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1. Termo inicial dos juros no caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto
No caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto, os juros moratórios devem ser contados desde a data da citação válida, salvo se a mora da prestadora do serviço tiver sido comprovada em momento anterior.
REsp 2.090.538-PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024. (Tema 1221). (Info 835 STJ)
1.1. Dos FATOS.
A Companhia de Saneamento do Paraná tinha uma estação de tratamento de Esgoto próxima da casa do Crementino. E não é que dessa estação vinha um futum enorme e invadia a morada do Crementino? Ele então ajuizou ação para obter indenização pelos danos morais decorrentes de tal emissão irregular de gases, com produção de intenso mau cheiro.
Após a condenação da Sanepar, Crementino interpôs recurso para que o termo inicial dos juros contasse a partir da data do evento danoso
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Do DIREITO.
Código de Defesa do Consumidor – CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
1.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Tradicionalmente, o Superior Tribunal de Justiça define os efeitos da mora, dentre eles, especialmente, o termo inicial dos juros moratórios, a partir da categorização doutrinária clássica da responsabilidade civil quanto à origem da relação jurídica travada entre os litigantes, distinguindo a responsabilidade contratual da extracontratual.
Esse entendimento está cristalizado no verbete n. 54 da Súmula do STJ, segundo o qual “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
A despeito de oferecer solução para fixar o termo inicial dos juros moratórios, referido enunciado sumular não aponta os critérios distintivos das espécies de responsabilidade contratual e extracontratual. Revisitando os precedentes que deram origem ao aludido verbete, nota-se que o discrímen utilizado se valia da classificação do ilícito: se absoluto, responsabilidade extracontratual; ou, se relativo, contratual.
Entretanto, a evolução dos estudos em Direito Civil aponta para a superação da teoria dualista, a partir do foco na reparação integral dos danos, aplicável tanto para os casos de responsabilidade contratual como extracontratual.
Importante frisar que o próprio Código de Defesa do Consumidor – CDC não adotou essa classificação dual, valendo-se de conceitos mais modernos da responsabilidade (em regra objetiva e solidária) pelo fato ou por vício do produto ou do serviço (artigos 12 a 25 do CDC), circunscrevendo a responsabilidade subjetiva apenas aos casos de profissionais liberais, que será apurada mediante a verificação de culpa (artigo 14, § 4º, CDC), conquanto no diploma consumerista não haja nenhuma disposição específica referente à constituição em mora.
Nesse rumo, com a possibilidade de violação positiva do contrato e de seus deveres anexos, inspirados sob os princípios da boa-fé objetiva e da probidade, os quais devem permear todo o vínculo contratual, inclusive na fase de execução (sobretudo nos contratos de prestação continuada), também estará caracterizada a mora (inadimplemento parcial) nos casos de cumprimento imperfeito, inexato ou defeituoso da prestação.
Desse modo: (i) na responsabilidade contratual, é possível a caracterização da mora anteriormente à citação válida: (a) na obrigação positiva, líquida e com termo certo; (b) em caso de anterior notificação do responsável pela reparação dos danos; (c) quando verificado inadimplemento absoluto devidamente comprovado nos contratos de prestação continuada; (ii) na responsabilidade extracontratual, a regra é a constituição da mora a partir do evento danoso, mas também se mostra possível a sua configuração a partir da citação válida, quando ela não restar efetivamente comprovada em momento anterior; e (iii) na dúvida, deve ser considerada a citação válida como termo inicial da mora.
Assim, havendo dúvida relevante quanto ao momento em que caracterizada a mora, deve ser aplicada a regra geral de que, não comprovada em momento anterior, deve ser considerada a data da citação, nos termos dos artigos 240 do Código de Processo Civil – CPC e 405 do Código Civil – CC.
Em vista do exposto, fixa-se a seguinte tese: “No caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto, os juros moratórios devem ser contados desde a data da citação válida, salvo se a mora da prestadora do serviço tiver sido comprovada em momento anterior”
1.2.3. Da DECISÃO.
No caso de demanda em que se pleiteia reparação moral decorrente de mau cheiro oriundo da prestação de serviço público de tratamento de esgoto, os juros moratórios devem ser contados desde a data da citação válida, salvo se a mora da prestadora do serviço tiver sido comprovada em momento anterior.
2. Carreira do Seguro Social e progressão funcional.
i) O interstício a ser observado na progressão funcional e na promoção de servidores da carreira do Seguro Social é de 12 (doze) meses, nos termos das Leis n. 10.355/2001, 10.855/2004, 11.501/2007 e 13.324/2016;
ii) É legal a progressão funcional com efeitos financeiros em data distinta à de entrada do servidor na carreira (início do exercício funcional);
iii) São exigíveis diferenças remuneratórias retroativas decorrentes do reenquadramento dos servidores quanto ao período de exercício da função até 1º/1/2017, nos termos do art. 39 da Lei n. 13.324/2016.
REsp 1.956.378-SP, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024. (Tema 1129). (Info 835 STJ)
2.1. Dos FATOS.
Maurício, servidor do INSS, ajuizou ação que questionava o tempo a ser observado na progressão funcional. Administrativamente, a autarquia alega que o termo inicial da contagem da progressão e promoção funcional, bem como seus efeitos financeiros, devem seguir as disposições dos arts. 10 e 19 do Decreto 84.669/1980, ou seja, 18 meses.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Do DIREITO.
Lei n. 10.855/2004:
Art. 9º Até que seja editado o regulamento a que se refere o art. 8º desta Lei, as progressões funcionais e promoções cujas condições tenham sido implementadas serão concedidas observando-se, no que couber, as normas aplicáveis aos servidores do Plano de Classificação de Cargos de que trata a Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970.
2.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Conforme dispõe o art. 9º da Lei n. 10.855/2004, que regulou a reestruturação da Carreira Previdenciária, com redação dada pela Lei n. 11.501/2007, enquanto não editado regulamento a respeito das promoções e progressões funcionais, devem ser observadas as regras constantes do Plano de Classificação de Cargos, disciplinado pela Lei n. 5.645/1970. Nessa linha, deve-se respeitar o interstício mínimo de 12 (doze) meses, conforme o art. 7º do Decreto n. 84.669/1980.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento pela possibilidade de fixação do termo inicial da contagem dos efeitos financeiros da promoção e da progressão funcionais ser fixado em data distinta da entrada em exercício do servidor.
No caso dos servidores da carreira da seguridade social, deve-se observar que o Decreto n. 84.669/1980 prevê que: a) os termos iniciais da contagem do interstício para a progressão e promoção funcionais são os meses de janeiro e julho (art. 10, § 1º) ou o primeiro dia do mês de julho após a entrada em exercício (art. 10, § 2º); e b) para início dos efeitos financeiros dos atos de progressão até então publicados, os meses de setembro e março (art. 19).
É possível exigir diferenças remuneratórias retroativas aos reenquadramentos funcionais, considerando que, até a vigência da Lei n. 13.324/2016, os servidores já tinham o direito às progressões funcionais conforme as regras estabelecidas na Lei n. 5.645/1970 e no Decreto n. 84.669/1980, de forma que já tinham direito ao cômputo do interstício de 12 (doze) meses.
Com efeito, não se trata de aplicação retroativa do art. 39 da Lei n. 13.324/2016, mas de reconhecimento da incidência das normas anteriores a 2017 (que já previam o interstício de 12 meses).
Assim, fixam-se as seguintes teses jurídicas:
i) O interstício a ser observado na progressão funcional e na promoção de servidores da carreira do Seguro Social é de 12 (doze) meses, nos termos das Leis n. 10.355/2001, 10.855/2004, 11.501/2007 e 13.324/2016;
ii) É legal a progressão funcional com efeitos financeiros em data distinta à de entrada do servidor na carreira (início do exercício funcional);
iii) São exigíveis diferenças remuneratórias retroativas decorrentes do reenquadramento dos servidores quanto ao período de exercício da função até 1º/1/2017, nos termos do art. 39 da Lei n. 13.324/2016.
