Concursos públicosEstratégia Concursos

Fique por dentro – Informativo STJ 859 Comentado

Acesse também o material de estudo!


DOWNLOAD do PDF AQUI!

YouTube Video

1.          Fundamentação por referência e validade do ato decisório

Destaque

A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é válida, desde que o julgador, ao remeter-se a decisão anterior, enfrente as novas questões relevantes; o §3º do art. 1.021 do CPC não impede a reprodução dos fundamentos da decisão agravada se não houver argumento novo.

REsp 2.148.059-MA, REsp 2.148.580-MA e REsp 2.150.218-MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 20/8/2025 (Tema 1306).

Conteúdo-Base

???? CF, art. 93, IX; CPC, arts. 11, 489 §1º, 1.021 §3º, 1.022 par. único II, 1.036-1.041; LINDB, arts. 20-21.

???? Fundamentação por referência pura (sem diálogo com argumentos da parte) → nula.

???? Fundamentação integrativa (com análise própria e diálogo com argumentos) → válida.

???? O art. 1.021 §3º deve ser interpretado em conjunto com o art. 489 §1º IV: só há nulidade se o julgador deixa de enfrentar argumentos aptos a infirmar a decisão.

Discussão e Tese

???? O STJ enfrentou a compatibilidade da técnica de fundamentação por referência com o dever constitucional de motivação das decisões.

⚖ Concluiu que é possível, desde que o julgador não se limite à remissão mecânica e analise, ainda que sucintamente, as alegações relevantes.

Como será Cobrado em Prova

???? A fundamentação per relationem é nula, pois viola o art. 489 §1º CPC.

❌ Errado. O STJ reconhece validade quando usada de forma integrativa.

???? É válida a fundamentação por referência quando o juiz adota decisão anterior e enfrenta as novas alegações relevantes.

✅ Correto. Foi a tese fixada no Tema 1306.

Versão Esquematizada

???? Fundamentação per relationem
???? CF, art. 93 IX ???? CPC, arts. 489 §1º, 1.021 §3º ???? Pura → nula / Integrativa → válida ???? Tema 1306/STJ

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia a definir se a fundamentação por referência (per relationem ou por remissão) – na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior como razões de decidir – resulta na nulidade do ato decisório, à luz do disposto nos artigos 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.

     Segundo a doutrina, a obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais, sob pena de nulidade, consubstancia, “a um só tempo, princípio processual, dever do juiz, direito individual da parte e garantia da Administração Pública”.

     Tal obrigatoriedade – de justificação da convicção do magistrado em decisões judiciais – encontra-se prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 93, inciso IX), tendo relação intrínseca com a definição da República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito.

     Cuida-se de direito fundamental do jurisdicionado – consectário da garantia do devido processo legal – que subordina todos os integrantes do Poder Judiciário, aos quais é vedado proferir decisões arbitrárias, ou seja, pronunciamentos jurisdicionais que não se coadunem com o conceito democrático do exercício do poder, que exige a justificação – dialógica, racional e inteligível – do ato decisório de modo a viabilizar o seu “controle interno” pela parte e pelas instâncias judiciais subsequentes, bem como o seu “controle externo e difuso” pela sociedade, o que revela uma dupla função dessa obrigatoriedade.

     O Código de Processo Civil de 2015 inseriu o dever de fundamentação das decisões judiciais entre as “normas fundamentais do processo civil” (artigo 11), determinando ainda que: (i) em regra, “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida” (artigo 9º, caput); e (ii) “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício” (artigo 10).

     No capítulo que versa sobre a “sentença” (lato sensu), o artigo 489 do CPC enumera os elementos essenciais do ato decisório, bem como hipóteses – exemplificativas – de “decisões não fundamentadas”. Do referido dispositivo se extrai que o dever de fundamentação da decisão judicial considera-se adequadamente atendido quando o magistrado explicita as razões fáticas e jurídicas consideradas determinantes para a resposta oferecida no processo dentre outras conclusões possíveis.

     Ademais, nos termos do rol previsto no § 1º do artigo 489 do CPC, a fundamentação da decisão judicial deve ainda conter: a) explicação sobre o vínculo entre a norma jurídica – considerada aplicável à espécie – e a causa ou a questão decidida nos autos (inciso I); b) especificação do motivo concreto para o emprego de conceito jurídico indeterminado (inciso II); c) exame da situação concreta submetida ao crivo do Judiciário, revelando-se insuficiente a invocação de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (inciso III); d) enfrentamento de “todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador” (inciso IV); e) juízo de conformação entre a ratio decidendi de precedente – ou de enunciado de súmula – aplicado na decisão e o caso concreto (inciso V); f) indicação das diferenças fáticas que justificam a não aplicação de precedente obrigatório ao caso concreto (inciso VI, primeira parte); e g) informação sobre a superação de precedente obrigatório invocado nos autos (inciso VI, parte final).

     Assim, à luz do disposto no parágrafo único do artigo 1.022 do CPC, considera-se omissa – e, portanto, impugnável por embargos de declaração – a decisão que: (i) deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável à espécie; ou (ii) incorre em qualquer das hipóteses de ausência de fundamentação descritas no § 1º do artigo 489.

     Com as alterações promovidas em 2010 no Decreto-Lei n. 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), também passou a ser exigido que as consequências práticas – postas no debate judicial e que tenham lastro probatório nos autos – constem da fundamentação da decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa (artigos 20 e 21).

     Diante desse cenário normativo, discute-se se a utilização da técnica da fundamentação por referência – por remissão ou per relationem – é compatível com o dever de fundamentação imposto a todos os órgãos do Poder Judiciário, cuja inobservância resulta na nulidade do ato decisório. Trata-se de técnica discursiva na qual são reproduzidas as motivações contidas em decisão judicial anterior – ou em documento outro, a exemplo de parecer do Ministério Público – como razões de decidir.

     De acordo com a doutrina, a fundamentação por referência apresenta duas formas habituais: (i) a exclusiva (ou pura); e (ii) a integrativa (ou moderada). A utilização da “fundamentação por referência exclusiva ou PURA” – ou seja, aquela consubstanciada na mera remissão ou transcrição integral dos fundamentos de outra peça processual sem análise específica dos argumentos trazidos pela parte – implica violação ao direito fundamental ao contraditório e vai de encontro às disposições contidas no § 1º do artigo 489 do CPC. Por outro lado, é válida a “fundamentação por referência INTEGRATIVA ou moderada”, na qual a transcrição de decisão ou parecer anterior é acompanhada de análise própria (do julgador) que dialoga com os argumentos levantados pela parte em sua impugnação.

     Ao tratar da matéria (sob o enfoque constitucional), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a validade da fundamentação por referência – como técnica de motivação da decisão judicial – quando verificada “a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador”, ficando dispensado “o exame detalhado de cada argumento suscitado” (RE 1.397.056 ED-AgR/MA, Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe de 28/3/2023).

     Essa mesma exegese encontra-se retratada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (inclusive das Turmas de Direito Penal).

     Revela-se importante destacar, outrossim, que, em relação à norma inserta no § 3º do artigo 1.021 do CPC – segundo a qual “é vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno” – a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido da necessidade de interpretação do referido comando em conjunto com a regra do inciso IV do § 1º do artigo 489, que somente reputa nula a decisão judicial que deixa de “enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

     Não obstante, é certo que já foram constatadas, por esta Corte, hipóteses de utilização da técnica de fundamentação por referência com flagrante violação dos artigos 489, § 1º, 1.021, § 3º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC. Nesses casos, em virtude do uso inadequado da referida técnica discursiva, determinou-se o retorno dos autos à origem para rejulgamento de embargos de declaração das partes.

     Nesse contexto doutrinário e jurisprudencial, sendo pacífica a possibilidade de utilização da técnica de fundamentação da decisão por remissão, mas com cautela para garantir o contraditório e o direito à defesa, fixam-se as seguintes teses para fins dos artigos 1.036 a 1.041 do CPC:

     1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.

