 4º; LEP, arts. 61, VIII e 81-A.
???? A Defensoria Pública é função essencial à justiça e pode intervir na execução penal em defesa de vulneráveis.
???? A vulnerabilidade prisional é estrutural e justifica a atuação atípica como custos vulnerabilis.
???? A atuação complementa a defesa técnica do advogado, promovendo paridade de armas.
Discussão e Tese
???? O STJ examinou se a Defensoria poderia atuar como custos vulnerabilis em execução penal, apesar de já haver advogado constituído.
Concluiu que sim: a Defensoria tem legitimidade institucional para intervir sempre que houver vulnerabilidade social, reforçando direitos humanos e garantias fundamentais da população carcerária.
Como será Cobrado em Prova
???? A Defensoria não pode intervir em execução penal quando já houver advogado constituído.
Errado. O STJ reconheceu legitimidade para atuação complementar. A atuação da Defensoria como custos vulnerabilis visa reforçar a defesa dos direitos fundamentais dos presos e pode ocorrer independentemente de defesa técnica já constituída.
Versão Esquematizada
???? Defensoria – custos vulnerabilis |
???? CF, arts. 5º e 134 ???? LC 80/1994, art. 4º ???? LEP, arts. 61 e 81-A ???? Atuação complementar à defesa técnica ???? Proteção dos vulneráveis na execução penal |
Inteiro Teor
A questão consiste em saber se a Defensoria Pública pode atuar como custos vulnerabilis na execução penal, mesmo quando o apenado possui advogado constituído.
No caso, o Tribunal de origem manteve a decisão no sentido da ilegitimidade da atuação da Defensoria Pública Estadual como custos vulnerabilis na formulação de pedido de saída temporária em favor de apenado já assistido por advogado.
Contudo, extrai-se da Constituição Federal (art. 5º, LXXIV e art. 134) e das leis infraconstitucionais (Lei Complementar n. 80/94 – artigo 4º, Lei de Execução Penal – artigos 61, VIII, e 81-A), a intervenção custos vulnerabilis como prerrogativa implícita de atuação da Defensoria Pública, prevista como expressão e instrumento do regime democrático, sendo esta responsável, fundamentalmente, pela promoção dos direitos humanos e defesa dos necessitados.
O direito de acesso à justiça preconizado no art. 5º, XXXV, da CF é expressão que não se limita ao acesso ao Poder Judiciário, abrange, também, à ordem jurídica justa, que só pode ser concretizada com a atuação do órgão defensor em prol dos necessitados. É nesse contexto que se justifica a ampliação da sua legitimação institucional.
Dito isso, vê-se que os citados regramentos fazem referência genérica à expressão “necessitados”, levando a crer, por interpretação literal e lógica, que se está a falar em uma vulnerabilidade mais ampla, não apenas econômica, mas aquela que prestigia todo e qualquer grupo frágil, indefeso, exposto, desprotegido, suscetível a mazelas.
Assim, nesse papel institucional de custos vulnerabilis, a Defensoria atua em prol do interesse organizacional, viabilizando o contraditório e a ampla defesa dos necessitados, independente da condição financeira, na tentativa de garantir sua participação e influência nas decisões judiciais.
A Defensoria Pública, como órgão da execução penal, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução, para a defesa dos “necessitados”, torna nítido o amparo normativo que se dá a essa atuação defensorial, voltando-a à assistência da população carcerária, categoricamente tida por socialmente vulnerável, considerado o elevado índice de reclusão do país, que a coloca automaticamente suscetível a mazelas físicas e mentais e a outras violações de direitos fundamentais. Essa marginalização e exclusão sociais reforçam a atuação atípica e legitimação ampla daquele órgão.
Assevera-se, conforme a doutrina, que a intervenção da guardiã dos vulneráveis tem caráter análogo à atuação como custos legis (Fiscal da Lei). A referida analogia decorre da natureza jurídico-constitucional de função essencial à justiça atribuída igualmente a ambos os órgãos, bem como da identidade de prerrogativas processuais a eles conferidas.
Essa afirmativa merece respaldo, pois converge com o disposto na Constituição Federal vigente, que consagrou a Defensoria Pública no capítulo referente às Funções Essenciais à Justiça, confirmando o dever estatal de oferecer proteção jurídica àqueles insuficientes de recursos, que, em interpretação mais ampla, abrange os necessitados de todo gênero.
Equivale a dizer que em todo processo em que haja discussão acerca dos interesses dos vulneráveis será possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído ou mesmo da necessidade de representação judicial.
Destarte, em vista da estigmatização do grupo prisional, que tem a vulnerabilidade como uma de suas principais características, do elevado grau de desproteção que lhe guarda, além da pertinência da atuação com uma estratégia institucional, conclui-se estar autorizada a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis na seara da execução penal, independentemente da constituição de defesa técnica, já que são atuações que se complementam na garantia de direitos fundamentais, promovendo uma real paridade de armas no processo penal.
Por fim, frise-se que a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis complementa a defesa técnica, em reforço, na proteção dos direitos humanos, especialmente em casos de omissão do advogado constituído.