2.2.3. Da DECISÃO.
) O interstício a ser observado na progressão funcional e na promoção de servidores da carreira do Seguro Social é de 12 (doze) meses, nos termos das Leis n. 10.355/2001, 10.855/2004, 11.501/2007 e 13.324/2016;
ii) É legal a progressão funcional com efeitos financeiros em data distinta à de entrada do servidor na carreira (início do exercício funcional);
iii) São exigíveis diferenças remuneratórias retroativas decorrentes do reenquadramento dos servidores quanto ao período de exercício da função até 1º/1/2017, nos termos do art. 39 da Lei n. 13.324/2016.
3. (Im)Possibilidade de ajuizamento de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator de trânsito
O direito ao trânsito seguro, bem como os notórios e inequívocos danos materiais e morais coletivos decorrentes do tráfego reiterado, em rodovias, de veículo com excesso de peso, autorizam a imposição de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator.
REsp 1.908.497-RN, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024. (Tema 1104). (Info 835 STJ)
3.1. Dos FATOS.
A empresa Cledson Gesso estava rodando pelas rodovias Brasil afora com caminhões mais pesados que elefante obeso. O MPF ficou sabendo e ajuizou Ação Civil Pública objetivando a condenação ao pagamento de danos materiais e morais coletivos pelo tráfego de veículos de carga com excesso de peso.
A sentença julgou o pedido improcedente, sob o fundamento de que a conduta é sancionada pelo Código de Trânsito Nacional, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao legislador para aumentar a sanção cominada, ou fixar nova penalidade.
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Do DIREITO.
Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 231. Transitar com o veículo:
V – com excesso de peso, admitido percentual de tolerância quando aferido por equipamento, na forma a ser estabelecida pelo CONTRAN:
Infração – média;
3.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, visando à condenação de uma empresa ao pagamento de danos materiais e morais coletivos em razão do tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias. A sentença julgou o pedido improcedente, argumentando que a conduta já é punida pelo Código de Trânsito Brasileiro, não sendo competência do Judiciário substituir o legislador para agravar a penalidade ou estabelecer nova sanção. O julgado foi mantido pelo Tribunal recorrido.
A fim de preservar a integridade das vias terrestres, bens públicos de uso comum do povo, assim como a segurança no trânsito, dispõe o art. 231, V, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que o tráfego de veículo com excesso de peso constitui infração administrativa de natureza média, sujeita à aplicação de multa.
No entanto, a punição da conduta na esfera administrativa não esgota, necessariamente, a resposta punitiva estatal frente ao ilícito, notadamente quando há desproporcionalidade entre a penalidade administrativa aplicada e o benefício usufruído pelo infrator com a reiteração do comportamento proibido. Portanto, à luz dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da independência das instâncias punitivas, não se exclui da apreciação do Poder Judiciário a postura recalcitrante à legislação de trânsito.
É fato notório o nexo causal existente entre o transporte com excesso de peso e a deterioração da via pública decorrente de tal prática. A circulação de veículos com sobrepeso danifica a estrutura da malha viária, abreviando o seu tempo de vida útil e ocasionando o dispêndio de recursos públicos. Além dos graves danos materiais gerados ao patrimônio público, há ofensa in re ipsa a direitos coletivos e difusos, de caráter extrapatrimonial, como a ordem econômica, o meio ambiente equilibrado e a segurança dos usuários das rodovias.
Assim, como a previsão de infração administrativa não afasta o reconhecimento da responsabilidade civil do agente reincidente no transporte com excesso de peso, a aplicação da multa administrativa não exclui a imposição da tutela inibitória prevista pela Lei da Ação Civil Pública (art. 11, da Lei n. 7.347/1985).
Tem-se em vista que a multa administrativa, de caráter abstrato e sancionadora de ilícitos pretéritos, em nada se confunde com a multa civil (astreintes), fixada para dissuadir a conduta contumaz do infrator recalcitrante, bem como assegurar o cumprimento das obrigações judicialmente estabelecidas. Inexiste, portanto, indevido bis in idem nas múltiplas respostas estatais dirigidas a uma mesma conduta contrária ao Ordenamento.
O entendimento consolidado do Tribunal da Cidadania é no sentido de que a sanção administrativa prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro não afasta as demais formas de resposta estatal previstas pelo Ordenamento para prevenir, reparar e reprimir o tráfego de veículo de carga com excesso de peso nas rodovias. As principais premissas que embasaram tais precedentes foram didaticamente sintetizadas nos seguintes termos: i) há um direito coletivo ao trânsito seguro; ii) não há direito ao livre trânsito com excesso de carga, ainda que mediante pagamento de pedágio; iii) a previsão administrativa de vedação ao sobrepeso visa à proteção do patrimônio público e à segurança viária; iv) o dano decorrente do transporte de cargas em excesso é notório e direto, dispensando a produção de prova específica; v) comprovado o transporte com sobrepeso, configura-se o dano, assim como o nexo causal proveniente da conduta; vi) os danos causados são de ordem material e moral e ostentam natureza difusa; viii) a conduta ilícita decorre do investimento empresarial na atividade antijurídica, lucrativa em face da desproporcionalidade entre a multa administrativa e o benefício econômico usufruído pelo transportador; ix) inexiste indevido bis in idem na hipótese de aplicação da sanção administrativa e do reconhecimento da responsabilidade civil pelo mesmo fato; x) o acolhimento jurisdicional de medidas garantidoras do direito não configura usurpação de competência legislativa ou administrativa; xi) são cabíveis astreintes para a inibição da conduta; e xii) a reiteração comprovada ou inequívoca da infração autoriza esta Corte a reconhecer a respectiva responsabilidade civil, cabendo à instância ordinária a fixação dos patamares indenizatórios (AgInt no REsp 1.783.304/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 15/3/2021).
3.2.3. Da DECISÃO.
O direito ao trânsito seguro, bem como os notórios e inequívocos danos materiais e morais coletivos decorrentes do tráfego reiterado, em rodovias, de veículo com excesso de peso, autorizam a imposição de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator.
4. Cânhamo industrial e autorização para importação e plantio
I – Nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência;
II – De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964) e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e ao controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial (Hemp), não havendo, atualmente, previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário;
III – À vista da disciplina normativa para os usos médicos e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Portaria SVS/MS n. 344/1998 e RDC n. 327/2019) proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial – Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%;
(IV) É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp) por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e pela União, no âmbito de suas respectivas atribuições, no prazo de 06 (seis) meses, contados da publicação deste acórdão;
V – Incumbe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial.
REsp 2.024.250-PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/11/2024, DJe 19/11/2024 (IAC 16). (Info 835 STJ)
4.1. Dos FATOS.
DNA Soluções ajuizou ação em face da União e da ANVISA para obter permissão/autorização para que a Autora [empresa com larga experiência no setor de desenvolvimento de sementes, Biotecnologia e engenharia genética de plantas] possa realizar o cultivo de Hemp (cânhamo industrial) e a liberação de sua comercialização no Brasil e para exportação.
A ANVISA sustenta que a proibição do plantio, cultivo e comercialização da planta no Brasil recai sobre o gênero Cannabis, sem distinções de variedades, de modo que a autorização legal para seu uso e dos seus derivados configura hipótese excepcional, estritamente para fins científicos e medicinais, hipótese distinta daquelas apresentadas pelo autor.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Do DIREITO.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
4.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Cinge-se a controvérsia em definir a possibilidade de concessão de Autorização Sanitária para importação e cultivo de variedades de Cannabis que, embora produzam Tetrahidrocanabinol (THC) em baixas concentrações, geram altos índices de Canabidiol (CBD) ou de outros Canabinoides, e podem ser utilizadas para a produção de medicamentos e demais subprodutos para usos exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais, à luz da Lei n. 11.343/2006, da Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964), da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (Decreto n. 79.388/1977) e da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Decreto n. 154/1991).
Ressalta-se que o cerne do debate repousa sobre a impugnação de atos secundários da ANVISA restringindo o plantio e o cultivo da Cannabis no território nacional, cuja análise, portanto, há de ser efetuada à vista da competência sanitária da agência, voltada a prevenir, a diminuir ou a eliminar riscos à saúde ou ao meio ambiente.