     2) O § 3º do artigo 1.021, do CPC não impede a reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir pela negativa de provimento de agravo interno quando a parte deixa de apresentar argumento novo para ser apreciado pelo colegiado.

2.         Remição de pena pela leitura

Destaque

A leitura pode gerar remição da pena, com base no art. 126 da LEP, desde que validada por comissão instituída pelo juízo da execução; não é válido atestado de profissional contratado pelo apenado.

REsp 2.121.878-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 13/8/2025 (Tema 1278).

Conteúdo-Base

???? LEP, arts. 17-21, 41, 126; Res. CNJ 391/2021; ADPF 347/STF.

???? O estudo do art. 126 LEP abrange a leitura, conforme finalidade ressocializadora da pena.

???? O controle deve ser feito por comissão de validação do juízo, para garantir imparcialidade.

???? Atestado de profissional particular não serve para fins de remição.

Discussão e Tese

???? O STJ apreciou se a leitura é atividade apta a ensejar remição de pena.

⚖ Firmou que sim: trata-se de forma de estudo, essencial para a ressocialização, mas sujeita a validação pública.

Como será Cobrado em Prova

???? A leitura não pode ensejar remição da pena, por não estar expressa na LEP.

❌ Errado. O STJ reconheceu que a leitura é forma de estudo abrangida pelo art. 126 LEP.

Versão Esquematizada

???? Remição pela leitura
???? LEP, art. 126 ???? Res. CNJ 391/2021 ???? Atividade de estudo ???? Comissão de validação obrigatória

Inteiro Teor

     A questão submetida a julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: “Definir se há possibilidade de obtenção da remição da pena pela leitura.”.

     Embora, ao utilizar a expressão “estudo“, o art. 126 da Lei de Execução Penal não tenha especificado as modalidades em que tal atividade é possível, a interpretação da norma deve contemplar a leitura como fato ensejador da remição, o que atende à finalidade de ressocialização dos apenados, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

     Ler é o principal método para estudar e aprender. E aprender é essencial para a reforma do ser humano. Seria, em verdade, um contrassenso que a leitura devidamente validada não pudesse ser considerada uma forma de estudo.

     Não há, portanto, dúvida quanto à regularidade da extensão conferida ao art. 126 da Lei de Execução Penal pela Resolução n. 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que bem cumpre a missão de especificar em que termos é possível depurar a pena pelo estudo. Trata-se de singela interpretação analógica, autorizada pelo Direito Penal, porquanto não gravosa ao direito de liberdade.

     Ademais, a lista de fundamentos considerados pela Resolução em questão aponta diversas outras normas que oferecem suporte a essa conclusão, entre as quais, a própria Lei de Execução Penal, segundo a qual a pessoa privada da liberdade tem direito à educação, à cultura, a atividades intelectuais e acesso a livros e bibliotecas, sempre observada a finalidade de reintegração social por meio da individualização da pena (arts. 17 a 21, 41 e 126).

     Sempre é oportuno relembrar que, em se tratando de execução penal, qualquer interpretação deve mirar o que decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 347, ao reconhecer o denominado “Estado de Coisas Inconstitucionais” no sistema carcerário brasileiro, à vista da violação massiva de direitos dos presos.

     Passados cerca de 12 anos da Recomendação n. 44/2013 do CNJ, seria um contrassenso, e conflitaria com o entendimento do STF, impedir que a leitura siga funcionando como instrumento de transformação da pessoa condenada. Com efeito, as ações capazes de promover o melhoramento do sistema prisional, em qualquer aspecto, devem ser objeto de especial atenção e de incentivo do Poder Público, em todos os níveis e esferas.

     Por fim, nos termos da regulamentação atual, dada pela citada Resolução, o controle qualitativo da leitura deve ser realizado por uma Comissão de Validação instituída pelo juízo da execução para garantia da imparcialidade da avaliação, não sendo válida para fins de remição a leitura atestada por profissional contratado pelo apenado.

     Assim, fixa-se a seguinte tese de julgamento e tese do Tema Repetitivo 1.278/STJ: “Em decorrência dos objetivos da execução penal, a leitura pode resultar na remição de pena, com fundamento no art. 126 da Lei de Execução Penal, desde que observados os requisitos previstos para sua validação, não podendo ser acolhido o atestado realizado por profissional contratado pelo apenado.”.

3.        Amamentação e cuidados maternos como formas de trabalho para remição de pena

Destaque

A amamentação e os cuidados maternos prestados pela apenada ao filho no presídio configuram formas de trabalho para fins de remição de pena, mediante interpretação extensiva do art. 126 da LEP.

HC 920.980-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 13/8/2025, DJEN 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? LEP, arts. 32 e 126; CF, art. 7º XVIII; Decreto 99.710/1990 (Convenção sobre os Direitos da Criança), art. 24 e.

???? O trabalho prisional deve considerar as condições pessoais da presa, inclusive obrigações maternas.

???? A maternidade no cárcere gera vulnerabilidade de gênero que deve ser compensada.

???? Amamentação e cuidados exigem esforço contínuo e são indispensáveis ao desenvolvimento da criança.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se a amamentação e os cuidados maternos poderiam ser reconhecidos como trabalho.

⚖ Decidiu que sim, como forma de assegurar igualdade de gênero no acesso à remição e em respeito à proteção integral da criança.

Como será Cobrado em Prova

???? Os cuidados maternos no cárcere, por sua relevância e esforço contínuo, podem ser reconhecidos como trabalho apto à remição.

✅ Correto. Foi a orientação da Terceira Seção.

Versão Esquematizada

???? Remição – amamentação e maternidade
???? LEP, arts. 32 e 126 ???? CF, art. 7º XVIII ???? Decreto 99.710/1990 (Convenção Criança) ???? Interpretação extensiva favorável à mãe presa

Inteiro Teor

          A questão consiste em saber se os cuidados maternos prestados pela apenada ao filho na ala de amamentação do presídio podem ser considerados como trabalho para fins de remição de pena, mediante interpretação extensiva do art. 126 da Lei de Execução Penal.

     Quanto ao tema, ressalta-se que a equiparação pretendida não só é justa como também é admissível juridicamente à luz da interpretação sistemática das normas que regulam o afastamento da mulher do trabalho para cuidados com o recém-nascido (licença maternidade) e dos instrumentos internacionais que o Brasil figura como signatário.

     O próprio constituinte originário equiparou o período de afastamento da mulher ao trabalho, na medida em que, no inciso XVIII do art. 7º da CF, assegurou não só emprego como o recebimento do salário durante o período de 120 dias após o nascimento.

     Nessa mesma linha, cita-se o artigo 24, e, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto n. 99.710/1990, no qual o Brasil se obrigou a adotar medidas apropriadas para assegurar a nutrição plena da criança, inclusive o aleitamento materno.

     No que toca ao trabalho, a Lei de Execução Penal previu que ele deve ser atribuído à pessoa presa levando em conta sua habilitação, condições pessoais e necessidades futuras (art. 32). A partir desse critério, o trabalho da mãe presa deve ser atribuído levando em consideração as obrigações de cuidado com filhos, em especial se os infantes se encontram junto das mães no interior do estabelecimento prisional, o que demanda a atenção com a saúde, educação, alimentação e desenvolvimento da criança.

     As garantias relacionadas à educação e trabalho cumulam com as já existentes para qualquer pessoa presa, contudo possuem características próprias para fazer frente ao fenômeno da maternidade no cárcere (Resolução CNJ nº 369/2021).

     Dito isso, emprestar ao termo trabalho, previsto no artigo 126 da LEP, interpretação extensiva para nele incluir os cuidados próprios da maternidade é essencial para garantir equidade entre os gêneros no acesso à remição, uma vez que as mulheres encarceradas enfrentam dificuldades significativamente maiores para reduzir o tempo de cumprimento da pena, devido à sua responsabilidade no cuidado de crianças pequenas dentro das unidades prisionais.