13. Acordo de não persecução penal na Justiça Militar
Destaque
É possível a aplicação do acordo de não persecução penal (ANPP) na Justiça Militar, conforme entendimento do STF e recente orientação do STJ.
HC 993.294-MG, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti (Desemb. conv. TJRS), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.
Conteúdo-Base
???? CPP, art. 28-A, §2º; CPPM, art. 3º; Súmula 18/STM.
???? O STF, no HC 232.254/PE, reconheceu aplicabilidade do ANPP na Justiça Militar.
???? O STJ acompanhou a orientação, superando precedente anterior de inaplicabilidade.
???? O instituto aplica-se em razão dos princípios da individualização da pena, proporcionalidade e razoabilidade.
Discussão e Tese
???? O STJ revisou sua posição anterior, que seguia a Súmula 18 do STM, para admitir o ANPP em crimes militares.
Fixou que a ausência de previsão expressa no CPPM não impede a aplicação, pois o art. 3º admite aplicação subsidiária do CPP.
Como será Cobrado em Prova
???? Tanto o STF como o STJ reconhecem a possibilidade de aplicação do ANPP em crimes militares.
Correto. Essa é a juris agora consolidada!
Versão Esquematizada
???? ANPP – Justiça Militar |
???? CPP, art. 28-A ???? CPPM, art. 3º ???? STF: HC 232.254/PE ???? Súmula 18/STM superada |
Inteiro Teor
O Tribunal de Justiça Militar deixou de reconhecer a aplicabilidade de acordo de não persecução penal, sob o fundamento de que o legislador deixou de promover a inclusão do instituto no Código de Processo Penal Militar.
Sobre o tema, no ano de 2022, o Superior Tribunal Militar editou o enunciado de Súmula n. 18 que vedava o ANPP ao crimes militares.
Nessa mesma linha, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça também já reconheceu a inaplicabilidade do acordo de não persecução penal aos crimes previstos na legislação penal militar. (AgRg no HC 628.275/SP, Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe de 14/3/2023).
Contudo, essa orientação jurisprudencial alterou-se a partir de 2024, quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na apreciação do HC 232.254/PE, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, firmou entendimento no sentido de que a interpretação sistemática conferida ao art. 28-A, § 2º, do CPP e do art. 3º do CPPM autorizaria a aplicabilidade do ANPP em matéria penal militar.
Frise-se que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça também passou a entender da mesma forma do Supremo Tribunal Federal, admitindo a aplicação do instituto à Justiça Castrense (EDcl no AgRg no AREsp 2.481.489/MS, Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, DJEN de 18/2/2025).
Portanto, conforme o entendimento do STF e recente posicionamento do STJ, o instituto do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, aplica-se aos crimes militares previstos na legislação penal militar, tendo em vista os princípios constitucionais da individualização da pena, da proporcionalidade e razoabilidade.
14. Tráfico internacional de munições e prova de transnacionalidade
Destaque
A condenação pelo crime de tráfico internacional de munições exige prova segura da transposição dos limites territoriais do país; não basta confissão extrajudicial informal não corroborada.
AgRg no AREsp 2.512.800-SP, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desemb. conv. TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2024.
Conteúdo-Base
???? Lei 10.826/2003, art. 18.
???? A competência da Justiça Federal pode ser fixada com indícios, mas a condenação exige prova efetiva da transnacionalidade.
???? A procedência estrangeira das munições não basta para condenação.
???? Confissão extrajudicial informal, não documentada e não confirmada, é insuficiente.
Discussão e Tese
???? O STJ discutiu se a mera origem estrangeira das munições e confissão informal bastariam para condenar por tráfico internacional.
Concluiu que não: é imprescindível prova segura de que houve transposição de fronteira.
Como será Cobrado em Prova
???? A origem estrangeira das munições é suficiente para condenar por tráfico internacional.
Errado. O STJ exige prova da transposição efetiva das fronteiras.
Versão Esquematizada
???? Tráfico internacional de munições |
???? Lei 10.826/2003, art. 18 ???? Exige prova da transposição ???? Origem estrangeira ≠ suficiente ???? Confissão informal ≠ suficiente |
Inteiro Teor
A discussão consiste em saber se a condenação pelo crime de tráfico internacional de munições pode ser mantida com base apenas na procedência estrangeira das munições e em confissão informal não corroborada por outras provas.
Da leitura do art. 18 da Lei n. 10.826/2003, percebe-se que a condenação pelo crime de tráfico internacional de munições exige prova segura de que o agente atuou na transposição dos limites territoriais do país, não bastando a procedência estrangeira dos artefatos.
Com efeito, embora a jurisprudência desta Corte Superior não exija prova inconteste da transnacionalidade da conduta para a fixação da competência da Justiça Federal (CC 188.135/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 8/2/2023, DJe de 23/2/2023), é indispensável tal comprovação para a condenação pelo tipo em questão.
Além disso, a confissão extrajudicial informal, não documentada e não confirmada em juízo, não é admissível como prova suficiente para a condenação.
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