Alerta-se, ainda, que a questão em julgamento não versa sobre a descriminalização da maconha, tampouco sobre o cultivo de todas as variedades da planta e para quaisquer fins, não havendo, outrossim, nenhuma discussão sobre o uso recreativo da Cannabis.
Igualmente, não está em debate a possibilidade da sua importação e/ou cultivo domiciliar por pessoas físicas, ou, ainda, de empregos industriais diversos do farmacêutico, haja vista que tal hipótese escapa à disciplina dos atos regulamentares questionados, editados no exercício da competência sanitária da agência reguladora sobre atividades e ações medicinais e farmacológicas envolvendo a planta.
O cânhamo industrial (Hemp) e “maconha” são variedades genéticas distintas da Cannabis sativa L. Ambas contêm THC (Tetrahidrocanabinol), componente psicotrópico da Cannabis, responsável pelos efeitos eufóricos ou alterados da percepção, e CBD (Canabidiol), substância presente na planta e incapaz de gerar efeitos psicoativos, utilizada para fins farmacêuticos e medicinais.
Diferentemente da maconha, o cânhamo industrial não possui concentração de THC capaz de causar efeitos psicotrópicos (inferior a 0,3%), vale dizer, é inservível para produzir drogas, mas possui alto teor de CBD.
Pesquisas e estudos nacionais e internacionais indicam o potencial terapêutico ou comprovam a eficácia de derivados da Cannabis na atenuação de sintomas de inúmeras doenças e transtornos humanos, motivando diversos Estados da Federação a aprovarem leis autorizando a distribuição de medicamentos à base de substratos da planta nas respectivas redes públicas de saúde, notadamente em função do elevado custo desses produtos, decorrente, em boa medida, da necessidade de importação dos insumos para sua produção.
Os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, ao incorporar Convenções internacionais sobre a matéria, quais sejam, Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961 (Decreto n. 54.216/1964); Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971 (Decreto n. 79.388/1977); e Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988 (Decreto n. 154/1991), não apontam nenhum impedimento para o cultivo controlado de cânhamo industrial em território nacional.
No que tange à legislação infraconstitucional diretamente envolvida na solução da controvérsia, tem-se a Lei n. 11.343/2006 (“Lei de Drogas”) e seu regulamento, o Decreto n. 5.912/2006; assim como as Leis ns. 9.782/1999 e 10.711/2003, as quais estabelecem, respectivamente, as competências regulatórias da ANVISA e do Ministério da Agricultura e Pecuária sobre sementes e mudas.
Verifica-se que o art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006 contempla norma penal em branco, que autoriza a Administração Pública, mediante o exercício de seu poder regulamentar, a especificar as substâncias ou produtos capazes de provocar dependência, complementando, assim, a definição de drogas encartada no seu texto.
Assim, no cenário atual, a ANVISA classifica a planta Cannabis e suas espécies como proscritas em virtude da existência de THC, independentemente do percentual presente da substância.
Entretanto, conforme doutrina, os efeitos psicoativos ou psicotrópicos causados pelo THC sobre o organismo humano despontam a partir de teores mais elevados da substância que aqueles verificados no Hemp, vale dizer, inferiores a 0,3%, referencial esse estabelecido desde 1976 para distinguir a taxonomia da maconha e do cânhamo. Efetivamente, considera-se 1% o nível mínimo de THC para que a substância seja capaz de produzir efeitos psicotrópicos, aspecto fenomênico eleito pela norma regulamentar brasileira para tornar ilegal a Cannabis.
Tendo isso presente, o art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006 considera “como drogas as substâncias ou produtos capazes de causar dependência”, assim definidas por ato da autoridade sanitária. Adiante, o art. 2º, caput, enuncia: “ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar […]”. Já o seu parágrafo único dispõe que a União pode “autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos […]”. Ditos vegetais são os mesmos descritos na cabeça do dispositivo, ou seja, aqueles singularizados pela característica de deles se poder extrair ou produzir drogas.
Por sua vez, drogas, segundo a dicção legal, são substâncias ou produtos capazes de provocar dependência, isto é, por previsão regulamentar aplicável à Cannabis, substâncias ou produtos que contenham THC, e, por isso, causariam efeitos psicotrópicos.
Contudo, os índices de THC gerados pelo cânhamo industrial – abaixo do globalmente aceito limite de 0,3% – são, como visto, insuficientes para produzir os efeitos psicoativos ensejadores da vedação indistinta imposta pela norma regulamentar sobre a planta e suas partes, consoante previsto na Portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS/MS) n. 344/1998.
Por conseguinte, a ausência de diferenciação, no âmbito regulamentar, quanto ao cânhamo industrial, com baixos teores de THC, desvirtua a finalidade da lei, cujo objetivo primordial consiste em prevenir o uso e o comércio de substâncias que provoquem dependência, tão somente.
Assim, conferir ao cânhamo industrial o mesmo tratamento proibitivo imposto à maconha, desprezando, para tanto, as fundamentais distinções científicas existentes entre ambos, configura medida nitidamente discrepante da teleologia abrigada pela Lei n. 11.343/2006.
Desse modo, a partir de interpretação balizada por redução teleológica do alcance normativo dos artigos 1º, parágrafo único, e 2º, caput e parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, a importação de sementes, o cultivo e a comercialização de plantas de cânhamo industrial no País – desde que respeitado percentual menor que 0,3% de THC – não são alcançados pela vedação estabelecida pelos apontados dispositivos legais.
Noutro giro, em homenagem ao princípio da legalidade (art. 5º, II, CF), tais atividades não podem ser proibidas por normas infralegais, sem que isso implique, todavia, deixar de se submeterem à normatização, controle e fiscalização das etapas e processos envolvidos na cadeia produtiva pelos órgãos estatais competentes, os quais devem disciplinar a execução dessas e de outras ações pertinentes por atos regulamentares, expedidos no âmbito das suas competências.
Nesse proceder, em sua atuação normativa, incumbe particularmente à ANVISA, no exercício de sua discricionariedade administrativa, suprir a ausência de regulamentação relativa ao cultivo de Hemp, decorrente de equivocada interpretação ampliativa que adotou em relação à proibição prevista na Lei de Drogas.
Para isso, cabe à autarquia avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial.
Por outro lado, verifica-se que há inércia regulamentar do Poder Público nacional sobre o cultivo e comercialização da Cannabis no País, o que impacta negativamente o acesso a tratamento qualificado de saúde para inúmeros pacientes.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento segundo o qual o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar a adoção, pela Administração Pública, de medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes e da reserva do possível, sendo viável, ainda, a fixação de diretrizes a serem observadas pelo Poder Público para o cumprimento da decisão judicial (Tema n. 698/STF; AgInt no AgInt no AREsp n. 2.108.655/CE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 2/4/2024; REsp n. 1.804.607/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.10.2019).
No âmbito do STJ, a orientação jurisprudencial das Turmas que integram a Terceira Seção, firmada em crescente número de impetrações habeas corpus, é no sentido de autorizar o plantio de Cannabis – independentemente das suas variedades – por pessoas físicas, para fins medicinais, de modo a permitir a extração de substâncias necessárias à produção de medicamentos artesanais prescritos por profissionais de saúde, afastando, em consequência, a caracterização dos crimes dos arts. 28 e 33 da Lei n. 11.343/2006.
Assim, fixam-se as seguintes teses:
I – Nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência;
II – De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964) e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e ao controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial (Hemp), não havendo, atualmente, previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário;
III – À vista da disciplina normativa para os usos médicos e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Portaria SVS/MS n. 344/1998 e RDC n. 327/2019) proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial – Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%;
IV – É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp) por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e pela União, no âmbito de suas respectivas atribuições, no prazo de 06 (seis) meses, contados da publicação deste acórdão;
V – Incumbe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial.