     Além disso, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), orienta magistradas e magistrados a considerarem as desigualdades de gênero nos processos judiciais, visando decisões mais justas e equitativas. Um dos pontos centrais do protocolo é a identificação e eliminação de estereótipos de gênero que possam influenciar negativamente as decisões judiciais.

     Ademais, a jurisprudência tem flexibilizado as regras de remição para reconhecer atividades não expressas no texto legal, como leitura e artesanato, devendo o mesmo se aplicar aos cuidados maternos.

     Dessarte, a amamentação e os cuidados maternos são formas de trabalho que exigem esforço contínuo e são indispensáveis ao desenvolvimento saudável da criança, devendo ser reconhecidos para fins de remição de pena.

4.       Legitimidade da Defensoria Pública em ação de improbidade administrativa

Destaque

A Defensoria Pública não possui legitimidade para propor ação de improbidade administrativa, cuja titularidade ativa é exclusiva do Ministério Público e da pessoa jurídica interessada.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 7.347/1985, art. 5º; Lei 8.429/1992, art. 17 caput e §§ 6º-A e 10-C; ADI 7042/STF.

???? Ação de improbidade tem caráter sancionador especial, distinto da ação civil pública genérica.

???? O legislador não incluiu a Defensoria entre os legitimados, configurando “silêncio eloquente”.

???? O STF (ADI 7042) reconheceu legitimidade concorrente apenas entre MP e pessoa jurídica lesada.

Discussão e Tese

???? O STJ discutiu se a Defensoria, legitimada para ação civil pública em geral, poderia propor ação de improbidade.

⚖ Concluiu que não: a LIA confere legitimidade apenas ao MP e à pessoa jurídica lesada, sendo a Defensoria parte ilegítima.

Como será Cobrado em Prova

???? Apenas o MP e a pessoa jurídica lesada possuem legitimidade para ajuizar ação de improbidade.

✅ Correto. Foi a tese reafirmada.

Versão Esquematizada

???? Improbidade – legitimidade ativa
???? LIA, art. 17 ???? Defensoria não legitimada ???? MP + pessoa jurídica lesada ???? ADI 7042 – STF

Inteiro Teor

          A controvérsia volta-se ao debate acerca da legitimidade ativa da Defensoria Pública para a ação de improbidade administrativa.

     A Lei n. 11.448/2007 alterou o art. 5º da Lei n. 7.347/1985 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública em sentido largo; mas, podendo, não alterou a legitimidade para a propositura de ação civil pública regida pela Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), cujo objeto específico é a condenação pela prática de atos ímprobos.

     Isto é, a escolha do legislador operou-se mediante “silêncio eloquente”, excluindo da Defensoria Pública a legitimidade para propor ação civil pública cujo pedido seja de aplicar as sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992.

     Note-se que, embora ambas as ações civis públicas (a geral da Lei n. 7.347/1985 e a de improbidade administrativa da Lei n. 8.429/1992) tenham algum ponto de aproximação, notadamente por serem instrumentos de proteção a direito transindividual, pelo que integram, em caráter global, o microssistema da tutela coletiva, elas diferenciam-se bastante no aspecto ontológico. É que as ações de improbidade são revestidas de caráter punitivo/sancionador próprio, sem equivalente na ação civil pública geral, e, por isso, aquela é regida por regras especiais, inclusive no que concerne à legitimidade ativa.

     Compreende-se que essa distinção entre a ação civil pública geral e a ação voltada a condenação por atos ímprobos também se extrai da opção do legislador ordinário, que resolveu concentrar exclusivamente no Ministério Público a legitimidade para propor esta última (art. 17, caput, da LIA, com a redação atual).

     Não se desconhece que o STF, após a ADI 7042, declarou a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17 da Lei n. 8.429/1992, na redação dada pela Lei n. 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil.

     Contudo, no que se refere à ação de improbidade, esse julgamento somente admitiu a legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público e a pessoa jurídica supostamente lesada pelo ato ímprobo, sem que tenha sido estendida a ampliação da legitimidade à Defensoria Pública.

     Destarte, a legitimidade para propor a ação civil com fundamento na Lei n. 7.347/1985 não confere, em absoluto, a mesma legitimidade para propor a ação de improbidade da Lei n. 8.429/1992, sendo, portanto, a Defensoria Pública parte ilegítima para propor a ação de improbidade administrativa.

5.        ISSQN e industrialização por encomenda

Destaque

É inconstitucional a incidência de ISS sobre industrialização por encomenda quando o objeto é destinado à industrialização ou comercialização, conforme tese fixada pelo STF no Tema 816 de repercussão geral.

Ag 1.360.188-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? LC 116/2003, art. 1º §2º e item 14.05 da lista; RE 882.461/MG (Tema 816/STF).

???? O STF fixou a tese: é inconstitucional cobrar ISS sobre industrialização por encomenda de bens destinados à indústria ou comércio.

???? O STJ, em juízo de retratação, alinhou-se à decisão do STF, afastando a incidência do ISS.

???? O entendimento anterior do STJ (pela incidência) foi superado.

Discussão e Tese

???? O STJ revisitou sua jurisprudência após decisão do STF em repercussão geral.

⚖ Reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de ISS sobre industrialização por encomenda destinada à indústria ou comércio.

Como será Cobrado em Prova

???? O STF considera inconstitucional a cobrança de ISS sobre industrialização por encomenda destinada à industrialização ou comercialização.

✅ Correto. RE 882.461/MG (Tema 816/STF).

???? O STJ mantém a incidência do ISS sobre industrialização por encomenda de bens para indústria.

❌ Errado. Após o Tema 816/STF, o STJ alterou sua posição.

Versão Esquematizada

???? ISS – industrialização por encomenda
???? LC 116/2003, art. 1º §2º ???? Tema 816/STF – RE 882.461/MG ???? Inconstitucionalidade da cobrança ???? STJ em retratação

Inteiro Teor

     Na origem, trata-se de ação ordinária na qual foi formulado pedido de declaração de inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue a autora a recolher o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre as operações de industrialização por encomenda.

     As operações de industrialização por encomenda consistem no beneficiamento de diversos tipos de insumos (tais como peças semi-acabadas e materiais semi-acabados) que serão, posteriormente, utilizados pelas empresas contratantes na industrialização de peças prontas para máquinas agrícolas e automóveis.

     O Juiz singular julgou procedente a ação declaratória, reconhecendo “a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue a autora a recolher o ISSQN”.

     Interposta apelação pelo ente municipal, o Tribunal de origem, em julgamento de agravo interno, manteve decisão monocrática de relator provendo o recurso fazendário, admitindo que, “a partir da Lei Complementar n. 116/2003, os serviços previstos pelo item 14.05 da lista anexa submetem-se à tributação pelo ISS, mesmo se acompanhados de mercadorias, com fundamento no artigo 1º, parágrafo 2º da referida lei, independentemente da sua destinação para industrialização ou comercialização”.

     No Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar anteriormente o agravo proposto contra a inadmissão do especial apelo manejado contra o acórdão local, a Primeira Turma houve por bem negar provimento ao recurso, reconhecendo, portanto, a legitimidade da incidência do ISS sobre a “industrialização por encomenda”, dado caracterizar-se como prestação de serviço.

     Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 26/2/2025, promoveu o julgamento do RE n. 882.461/MG, sob o signo da repercussão geral, e enfrentou a questão jurídica trazida no presente feito, firmando a tese de que “[é] inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da Lista anexa à LC” n. 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização” (Tema n. 816/STF).

     Nesse compasso, à vista de que o STF adotou entendimento em sentido diametralmente oposto ao que antes decidido no STJ, exerce-se o juízo de retratação, para que, conhecendo do agravo, seja dado provimento ao especial apelo do contribuinte, restaurando os termos da sentença.