4.2.3. Da DECISÃO.
I – Nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência;
II – De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964) e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e ao controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial (Hemp), não havendo, atualmente, previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário;
III – À vista da disciplina normativa para os usos médicos e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Portaria SVS/MS n. 344/1998 e RDC n. 327/2019) proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial – Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%;
(IV) É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp) por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e pela União, no âmbito de suas respectivas atribuições, no prazo de 06 (seis) meses, contados da publicação deste acórdão;
V – Incumbe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial.
5. Consequências do reconhecimento da abusividade em contrato de compra de dívida
O reconhecimento da abusividade em contrato de compra de dívida deve resultar apenas na redução das obrigações iníquas assumidas pelo consumidor de modo a reconduzi-lo à mesma situação econômica (e não jurídica) em que se encontrava antes do contrato excessivamente oneroso.
REsp 2.159.883-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 5/11/2024, DJe 14/11/2024. (Info 835 STJ)
5.1. Dos FATOS.
Creosvaldo ajuizou ação em face da CIAPREV. Alega ter contratado empréstimo consignado junto à Caixa Econômica Federal; após o pagamento de 41 parcelas, realizou a portabilidade para a CIASPREV intermediada pela AKRK. Contudo, segundo a petição inicial, o crédito prometido (“troco”), de R$ 30.000,00, não foi depositado em sua conta. Pede a condenação das rés em indenização por danos materiais e morais e, subsidiariamente, a declaração de nulidade do contrato.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. Do DIREITO.
Código Civil:
Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.
Código de Defesa do Consumidor (CDC):
SEÇÃO II
Das Cláusulas Abusivas
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III – transfiram responsabilidades a terceiros;
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V – (Vetado);
VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;
XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;
5.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Analisa-se o contrato de compra de dívida com “troco” para verificar a existência de abusividade em sua contratação e suas consequências. Inicialmente, foi firmado um contrato de empréstimo com a Caixa Econômica Federal (CEF), com pagamento em 96 parcelas de R$ 1.100,00. Após o pagamento de 41 parcelas, a parte contratante celebrou um novo mútuo com uma entidade de previdência privada, que quitou o contrato com a CEF e concedeu ao consumidor um saldo de R$ 147,45, comprometendo-se este a pagar outras 96 parcelas de R$ 1.100,00.
Nesse cenário, a abusividade/nulidade verificada não conduz, necessariamente, à extinção do contrato com restabelecimento das partes ao status quo ante, nem pode ressuscitar o contrato anterior firmado com a CEF, que não figurou como parte no processo.
Com efeito, a ordem jurídica não fulmina por completo os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão.
A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos, determina que mesmo as regras cogentes existem apenas para ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social.
O Código Civil, por exemplo, está impregnado de dispositivos que celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. Muito além de um punhado esparso e assistemático de regras inspiradas em uma mesma orientação, a preocupação com a manutenção dos atos jurídicos aproveitáveis foi destacada pelo legislador de forma expressa no seu art. 184, inserido no capítulo V, intitulado “Da Invalidade do Negócio Jurídico“.
O próprio art. 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sinal, fala em “cláusulas abusivas” e não em nulidade contratual, pelo que depreende que apenas as estipulações contratuais inquinadas devem ser interditadas, não se recomendando, por conseguinte, a extinção de todo o contrato.
Sempre que possível, portanto, deve-se evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o aos parâmetros da legalidade.
Em princípio, portanto, seria suficiente revisar o contrato firmado de mútuo para extirpar os encargos considerados abusivos, não se justificando, portanto, sua extinção.
Referida conclusão ainda mais se impõe no caso concreto, porque a CEF não fez parte do processo.
Assim, não seria possível retornar as partes ao status quo ante, porque isso envolveria necessariamente a condenação da CEF à restituição do valor recebido da entidade de previdência privada, o que processualmente não se mostra viável. Tampouco se mostra processualmente viável restabelecer o contrato de empréstimo firmado com a CEF, pois referida empresa pública não pode ser condenada a reassumir uma relação jurídica que já havia se extinguido, porque, repita-se, ela não fez parte deste processo.
Destarte, o reconhecimento da abusividade deve resultar apenas na redução das obrigações iníquas assumidas pelo mutuário de modo a reconduzi-lo à mesma situação econômica (e não jurídica) em que se encontrava antes do contrato firmado com a entidade de previdência privada.
5.2.3. Da DECISÃO.
O reconhecimento da abusividade em contrato de compra de dívida deve resultar apenas na redução das obrigações iníquas assumidas pelo consumidor de modo a reconduzi-lo à mesma situação econômica (e não jurídica) em que se encontrava antes do contrato excessivamente oneroso.
6. (In)Existência da ofensa à soberania estrangeira a efetivação de forma global de uma ordem judicial específica de indisponibilidade de conteúdo na internet
Inexiste ofensa à soberania estrangeira a efetivação de forma global de uma ordem judicial específica de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator segundo o direito brasileiro.
REsp 2.147.711-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 12/11/2024, DJe 26/11/2024. (Info 835 STJ)
6.1. Dos FATOS.
Ratatouille Resturant foi vítima de difamação por compartilhamento de conteúdo falso (existência de ratos em suas dependências) em plataforma de compartilhamento de vídeo de provedor de aplicação (YouTube). Ajuizou ação em face da Google na qual foi deferido o pedido para excluir o vídeo difamatório não apenas da plataforma YouTube mas também das informações compartilhadas por usuários e indexadas no buscador do provedor, no Brasil e no exterior.
Em recurso, o provedor insurge-se contra os efeitos extraterritoriais da ordem de remoção global de conteúdo hospedado e divulgado em sua plataforma YouTube, pois o fato de que a Google se submete à legislação e jurisdição brasileiras apenas justificam a competência da justiça brasileira para determinar a remoção do conteúdo no território nacional.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Dos FUNDAMENTOS.
A controvérsia consiste em definir se uma ordem judicial específica (civil) de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator à luz do direito brasileiro (vídeo difamatório), está limitada ao território brasileiro sob pena de violação – em tese – de soberania de países estrangeiros.
A constatação de haver decisões judiciais estrangeiras na Europa, na América do Norte, na Ásia e na Oceania, ordenando de forma global a indisponibilidade de conteúdo considerado ilegal nas respectivas jurisdições denota tendência mais proativa da comunidade judicial internacional em conferir maior efetividade à resolução de controvérsias que não mais se limitam aos conceitos tradicionais de território.
A avaliação de ofensa à soberania a que se refere a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é a nacional e diz respeito aos efeitos das decisões estrangeiras no Brasil, não o contrário. A ofensa, em tese, à soberania de países estrangeiros já era rechaçada no âmbito da jurisdição brasileira criminal nas hipóteses de fornecimento de dados ou conteúdo, mesmo que o acesso, a coleta, a guarda e o tratamento ocorressem fora do território brasileiro.
Os efeitos extraterritoriais das decisões judiciais brasileiras sobre atos na internet já eram realidade antes mesmo do advento do Marco Civil da Internet (MCI) diante da preocupação com a efetividade e a viabilidade da prestação jurisdicional sob pena de a rede mundial de computadores se tornar “terra de ninguém”.
A Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) consolidou evolução dos conceitos tradicionais de jurisdição, território e fronteiras das normas processuais brasileiras. O art. 11 deste diploma legal consolidou o desdobramento da jurisdição brasileira com caráter transfronteiriço e sem qualquer limitação geográfica sobre os provedores de aplicações, bastando que os dados sejam coletados no território nacional para atrair a aplicação do direito brasileiro, tendo o legislador pátrio expressado claramente a intenção de “impedir que provedores que atuam no País, mas que não guardem os dados e os registros em território nacional, deixem de se subordinar às determinações administrativas e judiciais relativas à sua disponibilização ou retirada”.
Na hipótese, a empresa brasileira no setor de alimentação foi vítima de difamação por compartilhamento de conteúdo falso (existência de ratos em suas dependências) em plataforma de compartilhamento de vídeo de provedor de aplicação (YouTube), sendo insuficiente a ordem de indisponibilidade apenas no Brasil, pois comprovado o acesso e a disponibilidade do conteúdo infrator na mesma aplicação em outros países.