6.        Tutela do patrimônio tombado e perda de objeto

Destaque

A mera intenção ou início das obras de restauração de bem tombado não caracteriza perda de objeto da ação; é necessário cumprimento integral da obrigação judicial, sob supervisão estrutural na fase executória.

REsp 2.218.969-SP, Rel. Min. Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, art. 216; LEP (analogias estruturais); Recomendação CNJ 163/2025; FPPC Boa Prática 22.

???? Perda de objeto só ocorre com satisfação integral do pedido, não bastando intenção administrativa.

???? A execução deve ser conduzida com técnicas estruturais (comitês, cronogramas, relatórios periódicos, audiências públicas).

???? A tutela do patrimônio cultural exige continuidade e participação comunitária.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou se a restauração iniciada por município afastaria interesse processual em ação civil pública.

⚖ Concluiu que não: o cumprimento integral do título deve ser acompanhado em execução, com condução estrutural do processo.

Como será Cobrado em Prova

???? O STJ avaliou se a restauração iniciada por município afastaria interesse processual em ação civil pública.

⚖ Concluiu que não: o cumprimento integral do título deve ser acompanhado em execução, com condução estrutural do processo.

Versão Esquematizada

???? CF, art. 216
???? Recomendação CNJ 163/2025 ???? Perda de objeto só com cumprimento integral ???? Execução estrutural e comunitária

Inteiro Teor

          A questão em discussão consiste em saber se o início das obras de restauração do bem tombado pelo município caracteriza perda de interesse processual, tornando desnecessária a continuidade da demanda.

     No caso, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público contra um município, visando à restauração do Galpão da Oficina de Locomotivas, patrimônio tombado por Lei Municipal. A sentença condenou o ente federativo a executar as obras no prazo de seis meses, sob pena de multa e a apelação foi desprovida.

     A deterioração do bem é registrada desde a década de 1980, o tombamento ocorreu nos anos 1990, o imóvel está interditado desde 2009 e a municipalidade manifesta reiteradamente, ao longo de décadas, suas melhores intenções de devolver o bem à coletividade, sem efetivá-lo.

     No que tange ao interesse de agir do Ministério Público, o município recorrente defende sua inexistência porque teria conduzido a matéria administrativa de maneira adequada, com licitação e início das obras para restaurar o bem tombado.

     A pretensão de que seja reconhecida a perda de objeto dita unilateral depende de que a parte ré entregue ao autor o bem da vida integralmente demandado em juízo. No caso, a parte apenas manifesta a intenção de entregar parte do bem da vida demandado.

     Nas situações envolvendo o Poder Público, essa pretensão de reconhecimento da perda de objeto deve ser tratada com ainda maior critério. Isso porque, nos termos da doutrina, “Atores governamentais com frequência usam a perda de objeto para evadirem-se de precedentes desfavoráveis.”.

     Por isso, a mera intenção ou mesmo início das obras de restauração não caracteriza perda de objeto, pois o cumprimento integral da obrigação judicial é necessário para a extinção do interesse processual.

     O cumprimento da obrigação disposta na sentença, portanto, somente poderá ser verificado na fase executória do provimento. É o juízo da execução que poderá considerar de modo efetivo os atos e esforços concretos da municipalidade que atendem de forma mais eficiente ao provimento judicial, inclusive com eventual modulação de prazos e multas, que não devem ser afastados de plano.

     Além disso, do cenário descrito, depreende-se a natureza estrutural da demanda. Assim, a abordagem da causa, ainda que tardiamente, já em sua fase executória, pode e deve ser feita pela lente dos processos estruturais.

     É certo que o caso trata de uma “nanoinstitucionalidade”, uma situação de violação sistemática dos direitos da coletividade à cultura e à memória bastante delimitada, com um provimento jurisdicional bem específico, condição que nem sempre é entendida como matéria estrutural, dado seu limitado alcance.

     Mas isso não impede que, no momento da execução da sentença, práticas, métodos e princípios típicos do processo estrutural sejam adotados pelo juízo exequente, conforme necessários e adequados. Nesse sentido, recentemente o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou a Recomendação n. 163 de 16/6/2025, norma incentivadora da condução estrutural de processos judiciais.

     Ademais, considerando que se trata de patrimônio histórico e cultural de uma municipalidade, a adoção de técnicas estruturais de condução do feito atende, ainda, à concretização do princípio da participação comunitária, conforme reconhecido desde 1967 pelos Estados membros da Organização dos Estados Americanos – OEA,

     Nessa linha, e conforme disposto pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis, como boa prática na condução do feito estrutural em instância recursal, afigura-se adequado dar indicações concretas ao juízo de execução sobre os parâmetros de atuação nessa circunstância (Boa Prática n. 22/FPPC), nos termos já adotados, inclusive como paradigmas desse agir, por esta Corte (REsp n. 1.854.842/CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/6/2020, DJe de 4/6/2020).

     Assim, recomenda-se ao magistrado encarregado da execução, resguardada sua independência funcional, a adoção de, entre outras, de medidas de natureza estruturante, tais como: i) estabelecimento de comitê de condução e monitoramento do projeto de restauração, inclusive com a participação de entidades da sociedade civil representantes do setor de cultura e memória, órgãos especializados de suporte, como o CREA, e representantes do Legislativo, além das partes e representante do juízo; ii) a eventual dilação do prazo de conclusão das obras, inclusive com suspensão temporária das multas condicionada ao cumprimento de eventual cronograma acordado pelas partes; iii) determinação de publicação no portal do Poder Executivo Municipal de relatórios periódicos, em intervalos de não mais que 45 dias, de execução do projeto de restauração, com os itens mínimos que entender necessários; e iv) realização de audiência pública prévia ao encerramento da obra, na sua iminência, para coleta de manifestações da sociedade sobre o alcance dos objetivos da sentença de conhecimento e prestação de contas pelos réus.

     Recomenda-se, ainda, ao Tribunal respectivo que providencie o apoio institucional necessário ao magistrado singular na implementação dessas medidas, tudo orientado pelo princípio maior de cooperação.

     Por fim, ao contrário do que alega a municipalidade, se a sentença confirma sua intenção administrativa, a imposição judicial pode destravar as diversas amarras burocráticas e políticas impostas a seus próprios gestores.

     A sentença não será vazia, mas catalisadora dos efeitos concretos da política pública de proteção ao patrimônio histórico-cultural que a própria Administração não só é obrigada por lei a implementar, como assim também o deseja há tantas décadas.

     Será, ainda, obrigação específica, decorrente de título judicial executivo, que vinculará não só a gestão atual como as futuras, de forma impessoal e para além de voluntarismos, como exige a situação degradante enfrentada pelo bem municipal tombado.

     Por isso, o provimento judicial resguardará tanto a pretensão do autor como as intenções do réu, de modo a concretizá-las a ambas as partes. Desse modo, o objeto jurídico, que deve ser entendido como a devolução à coletividade do bem histórico-cultural que verdadeiramente lhe pertence, permanece íntegro.

7.        Redução da base de cálculo do ICMS e bens de uso doméstico

Destaque

A redução da base de cálculo do ICMS prevista no Convênio ICMS 52/1991 não se aplica a bens de uso doméstico, que não se destinam à indústria ou ao campo.

REsp 1.845.249-MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, jul

Conteúdo-Base

???? CTN, art. 111; Convênio ICMS 52/1991.

???? O benefício fiscal deve ser interpretado restritivamente.

???? O convênio reduz a base apenas para equipamentos industriais e implementos agrícolas.

???? Produtos domésticos (motosserra elétrica, roçadeira, cortador de grama, soprador) não se enquadram na finalidade da norma.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se bens de linha doméstica listados no anexo do convênio gozariam da redução.

⚖ Concluiu que não: a interpretação deve ser sistemática, ligada à finalidade do benefício, não bastando o simples enquadramento formal.

Como será Cobrado em Prova

???? O benefício do Convênio 52/1991 se estende a bens de uso doméstico listados em seu anexo.