É irrazoável o argumento de que não cabe ao judiciário brasileiro limitar acesso de internautas estrangeiros a conteúdo considerado infrator segundo o direito pátrio, pois é política institucional global do provedor de aplicação de agir “voluntariamente em algumas decisões judiciais que não são direcionadas” ao provedor “em consideração à autoridade dos tribunais para determinar se uma parte do conteúdo é ilegal de acordo com a legislação local”, atestando maior probabilidade de remoção de “links para um conteúdo considerado falso por um tribunal, inclusive em jurisdições além do mandado original”.
A ordem de indisponibilidade de conteúdo afeta interesse brasileiro e é fundamentada em normas brasileiras, sendo um mero efeito natural sua efetivação de forma transfronteiriça diante do caráter global que permeia a rede mundial de computadores, que é por definição um “sistema…estruturado em escala mundial” (art. 5º, I, do MCI).
Mesmo no direito internacional, o interesse público da liberdade de expressão não é absoluto e comporta limitação de forma legítima quando há conflito com o interesse privado de proteção da honra desde que (i) haja previsão legal de ilicitude de ato difamatório e revisão judicial independente, (ii) a finalidade seja proteger reputação ou honra de terceiros, (iii) haja proporcionalidade no comando decisório de limitação e (iv) inexista discriminação em razão de atributos pessoais (e.g., nacionalidade das partes).
A extraterritorialidade da ordem de remoção de conteúdo difamatório com efeito transfronteiriço está alinhada à regra do controle singular de publicação abusiva – diretiva internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) que orienta como boa prática de limitação adequada de conteúdo na internet a concentração da responsabilização civil no menor número de foros para evitar dupla penalização por publicação do mesmo conteúdo em diferentes jurisdições. Uma plataforma, uma ação judicial.
6.2.2. Da DECISÃO.
Inexiste ofensa à soberania estrangeira a efetivação de forma global de uma ordem judicial específica de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator segundo o direito brasileiro.
7. Cabimento de fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual
Nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos.
REsp 2.053.306-MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024. (Tema 1232). (Info 835 STJ)
7.1. Dos FATOS.
Dr. Creisson promoveu cumprimento de sentença decorrente de mandado de segurança individual. Ao final da fase, o juiz deixou de fixar honorários advocatícios, o que levou Dr. Creisson à loucura. Ele entende que uma vez havendo trabalho do causídico deve haver remuneração via sucumbência. Como tem muitos casos idênticos pelo Judiciário, a matéria foi submetida ao rito dos repetitivos.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Do DIREITO.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Lei n. 12.016/2009:
Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.
7.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Nos termos do art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Já no plano normativo ordinário, dito remédio constitucional é disciplinado pela Lei n. 12.016/2019, que encerra um rito especial marcado pela celeridade, dentre outras particularidades. Uma delas, vem a ser o não cabimento da condenação em verba honorária em relação ao litigante sucumbente, nos termos do art. 25 da aludida lei regulamentadora.
De outro giro, a teor do art. 133 da Constituição Federal, “[o] advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, sendo certo que, nos termos do art. 22 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994), “[a] prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. No tocante aos honorários de sucumbência, os artigos 85, § 1º, e 523, § 1º, do CPC, disciplinam a matéria.
Ocorre que a jurisprudência consolidada do STJ e do STF, incluindo as Súmulas n. 105/STJ e 512/STF, reforça o entendimento de que não cabe a fixação de honorários advocatícios em mandado de segurança.
Primeiro porque trata-se de uma ação constitucional, uma garantia inserida no rol dos direitos fundamentais, a qual tem a finalidade de permitir o controle judicial dos atos administrativos, possuindo um rito especialíssimo, que não se coaduna com a condenação de honorários.
Segundo porque há expressa vedação legal na lei de regência do mandamus. É dizer, o legislador, dentro do âmbito de suas competências institucionais, quando resolveu atualizar o diploma legislativo que regula esse remédio constitucional (substituindo a Lei n. 1.533/1951 pela Lei n. 12.016/2009), escolheu positivar a orientação jurisprudencial pacífica, tal como emanada do Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 512) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula n. 105), ou seja, pelo descabimento da condenação em honorários no âmbito do writ.
Para além disso, é certo que o vigente CPC, ao adotar a figura do processo sincrético, acabou com a ideia de que haveria processos distintos de conhecimento e execução, mas apenas fases do mesmo processo. Assim, não há falar que a natureza do cumprimento de sentença é distinta daquela do mandamus que lhe deu origem.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade julgada já sob a égide do CPC/2015, teve a oportunidade de reafirmar sua jurisprudência pelo não cabimento da condenação em honorários na via mandamental, bem como a constitucionalidade do art. 25 da Lei n. 12.016/2019 (ADI 4.296, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/2021, DJe 11/10/2021).
Portanto, a natureza constitucional e especialíssima do mandado de segurança justifica a ausência de condenação em honorários, visando a não desestimular o uso desse remédio constitucional.
Assim, fixa-se a seguinte tese: “Nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos”.
7.2.3. Da DECISÃO.
Nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos.
8. Apresentação de listagem dos substituídos e restrição dos efeitos da coisa julgada.
A simples apresentação de listagem dos substituídos, quando do ajuizamento da ação coletiva, por si só, não importa em restrição dos efeitos da coisa julgada.
REsp 2.030.944-RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Rel. para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 26/11/2024. (Info 835 STJ)
8.1. Dos FATOS.
O SINTRASEF/RJ ajuizou ação que tinha por objeto as gratificações GDATA e GDPGTAS, na qual apenas os servidores substituídos indicados pelo sindicato-autor em lista anexada à petição inicial foram favorecidos.
A servidora Sônia, que não constava na lista, alega que o título judicial transitado em julgado não fez referência alguma à lista de substituídos e, portanto, não há expressa limitação no título executivo judicial quanto aos beneficiários da demanda coletiva.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. Do DIREITO.
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.
Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
8.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Cinge-se a perquirir o alcance e os efeitos da coisa julgada em ações coletiva de rito ordinário na qual se tutela direitos individuais homogêneos, quando apresentada listagem de substituídos na inicial.
A Constituição da República de 1988 conferiu aos sindicatos a legitimidade extraordinária para pleitear, em nome próprio, direitos titularizados por todos os integrantes da respectiva categoria, nos termos do seu artigo 8º.
No plano infraconstitucional, considerando-se as ações individuais, a estrutura normativa prevista tanto no Código de Processo Civil/1973 quanto no Código de Processo Civil/2015 estabelece que, em regra, somente as partes são atingidas pela autoridade da coisa julgada. Assim, diante da matriz adotada pelo estatuto processual, os efeitos da sentença alcançam terceiros apenas de forma excepcional.
Entretanto, nas ações coletivas, tal modelo individualista se mostrou inadequado à satisfação da tutela jurisdicional, o que levou o legislador a criar um microssistema apto a solucionar de forma efetiva os chamados conflitos de massa.
Nesse aspecto, destaca-se o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), o qual, ao disciplinar a proteção dos direitos coletivos lato sensu em juízo, dispõe de comandos específicos conferindo caráter genérico às condenações e efeitos erga omnes às sentenças coletivas proferidas na tutela de direitos individuais homogêneos, bem como estabelece a ampla legitimidade para sua liquidação e execução, conforme preceituam seus artigos 81, III, 95, 97 e 103, III.
Portanto, no que tange aos direitos individuais homogêneos, impõe-se a aplicação apriorística das normas previstas no CDC quanto aos efeitos e ao alcance da sentença coletiva. Somente em casos de omissão, nesse ou nos demais diplomas que compõem tal microssistema, é que se deve lançar mão das disposições constantes no CPC.
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que “a entidade sindical tem ampla legitimidade extraordinária para defender os interesses da respectiva categoria dos substituídos, estejam eles nominados ou não em listagem, seja para promover a ação de conhecimento ou mesmo a execução do julgado, porquanto representa toda a categoria que congrega, em observância à orientação do STF (Tema n. 823), à exceção de expressa limitação dos beneficiários pelo título executivo, ocasião em que deve ser respeitada a coisa julgada”.