❌ Errado. O STJ afirmou que só alcança bens industriais e agrícolas.

Versão Esquematizada

???? ICMS – Convênio 52/1991
???? CTN, art. 111 ???? Redução restrita a bens industriais/agro ???? Uso doméstico excluído ???? Interpretação sistemática

Inteiro Teor

     O Convênio ICMS n. 52/1991, dispõe em sua ementa que: “Concede redução da base de cálculo nas operações com equipamentos industriais e implementos agrícolas”.

     Em sua cláusula primeira, por sua vez, está plasmado o seguinte: “Fica reduzida a base de cálculo do ICMS nas operações com máquinas, aparelhos e equipamentos industriais arrolados no Anexo I deste Convênio, de forma que a carga tributária seja equsivalente aos percentuais a seguir (…).”.

     No caso, é incontroverso que os equipamentos do recorrente, ou seja, motosserra elétrica, roçadeira, cortador de grama, soprador, mesmo considerados como de uma linha doméstica, estariam enquadrados nos anexos do convênio.

     Por esse fato, o recorrente considera que, estando as mercadorias enquadradas no referido anexo do convênio, estaria ele albergado pelo benefício de redução do tributo.

     Equivoca-se, no entanto, o contribuinte, porquanto a interpretação da norma tem relação com a cláusula primeira do convênio, acima transcrita.

     Conforme entende a consagrada doutrina jurídica, a interpretação da norma deve ser sistemática, considerada a manutenção da coerência jurídica.

     Nesse sentido, a interpretação que o contribuinte pretende atribuir à norma retira o anexo do seu contexto e da finalidade do benefício fiscal, conferindo autonomia a um elemento normativo de caráter eminentemente acessório.

     Por conseguinte, caso o benefício em questão fosse conferido a bens de uso doméstico, estaria contrariado, de forma frontal, o disposto na cláusula primeira, bem como a própria ementa do Convênio.

     Dessa forma, a interpretação dada pelo Tribunal a quo sobre a inaplicabilidade da redução do ICMS para os referidos produtos, por não terem como destino a indústria ou o campo, mas sim o uso doméstico, antes de ofender, prestigia o art. 111 do CTN, porque a cláusula primeira, acima citada, literalmente afirma que a concessão do benefício deve estar direcionada a equipamentos industriais e implementos agrícolas, não se abrindo tal beneplácito para os produtos destinados ao uso doméstico.

8.        Exoneração de alimentos e supressio/surrectio

Destaque

É possível manter a obrigação alimentar por prazo indeterminado quando o alimentante, mesmo exonerado, voluntariamente pagou alimentos por décadas, gerando expectativa legítima da alimentanda (supressio/surrectio).

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025, DJEN 27/6/2025.

Conteúdo-Base

???? CC/2002, arts. 113, 187, 422; boa-fé objetiva; institutos da supressio e surrectio.

???? Supressio → perda de direito pelo não exercício prolongado.

???? Surrectio → surgimento de direito pela confiança criada.

???? No caso, o ex-marido pagou por 25 anos após exoneração; criou legítima expectativa de continuidade.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a longa manutenção voluntária da pensão poderia impedir a exoneração.

⚖ Entendeu que sim: aplica-se a boa-fé objetiva e os institutos da supressio e surrectio, que estabilizam expectativas legítimas nas relações familiares.

Como será Cobrado em Prova

???? O fato de o alimentante continuar pagando após exoneração não gera efeitos jurídicos por se tratar de mera liberalidade.

❌ Errado. O STJ reconheceu que pode gerar expectativa legítima (supressio/surrectio).

Versão Esquematizada

???? Alimentos – supressio/surrectio
???? CC/2002, arts. 113, 187, 422 ???? Boa-fé objetiva ???? Supressio: perda do direito de cessar ???? Surrectio: expectativa da continuidade

Inteiro Teor

       Cinge-se a controvérsia em decidir se o pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido, por mais de duas décadas após o termo final da obrigação, configura a incidência do instituto da supressio, fazendo nascer para a ex-esposa a expectativa legítima de continuidade da prestação, em homenagem à boa-fé objetiva.

     A confiança, no contexto das relações privadas, desempenha papel fundamental ao assegurar proteção qualificada ao comportamento humano, sendo expressão concreta da solidariedade social constitucionalmente albergada. Essa confiança impõe a todos o dever jurídico de não frustrar, injustificadamente, as legítimas expectativas de terceiros. No âmbito das relações familiares, a noção de confiança deve ser especialmente protegida, de forma que as condutas contrárias à confiança serão, em regra, também contrárias à boa-fé objetiva.

     A tutela da confiança assume relevância ética nas relações privadas ao proibir comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium) e ao reconhecer efeitos decorrentes da inércia prolongada (supressio) ou da prática constante (surrectio). Tais figuras jurídicas operam como mecanismos de estabilização das expectativas, impedindo mudanças abruptas de conduta que contrariem a confiança anteriormente depositada.

     Identifica-se a supressio como a perda de determinada faculdade jurídica em razão do não exercício prolongado desse direito, o que leva ao seu esvaziamento. Em contrapartida, a surrectio consiste no surgimento de uma vantagem para determinada pessoa, justamente porque a outra parte deixou de exercer o direito ao qual faria jus, criando, assim, a expectativa de que esse direito não mais seria reivindicado futuramente.

     A supressio aproxima-se, sem dúvida, do venire contra factum proprium, pois ambas as figuras atuam como fatores de preservação da confiança alheia. Mas dele se diferencia primordialmente pois, enquanto no venire, a expectativa do outro decorre de uma conduta ativa anterior, que não pode ser desmentida posteriormente; na supressio, a expectativa nasce da omissão prolongada do titular do direito, cuja inércia, associada a elementos objetivos que indiquem o desuso, conduz à convicção de que tal direito não será mais exercido.

     Assim, a inércia prolongada do credor de alimentos em promover a execução da pensão em débito pode gerar, no devedor, a legítima expectativa de que a prestação não é mais necessária, conduzindo à estabilização da situação de inadimplemento. Em sentido inverso, o alimentante que, mesmo exonerado, opta voluntariamente por continuar realizando os pagamentos, conduz ao alimentando a expectativa de continuidade da prestação, a qual pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade.

     A aplicação da boa-fé no âmbito do Direito de Família reforça a dimensão ética e funcional da confiança, reafirmando seu papel como vetor interpretativo e integrativo. A eventual violação de justa expectativa deverá ser verificada na situação em concreto, devendo o julgador buscar a melhor forma de concretização das expectativas e esperanças criadas no ambiente familiar.

     O caráter de transitoriedade dos alimentos entre ex-cônjuges parece traduzir o conteúdo da boa-fé objetiva, uma vez que deve a obrigação alimentar garantir o fornecimento de auxílio material ao cônjuge depreciado em razão de sua vulnerabilidade social e econômica, até que possa retomar sua autonomia financeira.

     Os alimentos transitórios não serão cabíveis, entretanto, quando as necessidades são permanentes, em decorrência da incapacidade perene do alimentando de promover seu próprio sustento.

     A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a perenidade da obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges em situações excepcionais, como na impossibilidade prática de reinserção do alimentando no mercado de trabalho; em hipótese de idade avançada do alimentando; ou de condição de saúde fragilizada.

     Dessa forma, constatando-se, na espécie, a incapacidade laboral do alimentando, saúde fragilizada, idade avançada ou qualquer impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho, ou de adquirir autonomia financeira, a pensão alimentícia entre ex-cônjuges poderá ser fixada por prazo indeterminado.

     No caso, é incontroverso que as partes se encontram divorciadas há mais de 30 (trinta anos), tendo firmado acordo para pagamento de pensão alimentícia pelo ex-marido à ex-esposa, correspondente a 5% dos seus rendimentos líquidos, além de pagamento de plano de saúde, pelo prazo de um ano. Referido acordo fora homologado judicialmente em 1993.