À vista disso, a Primeira Turma do STJ já compreendeu que a simples apresentação de listagem dos substituídos quando do ajuizamento da ação coletiva, por si só, não importa em restrição aos limites subjetivos da coisa julgada.
Ressalte-se que o STJ, mesmo quando admite eventual restrição subjetiva para o cumprimento de sentença coletiva, o faz quando o próprio título judicial, e não a petição inicial, é expresso ao prever a limitação dos beneficiários.
Em relação à coisa julgada quando o título prevê expressa limitação dos beneficiários, a Primeira Turma do STJ, em mais de uma oportunidade, já esposou orientação segundo a qual eventual limitação subjetiva só seria legítima se guardasse pertinência com as particularidades do direito tutelado.
Logo, diante desse cenário jurisprudencial, tem-se que: (i) a entidade sindical tem ampla legitimidade extraordinária para defender os interesses da respectiva categoria dos substituídos, estejam eles nominados ou não em listagem, quer para promover a ação de conhecimento, quer para a execução do julgado, porquanto representa toda a categoria que congrega; e (ii) a simples apresentação de listagem dos substituídos, quando do ajuizamento da ação coletiva, por si só, não importa em restrição dos efeitos da coisa julgada.
Assim, no caso de falta de limitação expressa constante do título, tendo em vista a previsão constitucional de ampla legitimidade extraordinária da entidade sindical, a expressão “substituídos”, em sua acepção genérica, sem nenhuma qualificação ou distinção, abrange todos os integrantes da categoria que sejam titulares do direito violado.
Nesse aspecto, eventual restrição subjetiva para o cumprimento de sentença coletiva se dá a partir da análise do conteúdo do próprio título executivo, e não da petição inicial.
8.2.3. Da DECISÃO.
A simples apresentação de listagem dos substituídos, quando do ajuizamento da ação coletiva, por si só, não importa em restrição dos efeitos da coisa julgada.
9. Gestante e direito ao sigilo judicial.
A gestante ou parturiente que manifeste o interesse de entregar seu filho para adoção tem direito ao sigilo judicial em torno do nascimento e da entrega da criança, inclusive em relação ao suposto genitor e à família ampla.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2024, DJe 7/10/2024. (Info 835 STJ)
9.1. Dos FATOS.
Gertrudes, gestante, decidiu em entregar seu filho para adoção, mas requereu que fosse mantido sigilo judicial quanto ao nascimento e da entrega da criança, inclusive em relação ao suposto genitor e à família ampla.
9.2. Análise ESTRATÉGICA.
9.2.1. Do DIREITO.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.
§ 3 o A busca à família extensa, conforme definida nos termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período.
§ 5 o Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1 o do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega
9.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Da interpretação gramatical do caput do art. 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), verifica-se que o legislador conferiu exclusivamente à mulher, gestante ou parturiente, que tenha interesse em entregar seu filho para adoção o seu encaminhamento ao Poder Judiciário para iniciar o procedimento legal previsto nos seus parágrafos, mas nada disse a respeito da manifestação de vontade do genitor da criança.
Na sequência, observa-se que no § 3º do já referido dispositivo legal, o legislador falou que a busca à família extensa, conforme definida nos termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período, mas não revelou e nem sequer deu a entender quando se deveria procurar por tal família.
Passando para o exame do § 5º, que dispõe que após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1º do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega.
A interpretação do mencionado dispositivo legal reforça o que foi afirmado na análise do caput do art. 19-A do ECA, pois textualmente o legislador confirmou que a manifestação de vontade de entrega da criança para adoção em juízo deve ser ratificada prioritariamente ou exclusivamente pela mãe, pois utilizou o conectivo “ou”, assinalando que o genitor somente será ouvido se for pai registral ou ser tiver sido indicado pela genitora.
Prosseguindo, vem a interpretação do § 9º do dito dispositivo legal, que traz a principal característica ou essência do instituto, considerando a sua finalidade de resguardar a liberdade e o direito indeclinável da mulher de entregar o filho para adoção de forma segura e digna, pois estabelece que é garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei.
Desse modo, a mais razoável e coerente interpretação a ser feita das normas que estabeleceram o instituto ou do micro-sistema da “entrega voluntária da adoção” no ordenamento jurídico, é de que, uma vez exercido o direito da gestante ou pariente do sigilo sobre o nascimento da criança, não poderá ser aplicado o disposto no § 3º do art. 19-A do ECA.
Ainda, nos termos da legislação de regência, o direito da gestante ao sigilo sobre o nascimento, embora amplo, não exclui o direito fundamental da criança ao conhecimento da sua origem genética, sendo ele apenas postergado nos termos do art. 48 e parágrafo único do ECA (após completar 18 anos ou antes por decisão judicial), que é o que ocorre até mesmo para as crianças que são encaminhadas à adoção fora das hipóteses do art. 19-A do ECA.
A preferência pelo esgotamento de recursos para manutenção da criança ou adolescente no seio da família natural não é preceito absoluto, devendo ser observado também o art. 227 da Constituição Federal e os arts. 3º e 4º do ECA, os quais determinam que o melhor interesse deve estar associado a resguardar o bem-estar físico e psicológico deles.
No mesmo sentindo, a Resolução n. 485/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)cuida especificamente do procedimento de entrega voluntária de crianças para adoção, estabelecendo diretrizes para o adequado atendimento de gestantes ou parturientes que desejem entregar seus filhos para adoção, garantindo o sigilo e a proteção da identificação da mãe, se assim for sua vontade, tendo por finalidade principal a proteção integral da criança e da mãe. O seu art. 5º expressamente diz que o sigilo do nascimento e, da própria entrega para adoção, se estende para o genitor e para a família extensa.
9.2.3. Da DECISÃO.
A gestante ou parturiente que manifeste o interesse de entregar seu filho para adoção tem direito ao sigilo judicial em torno do nascimento e da entrega da criança, inclusive em relação ao suposto genitor e à família ampla.
A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Criança permite a regulamentação do direito de visita transfronteiriça independentemente de subtração ou retenção ilícita da criança envolvida. A União possui legitimidade ativa para ajuizar ação de regulamentação de visitas com base na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, sendo a Justiça Federal competente para julgamento.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024. (Info 835 STJ)
10.1. Dos FATOS.
Crementina e sua filha, Josefina, vivem no estrangeiro. Geremias quer muito poder visitar a filha Josefina, mas Crementina parece criar dificuldades. Geremias então buscou auxílio junto ao Estado Brasileiro para conseguir implementar o direito de visitas. A União comprou a parada e ajuizou ação de regulamentação de visitas com base na Convenção da Haia, alegando ser aplicável, no que pertinente, aspectos civis da regulamentação do sequestro internacional de criança.
10.2. Análise ESTRATÉGICA.
10.2.1. Dos FUNDAMENTOS.
Versa a controvérsia jurídica em definir se a Autoridade Central do país pode ser acionada para agir, administrativamente ou judicialmente, a fim de intermediar a regulamentação do direito de visita transfronteiriça a um dos genitores, mesmo fora do contexto da repatriação da criança ao Estado de seu domicílio, nos termos da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.
A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças tem o propósito de proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita.
No Brasil, após sua promulgação pelo Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000, a Convenção da Haia foi regulamentada pelo Decreto n. 3.951, de 4 de outubro de 2001. Este último decreto designou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) como a Autoridade Central responsável por cumprir as obrigações estabelecidas pela Convenção.
Ressalte-se que a Convenção atribui especial importância ao direito de visita parental, o que se deve ao reconhecimento de que não se trata de direito exclusivo dos pais, senão inerente à criança, a ser protegido pelo Estado. Sob esse enfoque, tem-se a compreensão abrangente e holística da superioridade dos interesses das crianças, reconhecendo que elas possuem o direito fundamental de desenvolver laços afetivos com ambos os pais, independentemente do término do relacionamento destes.
A Convenção, ao assegurar o respeito ao direito de visita, está reafirmando o compromisso do Estado de proteger os interesses da criança e garantir que possa manter contato direto com ambos os pais, promovendo assim seu desenvolvimento saudável e seu bem-estar emocional.
Para garantir o cumprimento das finalidades da Convenção, cada Estado contratante deverá designar a Autoridade Central encarregada de dar cumprimento às obrigações que lhe são impostas (art. 6º). As Autoridades Centrais dos Estados signatários devem colaborar reciprocamente e promover a colaboração entre as autoridades competentes de seus respectivos Estados, a fim de facilitar a implementação efetiva de suas disposições e garantir a proteção dos direitos das crianças envolvidas (art. 7º).
Especificamente quanto ao direito de visita, o art. 21 dispõe que o pedido que tenha por objetivo a organização ou a proteção do efetivo exercício do direito de visita poderá ser dirigido à Autoridade Central de um Estado Contratante nas mesmas condições do pedido que vise o retorno da criança.
Ademais, às Autoridades Centrais, incumbe promover o exercício pacífico do direito de visita, o preenchimento de todas as condições indispensáveis ao exercício deste direito, bem como tomar providências no sentido de remover, tanto quanto possível, todos os obstáculos ao exercício desse mesmo direito.
Da análise dos artigos da Convenção que abordam o direito de visita parental, não se observa a exigência de que exista concomitantemente a situação ilícita de mudança de domicílio ou de retenção da criança para que a norma seja aplicável. Em nenhum momento se estabelece que a intervenção da Autoridade Central para facilitar a organização ou o efetivo exercício do direito de visita depende de que ocorra um prévio “sequestro” internacional.
Muito pelo contrário, o artigo 21 demonstra a autonomia do requerimento de regularização de visitas, ao dispor que “o pedido que tenha por objetivo a organização ou a proteção do efetivo exercício do direito de visita poderá ser dirigido à Autoridade Central de um Estado Contratante nas mesmas condições do pedido que vise o retorno da criança”.
Em outras palavras, mesmo que não haja situação de subtração ou detenção ilegal, o procedimento para as Autoridades Centrais lidarem com a organização ou proteção do direito de visita é semelhante ao processo adotado em casos com pedido de retorno da criança, garantindo que o direito de visita seja tratado com a mesma seriedade e urgência, inclusive quando não há uma situação de sequestro ou detenção ilegal da criança envolvida.
Por conseguinte, não há subsidiariedade, para aplicação das normas da Convenção, da pretensão à regulamentação da visita parental à hipótese de ilicitude em subtrair ou reter criança ou adolescente. Logo, a Autoridade Central tem a prerrogativa de intervir, administrativa ou judicialmente, mesmo que seja apenas para regularizar as visitas a um dos genitores, observando sempre os interesses do menor.
A União é parte legítima para ajuizar ação de regulamentação de visitas???
Naturalmente…
A controvérsia jurídica consiste em analisar a legitimidade da União para ajuizamento de ação de regulamentação do direito de visitas e o órgão judiciário competente, com base na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Criança.
A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças tem o propósito de proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita.
No Brasil, após sua promulgação pelo Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000, a Convenção da Haia foi regulamentada pelo Decreto n. 3.951, de 4 de outubro de 2001. Este último decreto designou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) como a Autoridade Central responsável por cumprir as obrigações estabelecidas pela Convenção.
Depreende-se do art. 7º, “f”, da Convenção que compete às Autoridades Centrais, diretamente ou por intermediário, tomar as medidas apropriadas para iniciar ou promover processo judicial ou administrativo com o objetivo de facilitar a organização ou o exercício efetivo do direito de visita, tais como: “dar início ou favorecer a abertura de processo judicial ou administrativo que vise o retomo da criança ou, quando for o caso, que permita a organização ou o exercício efetivo do direito de visita;”
Quando não solucionada administrativamente a situação de regulamentação de visitas, a Autoridade Central Administrativa Federal encaminha a questão à Advocacia-Geral da União (AGU) para análise da via judicial (art. 131 da CF). Desse modo, cabe à AGU avaliar a necessidade de ajuizamento da ação para assegurar o direito de visita parental, a fim de dar efetividade à cooperação jurídica internacional entre os Estados Partes da Convenção.
O procedimento está em absoluta consonância com o comando inserido no art. 227 da CF, o qual, ao consagrar o princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente, impõe ao Estado o dever de assegurar-lhes o direito à convivência familiar. A intervenção do Estado resulta da condição peculiar e vulnerável da criança, que é diretamente afetada pelas consequências de uma separação imposta de um de seus genitores.
Com efeito, é da própria Constituição Federal que se depreende o dever que transcende a pessoa do familiar envolvido, evidenciando que não apenas a família, mas também o Estado possui a responsabilidade de garantir a convivência familiar ao menor. Sobressai, assim, a indisponibilidade do interesse público envolvido nas ações voltadas para a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Por sua vez, a intermediação estatal, seja por mecanismos administrativos ou judiciais, possui especial relevância em razão da complexidade da situação enfrentada pelo(a) genitor(a) que reside em um país diferente do de seu filho. De fato, tem-se circunstância particularmente desafiadora devido à falta de familiaridade com a legislação estrangeira e os procedimentos legais pertinentes à regulamentação de visitas.
Ademais, a dificuldade de acesso à Justiça estrangeira representa um obstáculo significativo, especialmente considerando as barreiras burocráticas, linguísticas e culturais. A distância física e as disparidades nos sistemas judiciais entre os países envolvidos podem complicar ainda mais o processo. Insta consignar que a Convenção da Haia, em seu art. 21, determina expressamente que as autoridades centrais tomem providências para remover, na medida do possível, todos os obstáculos ao exercício do direito de visita.
Assim, a União é parte legítima para ajuizar ação de regulamentação de visitas quando um dos genitores residir em país diverso do de domicílio do filho menor de 16 (dezesseis anos), nos termos do previsto nos artigos 4º e 7º, “f”, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Destaque-se que a União atua em nome próprio, como pessoa jurídica de direito internacional, ao cumprir os compromissos assumidos ao aderir à Convenção de 1980.
Por conseguinte, por se tratar de ação na qual a União é considerada parte interessada na condição de autora, a competência para seu processamento e julgamento é atribuída à Justiça Federal, conforme estabelecido art. 109, I, da CF.
No caso em questão, a ação de regulamentação de visitas decorreu de pedido de colaboração internacional, formulado pela autoridade central da Argentina, visando à atuação do estado brasileiro na solução da celeuma existente entre os pais dos menores em favor dos quais se pretende ver regulamentado o direito de visitas do genitor argentino, residente em solo estrangeiro, em observância do procedimento previsto na Convenção da Haia.
Logo, trata-se de causa fundada em convenção internacional, o que, por si, atrai a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, III, da CF, o qual define a competência dos juízes federais para processar e julgar “as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”.
Em suma, proposta ação de regulamentação de visitas pela União, em cumprimento do disposto na Convenção da Haia, a Justiça competente é a federal. Por sua vez, se apenas for ajuizada ação por um dos genitores, com fundamento nas normas do direito civil brasileiro, a Justiça competente é a estadual.
10.2.2. Da DECISÃO.
A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Criança permite a regulamentação do direito de visita transfronteiriça independentemente de subtração ou retenção ilícita da criança envolvida. A União possui legitimidade ativa para ajuizar ação de regulamentação de visitas com base na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, sendo a Justiça Federal competente para julgamento.
11. Requisitos da aplicabilidade da majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006
A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas.
REsp 1.994.424-RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024. (Tema 1259). (Info 835 STJ)
11.1. Dos FATOS.
Trata-se de recurso repetitivo ao rito dos especiais para definir se incide a majorante prevista no art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 na condenação ao crime de tráfico de drogas relativamente ao porte ou posse ilegal de arma, por força do princípio da consunção, caso o artefato tenha sido apreendido no mesmo contexto da traficância; ou se ocorre o delito autônomo previsto no Estatuto do Desarmamento, em concurso material com o crime de tráfico de drogas.
11.2. Análise ESTRATÉGICA.
11.2.1. Do DIREITO.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
IV – o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
11.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
O princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um delito se revela meio necessário ou normal na fase de preparação ou execução de outro crime. Nessas situações, o agente apenas será responsabilizado pelo último crime. Para tanto, porém, é imprescindível a constatação do nexo de dependência entre as condutas, a fim de que uma seja absorvida pela outra.