     Dois anos depois, as partes peticionaram nos autos da ação de divórcio requerendo a alteração do acordo, para que o pagamento da pensão alimentícia fosse prorrogado por prazo indeterminado. Embora não tenha o juízo conhecido do pedido, em razão da necessidade de ajuizamento de ação própria, o ex-marido permaneceu alcançando a pensão alimentícia à ex-esposa por mais de 25 (vinte e cinco) anos, até o ajuizamento da ação de exoneração, em julho de 2018.

     O fato de a ex-esposa ter recebido pensão alimentícia por mais de 25 (vinte e cinco) anos, no entanto, não demonstra sua inércia em retomar a independência financeira. Do contrário, a inércia do ex-marido em permanecer realizando os pagamentos mensais acordados por longo período, mesmo que exonerado, provocou na alimentanda a expectativa de que o direito de exoneração não seria mais por ele exercida.

     Portanto, evidencia-se, da conduta do alimentante, o instituto da supressio, visto que deixou de exercer seu direito de cessar o pagamento dos alimentos por mais de duas décadas, conduzindo à estabilização da situação de fato. Lado outro, surge para a alimentanda a surrectio, diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-marido.

     Com efeito, o alimentante que, mesmo exonerado, opta voluntariamente por continuar realizando os pagamentos, conduz ao alimentando a expectativa de continuidade da prestação, a qual pode tornar-se juridicamente relevante, especialmente diante da reiterada e sistemática manifestação de vontade.

     Some-se a isso o fato de que a ex-esposa teve de abdicar de seu trabalho em razão de mudança da família para a cidade de Petrópolis, em função do emprego do ex-marido. A realidade vivenciada pelo casal ao tempo da constância da sociedade conjugal deve ser considerada quando da fixação da pensão alimentícia.

     Ademais, tendo em vista que a alimentanda é pessoa idosa, possui doença grave e se encontra impossibilitada de se reinserir no mercado de trabalho; e o alimentante aufere renda suficiente para permanecer cumprindo a obrigação constituída; deve-se manter o pagamento da pensão alimentícia por prazo indeterminado.

9.        Danos morais e rompimento da barragem de Brumadinho

Destaque

Não há dano moral indenizável quando o autor não comprova ofensa concreta a direitos da personalidade, sendo insuficiente alegar apenas transtornos genéricos decorrentes do acidente de Brumadinho.

REsp 2.198.056-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, art. 5º X; CC, arts. 186 e 927.

???? A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, mas exige comprovação de dano moral individual.

???? Transtornos genéricos (trajeto maior, estresse, precariedade de vias) não configuram dano moral.

???? Dano moral coletivo deve ser discutido em ação própria.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou pedido de motorista que alegou danos morais por alteração temporária de rota após o desastre.

⚖ Concluiu que não houve comprovação de abalo psíquico ou sofrimento grave; apenas transtornos comuns não geram indenização moral.

Como será Cobrado em Prova

???? O dano moral é presumido para todos os afetados por desastre ambiental.

❌ Errado. O STJ exige prova de ofensa concreta ao direito da personalidade.

???? Para indenização individual por desastre ambiental, é necessária comprovação de abalo relevante, não bastando transtornos genéricos.

✅ Correto. Essa foi a tese aplicada.

Versão Esquematizada

???? Brumadinho – danos morais individuais
???? CF, art. 5º X ???? CC, arts. 186 e 927 ???? Responsabilidade objetiva exige prova ???? Transtornos genéricos não geram indenização

Inteiro Teor

          A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco integral, não dispensando a comprovação do dano, a fim de garantir às supostas vítimas a indenização pleiteada.

     Na origem, trata-se de pedido de reparação de danos morais decorrentes do rompimento de barragem de rejeitos de mineração da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, fato ocorrido no dia 25 de janeiro de 2019. Relata o motorista de ônibus que, em razão do rompimento, foi obrigado, por dois meses, a fazer baldeação pela ponte de Melo Franco, em condições precárias, o que teria acarretado o aumento da sua jornada de trabalho diária, além de profundo estresse. Afirma, ainda, que recebe horas extras devido ao aumento de tempo gasto e recebe o auxílio emergencial concedido pela recorrente.

     Para que haja dever de indenizar por danos morais, em virtude do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, a pessoa que se sentiu afetada pelo acidente ocorrido deve comprovar, concretamente, ter havido ofensa, em caráter individual, aos seus direitos de personalidade.

     Danos ambientais e morais coletivos, como a alteração da rotina, que inevitavelmente ocorreram, de uma forma ou de outra, para todos os que residem ou trabalham próximo ao local do acidente, devem ser discutidos em outras vias, administrativas e judiciais, pelas entidades a tanto legitimadas.

     No caso, o autor não alegou ter sofrido abalo psíquico, perturbação emocional relevante ou sofrimento pessoal grave, limitando-se a relatar transtornos genéricos devido ao aumento do percurso de trabalho como motorista profissional e à precariedade das vias de acesso durante cerca de dois meses, o que não caracteriza prejuízo de ordem moral.

10.         Seguro de vida individual e abusividade no cancelamento unilateral

Destaque

É abusiva a recusa de renovação de seguro de vida individual após longo período de renovações automáticas, por violar os princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

AgInt no REsp 2.015.204-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CC, arts. 421, 422; CDC, arts. 4º III e 51 IV; REsp 1.073.595/MG; AgInt no REsp 1.537.916/RS.

???? A longa duração do contrato gera legítima expectativa de continuidade.

???? A recusa unilateral após décadas de renovações ofende a boa-fé, a cooperação e a lealdade contratual.

???? A jurisprudência do STJ já estendia a proteção também a seguros de grupo.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a seguradora poderia cancelar contrato de seguro de vida individual após mais de 20 anos de renovações sucessivas.

⚖ Concluiu que não: a confiança legítima do consumidor deve ser preservada; a recusa foi considerada abusiva.

Como será Cobrado em Prova

???? A longa duração do contrato de seguro de vida individual gera a legítima expectativa de renovação,

✅ Correto. A seguradora não pode cancelar unilateralmente seguro de vida individual quando renovado automaticamente por décadas.

Versão Esquematizada

???? Seguro de vida – abusividade
???? CC, arts. 421, 422 ???? CDC, arts. 4º III, 51 IV ???? Boa-fé e confiança contratual ???? Cancelamento unilateral = abusivo

Inteiro Teor

          A questão em discussão consiste em saber se a recusa da renovação de contrato de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, configura prática abusiva, em violação aos princípios da boa-fé objetiva e da confiança.

     No caso, o contrato de seguro de vida individual mantido pelo segurado foi cancelado de forma unilateral pela seguradora, após mais de duas décadas de renovações sucessivas e automáticas.

     Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo” (REsp n. 1.073.595/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 23/3/2011, DJe de 29/4/2011).

     Ademais, a Quarta Turma do STJ já decidiu que, mesmo em contratos de seguro de vida em grupo, a longa duração do vínculo contratual impede que a seguradora modifique abruptamente as condições da apólice ou se recuse a renová-la (AgInt no REsp n. 1.537.916/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 29/6/2018).

     Assim, considera-se abusiva a recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas.          

11.      Montagem fotográfica, liberdade de expressão e dano moral

Destaque

A publicação de montagem fotográfica de pessoa pública em matéria jornalística, sem invasão de sua vida privada, ainda que em tom crítico, não gera dano moral indenizável.

AgInt nos EDcl no REsp 1.824.219-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por maioria, julgado em 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, arts. 5º IV, IX, X e XIV, e 220; CC, arts. 186 e 927.

???? Pessoas públicas têm esfera reduzida de proteção da personalidade.

???? A crítica jornalística é legítima se baseada em fatos verossímeis ou de interesse público.

???? Sem invasão da intimidade, montagem crítica não gera dano moral.

Discussão e Tese

???? O STJ discutiu se capa de revista com montagem de político em traje de presidiário configuraria dano moral.