A jurisprudência do STJ tem entendido que não constitui obstáculo para a aplicação do princípio da consunção a proteção de bens jurídicos diversos, ou mesmo a absorção de infração mais grave por crime de menor gravidade.
Valendo-se dessa compreensão, a Terceira Seção do STJ estabeleceu tese, no Tema Repetitivo n. 933, segundo a qual “Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a este cominada” (REsp n. 1.378.053/PR, relator Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, julgado em 10/8/2016, DJe 15/8/2016).
Na mesma linha, o enunciado n. 17 da Súmula do STJ prevê que “Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade ofensiva, é por este absorvido”.
No caso, o ponto chave consiste em estabelecer se estando configurado o tráfico de drogas majorado pelo art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 há ou não independência de condutas com relação ao delito de porte ou posse ilegal de arma de fogo, previsto no Estatuto do Desarmamento.
Ao decidir sobre essa questão, o STJ, por meio das turmas que compõem a Terceira Seção, firmou o entendimento de que, quando o uso da arma está diretamente ligado ao sucesso dos crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei de Drogas, ocorre a absorção do crime de porte ou posse de arma de fogo. Assim, sempre que houver um nexo finalístico entre a conduta relacionada ao tráfico e a posse ou porte de arma de fogo, não se aplicará o concurso material.
Esse entendimento parte da premissa de que a posse ou porte de arma de fogo, nesses casos, é apenas um meio instrumental para viabilizar ou facilitar a prática do crime de tráfico de drogas. A arma de fogo, nesse contexto, não é considerada um delito autônomo, mas uma ferramenta essencial para a execução do crime principal, ou seja, o tráfico. Dessa forma, a conduta referente à arma de fogo é absorvida pela prática do outro delito, evitando, assim, a duplicidade de punição. Essa interpretação busca garantir uma aplicação mais coerente das penas, de modo a evitar a sobrecarga penal injustificada quando os crimes estão intrinsecamente conectados.
Além disso, a decisão reflete uma visão pragmática sobre o uso de armas no tráfico de drogas, reconhecendo que o porte ou posse é comumente associado à proteção das atividades ilícitas, à intimidação de terceiros ou à própria execução de delitos relacionados. Assim, ao estabelecer o nexo finalístico, o Tribunal entende que a intenção do agente é voltada primordialmente para o tráfico, e a arma serve apenas como um instrumento que favorece esse crime, o que justifica a aplicação de um único tipo penal, conforme a sistemática da absorção.
Assim, fixa-se a seguinte tese: “A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas”.
11.2.3. Da DECISÃO.
A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas.
12. Requisitos da pronúncia e dolo
Ainda que a pronúncia seja uma fase em que a decisão é tomada com base em um juízo de probabilidade, não se admite que a presença do dolo, elemento essencial para a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, seja imputado mediante mera presunção.
AgRg no HC 891.584-MA, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Rel. para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 5/11/2024, DJe 18/11/2024(Info 835 STJ)
12.1. Dos FATOS.
Creiton foi condenado por homicídio doloso porque dirigia embriagado e em alta velocidade. A defesa recorre e alega que não há demonstração cabal de que o rapaz aquiesceu com a ocorrência do resultado morte, assumindo o risco de produzi-lo. Diz que a decisão de pronúncia teria sido tomada com base em um juízo de probabilidade, na qual o dolo foi imputado mediante mera presunção.
12.2. Análise ESTRATÉGICA.
12.2.1. Do DIREITO.
Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
12.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Discute-se a possibilidade de afastamento do dolo eventual, a fim de que seja desclassificada a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor, ao argumento de que não havendo nos autos demonstração cabal de que o recorrente aquiesceu com a ocorrência do resultado morte, assumindo o risco de produzi-la, a desclassificação da conduta em questão para outra de competência do juízo singular é medida que se impõe.
Ao contrário do que afirma o Magistrado singular, a pronúncia é sim o momento em que, após devida instrução probatória, o Juízo tenha condições mínimas de averiguar se se trata de homicídio com intenção de matar, tanto que é possível nesta fase decisões como impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Não se trata de uma decisão que avalia a plausibilidade jurídica das acusações e recebe a inicial acusatória, mas de um juízo de admissibilidade realizado após produção probatória, razão pela qual não se admite que o acusado seja submetido a julgamento por juízes leigos, apenas por mera presunção, o dolo deve estar inequívoco, sob pena de incompetência do Tribunal do Júri.
Há de se ressaltar, ainda, a notícia trazida aos autos pela defesa, de que logo após o acidente foram tomadas medidas preventivas pela Prefeitura da Capital, no sentido de reforçar a segurança na via para evitar outros acidentes no local, a reforçar fundada dúvida a respeito do dolo eventual do acusado. Aliado a isto, a notícia de que, além de terem acontecido anteriores acidentes no local e o fato de que uma defensa metálica vinha sendo uma reivindicação constante dos moradores daquela área, que realizaram protestos, fecharam a via, mas só conseguiram uma atitude proativa do Poder Público, após a fatalidade.
A corroborar ainda mais essa conclusão, narram os autos que se tratava de local ermo na ocasião do acidente (que ocorreu de madrugada), além de a tragédia ter acontecido em razão de o carro ter caído de um barranco sobre uma rua de casas em que acontecia um evento, circunstâncias não passíveis de ser previstas pelo condutor do veículo.
Em casos semelhantes ao dos autos, em que não são apontadas outras circunstâncias concretas, além do suposto estado de embriaguez e a velocidade acima da permitida para a via, o Superior Tribunal tem reconhecido inviável a conclusão a respeito da presença do dolo eventual.
Nesse contexto, deve ser desclassificada a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro), afastando, por consequência, a competência do Tribunal do Júri.
12.2.3. Da DECISÃO.
Ainda que a pronúncia seja uma fase em que a decisão é tomada com base em um juízo de probabilidade, não se admite que a presença do dolo, elemento essencial para a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, seja imputado mediante mera presunção.
13. Limites de alteração do julgamento por meio de embargos de declaração
A alteração do julgamento por meio de embargos de declaração, sem a presença de vícios integrativos, caracteriza uso inadequado do recurso.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024, DJe 19/11/2024. (Info 835 STJ)
13.1. Dos FATOS.
Em um HC, o tribunal local, ao julgar embargos de declaração, realizou novo exame de mérito, alterando a decisão anterior que havia denegado o habeas corpus. Nessa segunda avaliação, a Corte debruçou-se sobre as provas da causa para delas extrair conclusões diversas daquelas alcançadas no primeiro julgamento.
13.2. Análise ESTRATÉGICA.
13.2.1. Do DIREITO.
CPP:
Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
13.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de ampla revisão do acórdão denegatório de habeas corpus em sede de embargos de declaração, apenas pela formação de um novo juízo de mérito no segundo aresto – isto é, sem que o primeiro padecesse dos vícios do art. 619 do CPP.
No caso, o Tribunal de origem, ao julgar embargos de declaração, realizou novo exame de mérito, alterando a decisão anterior que havia denegado o habeas corpus. A Corte local formulou um segundo juízo de mérito, detendo-se sobre as provas da causa para delas extrair conclusões diversas daquelas alcançadas no primeiro julgamento.
Sucede que essa providência não é compatível com o permissivo legal que justifica a oposição dos embargos de declaração para o saneamento de omissões, consoante reiterada jurisprudência.
Se a defesa discordava das conclusões de mérito inicialmente apresentadas pelo Tribunal de origem, os embargos não eram a via adequada para veicular sua insurgência.
Os embargos de declaração não são cabíveis para rediscutir o mérito da decisão ou para manifestar inconformismo com o resultado do julgamento.
A alteração do julgamento por meio de embargos de declaração, sem a presença de vícios integrativos, caracteriza uso inadequado do recurso.
13.2.3. Da DECISÃO.
A alteração do julgamento por meio de embargos de declaração, sem a presença de vícios integrativos, caracteriza uso inadequado do recurso.
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Créditos:
Estratégia Concursos