⚖ Decidiu que não: a liberdade de imprensa prevalece quando não há falsidade ou ataque à intimidade.

Como será Cobrado em Prova

???? A liberdade de imprensa autoriza a veiculação de montagem fotográfica crítica, se não houver invasão da vida privada.

✅ Correto. O STJ afirmou que críticas verossímeis não configuram dano.

Versão Esquematizada

???? Montagem jornalística – dano moral
???? CF, arts. 5º e 220 ???? Pessoa pública = proteção reduzida ???? Crítica verossímil ≠ dano ???? Liberdade de imprensa prevalece

Inteiro Teor

     A controvérsia cinge-se à verificação de eventual dano indenizável decorrente da publicação, na capa de revista, de montagem que retrata autoridade pública como se estivesse trajando vestimenta típica de presidiário.

     A primazia da liberdade de expressão, garantia constitucional e corolário da democracia, decorre de sua dupla função: a) não oferecer obstáculo ao livre exercício do pensamento e da transmissão de informações, opiniões e críticas; e b) tutelar o direito do público ao conhecimento de informações de interesse coletivo.

     Quando se trata de pessoa pública ou notória, a esfera de proteção dos direitos à personalidade é reduzida, considerando-se a primazia do controle e da fiscalização de seus atos pela população.

     Dessa forma, as matérias jornalísticas baseadas em fatos verídicos ou ao menos verossímeis – mas não necessariamente incontroversos -, ainda que delas constem manifestações severas, irônicas, impiedosas, por si sós, não ensejam dano indenizável.

     Por outro lado, é importante frisar que a liberdade dos veículos de comunicação não é direito absoluto, podendo seu exercício ser considerado abusivo se forem ultrapassados os limites da ética e da boa-fé e houver desrespeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. A propósito, consolidou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, quanto às limitações à liberdade de expressão, de informação, de opinião e de crítica jornalística, devem ser observados: “(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)” (REsp n. 801.109/DF, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe de 12/3/2013).

     Assim, embora seja dispensável que os fundamentos da matéria jornalística refiram-se a fatos incontroversos, isso não desobriga a imprensa de adotar postura diligente e cuidadosa na averiguação e divulgação das notícias, analisando elementos objetivos e pautando-se pelo dever de veracidade, sob pena de manipular ilegalmente a opinião pública. Em suma, considera-se legítimo o exercício da liberdade de imprensa se o conteúdo da notícia for verdadeiro ou ao menos verossímil e sua divulgação for de interesse público, devendo ser preservados os direitos da personalidade daquele que foi exposto pela mídia.

     No caso, considerando que o dano à imagem apura-se a partir das particularidades do caso concreto e do confronto entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, a capa de revista que exibe montagem de foto de autoridade pública em traje típico de presidiário, por si só, não caracteriza dano à imagem indenizável.

12.     Estupro de vulnerável e vítima em estado de sono

Destaque

A prática de ato libidinoso contra vítima em estado de sono configura estupro de vulnerável, não sendo possível a desclassificação para importunação sexual.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025, DJEN 14/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CP, arts. 215-A e 217-A §1º.

???? O sono impede resistência e atrai presunção absoluta de violência.

???? O ato libidinoso, mesmo sem conjunção carnal, caracteriza estupro de vulnerável.

???? A importunação sexual exige vítima capaz de resistência, o que não ocorre no sono.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se o ato de passar a mão na genitália de vítima dormindo poderia ser classificado como importunação.

⚖ Concluiu que não: a vulnerabilidade absoluta impõe o enquadramento no art. 217-A.

Como será Cobrado em Prova

???? A presunção de violência abrange atos praticados contra vítimas incapazes de resistência, como no sono.

✅ Correto. Foi a decisão da Quinta Turma.

Versão Esquematizada

???? Estupro de vulnerável – sono
???? CP, arts. 215-A e 217-A §1º ???? Sono = incapacidade absoluta ???? Ato libidinoso diverso = estupro ???? Não cabe desclassificação

Inteiro Teor

          A questão consiste em saber se a conduta de passar a mão na genitália da vítima enquanto esta dormia, configura estupro de vulnerável ou se poderia ser desclassificada para importunação sexual.

     O Tribunal de origem reformou a sentença, desclassificando a conduta imputada ao réu, de estupro de vulnerável (217-A, § 1º, do CP) para importunação sexual (215-A do CP), ao fundamento de que a vítima estava acordando no momento da prática do delito e, portanto, sua percepção podia estar alterada quanto à realidade dos fatos, não havendo, ainda, demonstração acerca da sua incapacidade de resistência.

     Nesse passo, ainda que a Corte a quo tenha considerado reprovável e repugnante a ação praticada, não entendeu demonstrado “que o apelante tenha agido com o intuito de constranger, mediante grave ameaça ou violência, a vítima a praticar qualquer conjunção carnal, ou qualquer ato libidinoso desta diverso”.

     Contudo, a moldura fática reconhecida pelo Tribunal estadual na conduta do acusado, consistente no ato de passar as mãos na genitália da vítima enquanto esta dormia, tipifica o crime de estupro de vulnerável, por caracterizar ato libidinoso praticado contra pessoa que não pode oferecer resistência, para satisfação da lascívia do abusador.

     Nesse sentido, a Quinta Turma do STJ já decidiu que “(…) a conduta perpetrada pelo recorrido não se revelou como sendo um simples ato de ‘importunação’, ao contrário disso, evidencia-se claramente no sentido de dar contorno e características de ato libidinoso diverso da conjunção carnal em face de vítima vulnerável. A minuciosa descrição dos fatos explicitada no v. acórdão da origem sinaliza para a gravidade da ação do recorrido que passou as mãos nos seios e no restante do corpo da filha enquanto ela dormia.” (AgRg no REsp 2.000.918/MG, Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, DJe de 18/11/2022).

     Portanto, diante da presunção absoluta de violência na espécie, deve ser restabelecido o decreto condenatório em razão da efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal.

13.     Tráfico de drogas e núcleo “trazer consigo”

Destaque

O verbo “trazer consigo” do art. 33 da Lei de Drogas não se limita ao contato físico da droga com o corpo, abrangendo também a posse imediata ou disponibilidade da substância.

AgRg no AREsp 2.791.130-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 11.343/2006, art. 33.

???? O tipo penal contém 18 núcleos; “trazer consigo” inclui ter a droga à disposição, mesmo sem contato corporal direto.

???? Apreensão em espaço público: exclui “guardar” e “ter em depósito”.

???? Interpretação restritiva levaria à atipicidade e absolvições indevidas.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou caso em que acusados estavam em volta de um tablado com drogas, sem portar fisicamente a substância.

⚖ Concluiu que todos “traziam consigo”, pois mantinham disponibilidade imediata da droga, em concurso de vontades.

Como será Cobrado em Prova

???? Só configura “trazer consigo” se a droga estiver em contato direto com o corpo do agente.

❌ Errado. O STJ afirmou que basta a imediata disponibilidade.

???? O núcleo “trazer consigo” inclui situações em que a droga está à disposição do agente em espaço público.

✅ Correto. Essa foi a interpretação da Sexta Turma.

Versão Esquematizada

???? Tráfico – “trazer consigo”  
???? Lei 11.343/2006, art. 33 ???? Disponibilidade imediata ≠ contato físico ???? Concurso de vontades ???? Atipicidade afastada

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia a saber se o verbo nuclear do tipo “trazer consigo” previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 limita-se ao contato direto com a droga junto ao próprio corpo.

     No caso, analisando os 18 núcleos do tipo (importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer), a conduta dos acusados (aglomerados ao redor de um tablado com a droga) só pode se amoldar a “trazer consigo”. Como a apreensão ocorreu no espaço público, isso exclui os núcleos “ter em depósito” ou “guardar”. E como nenhum ato de comercialização ou preparo foi visualizado, isso também exclui os demais núcleos.

     Resta, somente, o “trazer consigo”, o qual não se limita aos casos de contato físico, pois engloba a posse como “ter a disponibilidade de”. Ainda que somente um acusado eventualmente haja trazido a droga anteriormente, no momento da apreensão todos já estavam na disponibilidade da droga disposta no tablado em frente de todos. Como todos estavam aglomerados ao redor da droga, todos “traziam consigo”.

     Interpretação em sentido contrário implicaria a atipicidade da conduta e, por consequência, a absolvição de todos, por falta da prova de quem trouxe a droga para o local, o que seria de todo inadequado e irrazoável. Essa interpretação, aliás, também geraria a atipicidade nos casos em que a droga é encontrada nas proximidades do acusado em via pública, e não no seu corpo (por exemplo, quando ele a esconde sob muro, arbusto, etc). Bastaria, nessas hipóteses, argumentar que outra pessoa trouxe a droga previamente para o local e, portanto, sem o contato físico, ele não a “tem consigo”.

     E mais, a atipicidade também se imporia nos casos de uso próprio. Nem no art. 28 da referida lei seria possível enquadrar a conduta, porque também não se amoldaria a nenhum dos núcleos do tipo (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo). Ou seja, bastaria o acusado passar despercebido durante o transporte da droga ao local público, mesmo que a droga se mantenha em sua esfera de disponibilidade, para garantir a absolvição por falta de provas.

     Assim, diante do reconhecimento de que os réus estavam ao redor de um tablado de madeira no qual estavam as drogas, conclui-se que todos eles, em concurso de vontades, traziam a droga consigo. A manutenção das drogas em frente aos réus, sob sua esfera de disponibilidade, para que elas sejam repartidas entre si, é suficiente para configurar o núcleo do tipo.

14.    Guarda municipal, busca pessoal e fundada suspeita

Destaque

Guardas municipais podem realizar busca pessoal em via pública quando houver fundada suspeita de prática delitiva, inclusive em policiamento ostensivo.

AgRg no HC 909.471-SP, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Des. conv. TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 12/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, arts. 129 VII e 144 §8º; RE 608.588/SP (Tema 656 STF).

???? STF reconheceu competência das guardas para policiamento ostensivo e comunitário, vedada apenas polícia judiciária.

???? Fundada suspeita pela tentativa de fuga legitima a abordagem.

???? Provas obtidas foram consideradas lícitas.

Discussão e Tese

???? O STJ revisou sua jurisprudência à luz da tese do STF sobre o papel das guardas municipais.

⚖ Concluiu que, diante de fundada suspeita e no exercício de policiamento ostensivo, a busca pessoal é válida.

Como será Cobrado em Prova

???? Guardas municipais podem realizar busca pessoal, inclusive em policiamento ostensivo.

✅ Correto. O STF reconheceu sua competência no policiamento ostensivo.

???? A tentativa de fuga diante da guarnição caracteriza fundada suspeita e legitima busca pessoal feita pela GCM.

✅ Correto. Foi a tese aplicada pelo STJ após revisar sua juris.

Versão Esquematizada

???? Guarda municipal – busca pessoal
???? CF, arts. 129 VII e 144 §8º ???? Tema 656/STF ???? Função: policiamento ostensivo ???? Fundada suspeita legitima busca

Inteiro Teor

     A questão consiste em saber se as provas que amparam a condenação foram obtidas de forma lícita em diligência de guarda civil municipal.

     Em processos envolvendo a atuação de guarda municipal, o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça havia se consolidado pela necessidade de avaliação da competência dos agentes para a execução do ato, antes da verificação da justa causa, conforme assentado no julgamento do HC n. 830.530/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz.

     Ocorre que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 608.588/SP, Tema 656 de Repercussão Geral, fixou a tese no sentido de que, “É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional.”.

     Assim, considerando o dever de uniformização da jurisprudência dos tribunais e manutenção de sua estabilidade, integridade e coerência (art. 926 do CPC), bem como a devida observância ao precedente em questão (art. 927 do CPC), deve ser aplicada a tese firmada pelo STF.

     Ou seja, haverá constatação de desvio de finalidade diante de prática, pela guarda municipal, de atividade de polícia judiciária, conforme expressamente assinalado pela Suprema Corte. Contudo, passa-se a considerar inserida na função da guarda municipal a realização de policiamento ostensivo e comunitário.

     No caso, os guardas municipais realizavam patrulhamento de rotina quando visualizaram o acusado, o qual, ao notar a viatura, tentou se evadir, motivando a abordagem dos agentes. Assim, o que se observa é a compatibilidade da diligência com os parâmetros jurisprudenciais estabelecidos para a sua validade.

     Nessa linha, a Sexta Turma do STJ já decidiu que “A abordagem foi considerada idônea, pois havia fundada suspeita, justificada pela tentativa de fuga do adolescente ao notar a aproximação dos guardas municipais.” (HC 929.860/SP, Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJEN de 10/6/2025).

15.     Investigação de prefeito e foro por prerrogativa

Destaque

A investigação criminal de prefeito não exige autorização judicial prévia; basta supervisão posterior do tribunal competente.

HC 962.828-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 12/8/2025, DJEN 19/8/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, art. 29 X; CPP, arts. 4º-5º; STF – HC 407.047/PB; STJ – AgRg no HC 966.772/DF.

???? Foro por prerrogativa não impede investigação preliminar.

???? Não há nulidade se houver supervisão judicial posterior.

???? Prejuízo concreto deve ser demonstrado para anulação.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou nulidade de investigação de prefeito sem autorização prévia do TJ.

⚖ Concluiu que a autorização não é exigida; basta supervisão posterior para validar atos de investigação.

Como será Cobrado em Prova

???? A investigação de prefeito com foro exige prévia autorização judicial, sob pena de nulidade.

❌ Errado. O STJ entendeu que a autorização é prescindível.

Versão Esquematizada

???? Prefeito – investigação e foro
???? CF, art. 29 X ???? CPP, arts. 4º-5º ???? Supervisão posterior válida ???? Prejuízo concreto necessário

Inteiro Teor

     A questão consiste em saber se a ausência de autorização e supervisão judicial para a investigação de autoridade com foro por prerrogativa de função acarreta nulidade do procedimento investigatório e do processo penal subsequente.

     No caso, ao tempo da instauração do procedimento investigatório criminal, o Supremo Tribunal Federal ainda não havia pacificado a jurisprudência sobre o assunto, e no Superior Tribunal de Justiça vigorava o entendimento de que “não há razão jurídica para condicionar a investigação de autoridade com foro por prerrogativa de função a prévia autorização judicial, ou seja, desnecessária a prévia autorização do Tribunal competente, para a colheita de elementos indiciários de autoridade com foro por prerrogativa de função” (AgRg no REsp 1.851.378/GO, Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 23/6/2020).

     De qualquer forma, mesmo após a pacificação jurisprudencial, o próprio STF estabeleceu ser hipótese de regularização, e não de anulação. Ademais, prevalece na jurisprudência atual a orientação de que “a investigação criminal, ainda que envolvendo autoridade com foro por prerrogativa de função, não exige autorização judicial prévia, bastando a supervisão judicial posterior para conferir validade aos atos praticados no curso do inquérito.” (AgRg no HC 966.772/DF, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJEN de 20/3/2025).

     Por fim, “a parte não suportou prejuízo concreto em decorrência da ausência de autorização e supervisão do Tribunal de Justiça. Não há razão lógica para refazer todas os elementos informativos que podiam ser produzidas independentemente de autorização judicial e, portanto, que dispensavam a intervenção do Tribunal de Justiça, em virtude tão somente do foro por prerrogativa” (HC 407.047/PB, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 22/3/2023).

***

STJ – Info 859Baixar

O post Informativo STJ 859 Comentado apareceu primeiro em Estratégia Concursos.

Créditos:

Estratégia Concursos

Acesse também o material de estudo!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *