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1. Lapso prescricional da demanda indenizatória ajuizada pelo ente estatal
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
Em respeito ao princípio da isonomia, o lapso prescricional da demanda indenizatória ajuizada pelo ente estatal deverá obedecer ao mesmo prazo quinquenal do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, previsto para as ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública.
AgInt no REsp 2.100.988-PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2024, DJe 11/4/2024(Info 814 STJ)
1.1. Situação FÁTICA.
Creiton recebia auxílio-doença do INSS decorrente de acidente de trabalho. O INSS ajuizou ação de ressarcimento em face da empregadora com o fim de obter o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefício previdenciário.
Em sua defesa, a empregadora Pagonada defende que é trienal o prazo prescricional aplicável à espécie e que o recolhimento da contribuição ao SAT impede a pretensão ressarcitória do INSS pois “a empresa já custeava o sistema previdenciário”. Ressalta que o ressarcimento pretendido pela autarquia agravada consubstancia inadequado bis in idem.
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Questão JURÍDICA.
Decreto n. 20.910/1932:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
1.2.2. Quinquenal ou trienal?
R: Quinquenal!!!!
Cuida-se, na origem, de ação de procedimento ordinário proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com o fim de obter o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefício previdenciário, modalidade auxílio-doença, pago ao funcionário da empresa demandada.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.256.993/RS, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicado no DJe de 12/12/2012, sob o rito dos recursos repetitivos, firmou posicionamento no sentido de que se aplica o prazo prescricional quinquenal, previsto do Decreto n. 20.910/1932, nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.
Dessa forma, em respeito ao princípio da isonomia, o lapso prescricional da demanda indenizatória ajuizada pelo ente estatal deverá obedecer ao mesmo prazo estipulado pelo art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
1.2.3. Resultado final.
Em respeito ao princípio da isonomia, o lapso prescricional da demanda indenizatória ajuizada pelo ente estatal deverá obedecer o mesmo prazo quinquenal do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, previsto para as ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública.
RECURSO ESPECIAL
O Município, no âmbito das atividades que envolvem serviços de metrologia desempenhadas em postos de saúde, por não exercer atividade comercial, não se submete à fiscalização do INMETRO.
REsp 2.012.248-RN, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 27/5/2024. (Info 814 STJ)
2.1. Situação FÁTICA.
Num belo dia, os fiscais do INMETRO resolveram fazer vistoria em um posto de saúde do município Quebradeira. E lá encontraram uma balança que estava pesando a mais do que o devido (“erro quantitativo superior ao máximo admissível em serviço”). Os fiscais não tiveram dúvida e lavraram auto de infração.
Quando a multa foi executada, o município opôs embargos à execução fiscal, ao argumento de que o INMETRO não tem nada que ficar fazendo fiscalização de balanças nas unidades básicas de saúde dos municípios.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Pode o INMETRO multar o Município nesse caso?
R: Nooopsss!!!!
De acordo com a jurisprudência do STJ, a Taxa de Serviços Metrológicos, decorrente do poder de polícia do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO em fiscalizar a regularidade das balanças, visa preservar as relações de consumo, sendo imprescindível verificar se o equipamento objeto de aferição é essencial à atividade desempenhada pela empresa.
Nesse contexto, o STJ, em casos análogos, entende que o Município, no âmbito das atividades desempenhadas em postos de saúde, por não exercer atividade comercial, não se submete à fiscalização do INMETRO.
A propósito, conforme afirmado no AgInt no REsp n. 1.653.347/RS de relatoria do Ministro Og Fernandes, o “mesmo entendimento pelo descabimento do procedimento fiscalizatório tem sido aplicado pelas Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte Superior, nas hipóteses em que a autarquia pretendia ver declarada a legalidade da cobrança da taxa de serviços metrológicos decorrentes da fiscalização de balanças e esfigomomanômetros utilizados nos postos de saúde da municipalidade”.
2.2.2. Resultado final.
O Município, no âmbito das atividades que envolvem serviços de metrologia desempenhadas em postos de saúde, por não exercer atividade comercial, não se submete à fiscalização do INMETRO.
3. Cabimento do pensionamento na hipótese de falecimento de recém-nascido, cujo termo inicial será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos.
RECURSO ESPECIAL
É cabível pensionamento na hipótese de falecimento de recém-nascido, cujo termo inicial será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos, e o termo final será a data em que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro.
REsp 2.121.056-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024. (Info 814 STJ)
3.1. Situação FÁTICA.
Creide, a mãe da vítima, que estava grávida na ocasião, procurou atendimento médico devido a dores nas costas e foi encaminhada ao hospital. No local, foi submetida à cesariana e deu à luz uma menina, a qual, todavia, veio a falecer dias depois. O falecimento foi decorrente de erro do Dr. Creisson, médico responsável na ocasião, o qual não realizou os exames necessários previamente ao parto.
Inconformada, Creide ajuizou ação na qual requer o pensionamento pelo falecimento de recém-nascido, pedido contra o qual se opõe o hospital sob a alegação de que não é devido tal espécie de indenização, mesmo sendo a família de baixa renda, uma vez que os rendimentos do recém-nascido são futuros, potenciais, e incertos para os pais. Além disso, alega a necessidade de que a perícia fosse realizada por médico especialista.
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Devida a pensão?
R: Yeap!!!!
No caso, a mãe da vítima, que estava grávida na ocasião, procurou atendimento médico devido a dores nas costas e foi encaminhada ao hospital. No local, foi submetida à cesariana e deu à luz uma menina, a qual, todavia, veio a falecer dias depois, tendo sido constatado que o falecimento foi decorrente de erro médico, porque não foram realizados os exames necessários previamente ao parto. Nesse contexto, a controvérsia consiste em definir se é cabível pensionamento pelo falecimento de recém-nascido.
O pensionamento tem por finalidade suprir o amparo financeiro que era prestado pelo falecido. Ainda que a morte seja de filho menor, a pensão será devida, tendo em vista que há uma presunção de auxílio econômico futuro.
Se a família for de baixa renda, há presunção relativa da dependência econômica entre os seus membros e, nas demais situações, é necessária a comprovação da dependência.
Nessa situação, todavia, o termo inicial da pensão será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos, idade a partir da qual é admitida a celebração de contrato de trabalho, e o termo final será a data em que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro, segundo a Tabela do IBGE, ou o momento do falecimento do beneficiário, o que ocorrer primeiro. Ademais, a pensão corresponderá à 2/3 do salário mínimo vigente à data do óbito e será reduzida para 1/3 após a data em que ele completaria 25 anos.
Essa é a orientação consolidada na Súmula 491 do STF, segundo a qual “é indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”.
É possível presumir que se o recém-nascido não tivesse vindo a óbito em decorrência de ato ilícito praticado por terceiro, ele passaria a contribuir para as despesas familiares quando atingisse 14 (quatorze) anos de idade.
E em relação à perícia?
Não necessita especialista!!!!
Na hipótese, o hospital sustentou a nulidade do laudo pericial porque o perito não é especialista em ginecologia e obstetrícia, mas sim clínico geral.
Com efeito, a função do perito, enquanto auxiliar da Justiça, é analisar e emitir opinião técnica ou científica sobre dados objetivos, quando o julgador não possuir o conhecimento necessário para fazê-lo por si mesmo ou a partir de outras provas. Em razão disso, o art. 465, caput, do CPC prevê que “o juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo”.
Exige-se que o perito seja um profissional com conhecimento especializado exigido para a realização da perícia. Segundo a doutrina, esse profissional pode ser um autônomo legalmente habilitado (pessoa natural) ou pode ser integrante do quadro de profissionais de uma pessoa jurídica ou de um órgão técnico ou científico especializado.
Sucede que nem sempre o objeto da perícia reclamará o exame por profissional com especialidade em determinada área do conhecimento.
Atento a isso, o STJ já flexibilizou essa exigência para decidir que a formação do perito – seu grau de instrução e/ou sua especialidade – deve ser compatível com a natureza e a complexidade da perícia.
Há precedentes do STJ no sentido de que a pertinência da especialidade médica, em regra, não consubstancia pressuposto de validade da prova pericial, de modo que que incumbe ao perito médico nomeado se escusar do encargo se não se considerar apto à realização da perícia (REsp n. 1.514.268/SP, Segunda Turma, DJe 27/11/2015; REsp n. 1.758.180/RJ, Segunda Turma, DJe 21/11/2018). Também há julgado dispensando a comprovação da especialização do perito em hipótese na qual a prova pericial realizada atingiu a sua finalidade (AgRg no REsp n. 1.230.624/PR, Quarta Turma, DJe de 21/10/2015).
Se o propósito do legislador é garantir credibilidade e segurança na produção da prova pericial, basta que o perito nomeado tenha conhecimento técnico ou científico bastante para contribuir com a elucidação dos fatos controvertidos no processo, e que se manifeste de forma suficientemente clara, objetiva e confiável, de tal modo que permita às partes compreender e eventualmente contraditar o seu laudo e ao julgador interpretá-lo e valorá-lo juridicamente, formando o seu convencimento.
Sendo assim, nos processos em que é necessária a realização de prova pericial para fins de apurar a ocorrência ou não de erro médico, é possível que a perícia seja realizada por um médico não especialista na área de conhecimento do profissional cuja atuação se busca apurar, desde que os elementos concretos revelem que essa circunstância não comprometerá a idoneidade da prova.
3.2.2. Resultado final.
É cabível pensionamento na hipótese de falecimento de recém-nascido, cujo termo inicial será a data em que a vítima completaria 14 (quatorze) anos, e o termo final será a data em que a vítima completaria a idade correspondente à expectativa média de vida do brasileiro. A perícia elaborada por perito médico não especialista na área de conhecimento da perícia não acarreta a nulidade do laudo pericial, desde que os elementos concretos revelem que essa circunstância não comprometerá a idoneidade da prova.
4. Responsabilização da instituição financeira não pode ser responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
A instituição financeira não pode ser responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo.
AgInt no AREsp 1.379.845-BA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024. (Info 814 STJ)
4.1. Situação FÁTICA.
Crementino foi vítima do crime de roubo após transitar por via pública e chegar ao seu destino, no caso estacionamento do prédio onde se situa o escritório da empresa da vítima, pelo fato de estar de posse de valores, em espécie, recentemente sacados diretamente no caixa bancário.
No prejuízo, Crementino então ajuizou ação em face da instituição financeira e alega a responsabilidade dessa, uma vez que teria sido seguido por todo o percurso pelos criminosos até o estacionamento do prédio onde se situa o escritório de sua empresa e, só após chegar a este local, fora anunciado o assalto.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Responsabilidade da IF?
R: Nooopsss!!!!
A controvérsia consiste em definir se a instituição financeira deve ou não ser responsabilizada por roubo contra cliente, após este transitar por via pública e chegar ao seu destino, no caso estacionamento do prédio onde se situa o escritório da empresa do correntista, pelo fato de estar de posse de valores, em espécie, recentemente sacados diretamente no caixa bancário.
No julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.197.929/PR, a Segunda Seção do STJ assentou a tese de que as instituições bancárias respondem de forma objetiva pelos danos causados aos correntistas, decorrentes de fraudes praticadas por terceiros, caracterizando-se como fortuito interno.
Ademais, a matéria se encontra sumulada neste Tribunal Superior, no Verbete n. 479, in verbis: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Nessa senda, constata-se que o referido entendimento se aplica tão somente nos casos de fortuito interno, razão pela qual a jurisprudência do STJ admite a responsabilidade objetiva dos bancos por crimes ocorridos no interior de suas agências, em razão do risco inerente à atividade, que abrange guarda e movimentação de altos valores em espécie.
Todavia, esse entendimento jurisprudencial não se aplica à hipótese presente, em que, a vítima, após sacar uma quantia na agência bancária, supostamente teria sido seguida por todo o percurso pelos criminosos até o estacionamento do prédio onde se situa o escritório de sua empresa e, só após chegar a este local, fora anunciado o assalto. Dessa forma, tendo em conta os contornos fáticos delineados pela instância de origem, em um cenário em que o correntista é vítima de crime de roubo em local distante das dependências do banco onde, anteriormente, efetivara saque de dinheiro em espécie, não se revela a responsabilidade da instituição financeira pela ocorrência do crime contra o correntista tempos depois e quilômetros de distância.
Com efeito, cuida-se de evidente fortuito externo, o qual afasta o nexo de causalidade e, portanto, afasta a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, especialmente pela razão de que o crime não foi praticado no interior do estabelecimento bancário.
Em casos semelhantes à hipótese, o Superior Tribunal de Justiça já firmou jurisprudência no sentido de que o banco não pode ser responsabilizado por crime ocorrido em via pública, tendo em vista que o risco inerente à atividade exercida pela instituição financeira não a torna responsável pelo crime sofrido pelo correntista fora das suas dependências.
4.2.2. Resultado final.
A instituição financeira não pode ser responsabilizada pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo.
5. Comunicação dirigida às partes para informar que o processo foi digitalizado, transferindo-se do meio físico para o digital, como a “primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”.
RECURSO ESPECIAL
A comunicação dirigida às partes para informar que o processo foi digitalizado, transferindo-se do meio físico para o digital, não pode ser considerada, para fins do disposto no art. 278, do CPC, como a “primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”.
REsp 2.001.562-SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024. (Info 814 STJ)
5.1. Situação FÁTICA.
Um determinado processo muito antigo foi transferindo-se do meio físico para o digital, ocasião em que as partes foram intimadas da modificação. Ocorre que, simultaneamente, uma das partes deveria se manifestar sobre determinada nulidade na primeira oportunidade em que couber falar nos autos.
Após o prazo sem manifestação, a parte contrária alegou então a preclusão.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. Questão JURÍDICA.
CPC:
Art. 245. Não se fará citação quando se verificar que o citando é mentalmente incapaz ou está impossibilitado de recebê-la.
Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.
5.2.2. Primeira oportunidade?
R: Não é bem assim!!!!
O Superior Tribunal de Justiça possui orientação no sentido de que, em regra, “o vício relativo à ausência de intimação constitui nulidade relativa, uma vez que, nos termos do art. 245 do CPC/1973, a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão (AgInt no REsp n. 1.690.956/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 12/12/2023, DJe 23/1/2024).
O referido entendimento, contudo, somente pode ser aplicado se a parte efetivamente tiver sido provocada para falar nos autos, isto é, tenha sido intimada para a prática de um ato processual típico e de impulso processual.
Nesse sentido, a comunicação dirigida às partes para informar que o processo foi digitalizado, transferindo-se do meio físico para o digital, não pode ser considerada, ao contrário do que concluiu o acórdão recorrido, como a “primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”.
Dessa forma, sendo fato incontroverso que não houve intimação a respeito da sentença, viola a norma do art. 278, caput, do CPC, e a boa-fé processual, concluir que, comunicada apenas sobre a digitalização do processo, caberia à parte revisitar integralmente os autos e alegar nulidade, sob pena de preclusão, notadamente quando o que ficou precluso foi o direito de apelar da sentença.
5.2.3. Resultado final.
A comunicação dirigida às partes para informar que o processo foi digitalizado, transferindo-se do meio físico para o digital, não pode ser considerada, para fins do disposto no art. 278, do CPC, como a “primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”.
6. Abusividade da negativa de tratamento essencial ao controle de doença degenerativa do sistema nervoso, apenas por ser o medicamento administrável na forma oral em ambiente domiciliar
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
É abusiva a negativa de tratamento essencial ao controle de doença degenerativa do sistema nervoso, apenas por ser o medicamento administrável na forma oral em ambiente domiciliar, quando, entre outras circunstâncias, esteja incluído no rol da ANS e faça parte de específico tratamento escalonado pelo qual o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória.
AgInt no AREsp 2.251.773-DF, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para o acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024. (Info 814 STJ)
6.1. Situação FÁTICA.
Crementina, diagnosticada com doença degenerativa do sistema nervoso, ajuizou ação em face da operadora do plano de saúde na qual sustenta que não faz uso de medicamento antineoplásico, tampouco conta com assistência por meio de “home care”, pretendendo apenas ter custeado o medicamento fingolimode para uso oral.
Ainda assim, a operadora do plano de saúde negou o custeio do medicamento por entender que a cobertura não seria obrigatória.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 9.656/1998:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
VI – fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II – de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;
III – de planejamento familiar.
Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35
6.2.2. Conduta abusiva?
R: Com certeza!!!!
A controvérsia cinge-se sobre a possibilidade de recusa da operadora de plano de saúde em fornecer o medicamento “fingolimode” para tratamento de esclerose múltipla, por se tratar de fármaco de uso domiciliar administrado na via oral, para o qual não haveria previsão legal ou contratual de cobertura obrigatória.
Consoante previsão contida no artigo 10, VI, da Lei n. 9.656/1998, o plano-referência de assistência à saúde não é obrigado a custear o “fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas c do inciso I e g do inciso II do art. 12″, que versam sobre medicamentos antineoplásicos, ou tratamento em “home care”. O artigo 17, parágrafo único, VI, da Resolução Normativa n. 465/2021 da ANS traz previsão no mesmo sentido.
Na hipótese, a autora não faz uso de medicamento antineoplásico, tampouco conta com assistência por meio de “home care”, pretendendo apenas ter custeado o medicamento fingolimode para uso oral.
Com efeito, a jurisprudência do STJ é iterativa no sentido de que é lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, isto é, aqueles prescritos pelo médico assistente para administração em ambiente externo ao de unidade de saúde, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (“home care”) e os incluídos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para esse fim. Nesse sentido: AgInt no AgInt no REsp n. 2.071.979/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 2/5/2024 e AgInt no AREsp n. 1.771.350/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023.
O caso em exame, todavia, apresenta peculiaridades que justificam a aplicação de entendimento diverso. A indicação feita pelo médico assistente da recorrente estabelece a imprescindibilidade da terapia com o específico medicamento fingolimode em dose diária. Ademais, em consulta ao bulário eletrônico da Anvisa, constata-se que o medicamento fingolimode conta com o devido registro tanto para a versão original como para as versões genéricas e é expressamente indicado para o tratamento de esclerose múltipla, estando disponível apenas sob a forma de cápsula, administrável via oral, não havendo alternativa na modalidade injetável.
Em que pese o referido fármaco não esteja previsto como de cobertura obrigatória para o tratamento de esclerose múltipla no Rol de Procedimentos de Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (Anexo II da RN n. 465/2021), a aludida normativa contempla o uso do fingolimode como segunda ou terceira linha de tratamento, pelas quais o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória (Natalizumabe) em terceira ou quarta linha de tratamento, quando houver falha terapêutica, eventos adversos ou falta de adesão nas linhas anteriores.
Na espécie, há relatório médico esclarecendo que o paciente já fez uso prévio de terapia injetável, com utilização de outros fármacos, sem sucesso; atesta, ainda, que o caso não se enquadra nas diretrizes clínicas para indicação da terapia endovenosa e conclui reiterando a imprescindível necessidade da medicação oral prescrita.
Efetivamente, a orientação da médica assistente, ao prescrever o tratamento com fingolimode em segunda linha, está em consonância tanto com o disposto no Anexo II da RN n. 465/2021, transcrito em linhas anteriores, como com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o tratamento de esclerose múltipla, elaborado pelo Ministério da Saúde, que considera critérios de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias recomendadas.
Ressalta-se que o fingolimode é fornecido pelo SUS, sendo possível extrair do Relatório de Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC, acostado aos autos, informações relevantes acerca das diferenças entre as formas de administração das terapias disponíveis (oral ou injetável), inclusive que a administração do medicamento por via oral é mais eficaz, sobretudo porque propicia maior adesão ao tratamento.
A corroborar todas as circunstâncias acima referidas, as quais indicam a necessidade de cobertura do fármaco fingolimode, não é adequado exigir que a recorrente passe, de plano, para a etapa subsequente de tratamento, na contramão das recomendações dos órgãos técnicos e da médica assistente.
É absolutamente desarrazoado submetê-la a sofrível tratamento injetável, realizado em ambiente hospitalar, quando pode fazer uso de tratamento via oral, mais prático, indolor e sem gastos com deslocamento e dispêndio de tempo, além de representar custo inferior para a operadora do plano de saúde, não afetando o equilíbrio contratual.
Desse modo, embora a situação clínica da recorrente não se amolde ao conceito legal de emergência médica – relativo a casos que indiquem risco imediato de vida ou dano irreparável à saúde do paciente, declarado por médico – não havendo se falar, portanto, em violação ao art. 35-C da Lei n. 9.656/1998, de rigor, todavia, concluir que a negativa de cobertura, na hipótese, revela-se abusiva.
6.2.3. Resultado final.
É abusiva a negativa de tratamento essencial ao controle de doença degenerativa do sistema nervoso, apenas por ser o medicamento administrável na forma oral em ambiente domiciliar, quando, entre outras circunstâncias, esteja incluído no rol da ANS e faça parte de específico tratamento escalonado pelo qual o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória.
RECURSO ESPECIAL
A instalação de lojas do mesmo ramo em shopping center não configura, por si só, atividade predatória nem ofensa ao tenant mix, desde que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas.
REsp 2.101.659-RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024. (Info 814 STJ)
7.1. Situação FÁTICA.
Seiki Restaurante firmou contrato de locação comercial com o Shopping Barra. Com o decorrer do tempo e algumas renovações, começaram as desavenças entre as partes, que culminaram no ajuizamento de ação de obrigação de não fazer em razão da autorização para instalação de outro restaurante japonês em frente ao seu. A autora ressalta que no início da locação foi atraída pela concessão de exclusividade na exploração da culinária japonesa, de modo que não poderia o Shopping romper esse ajuste de modo unilateral.
Defende que a exclusividade garantida no início teve seus efeitos prorrogados no tempo, mantendo-se durante toda a relação contratual, criando-se uma expectativa de manutenção de tal circunstância e de preservação da clientela. Por fim, alega que a conduta do Shopping configuraria atividade predatória e violação do tenant mix.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Atividade predatória?
R: Nah!!!
O contrato de locação em shopping center tem índole marcadamente empresarial. Os sujeitos da relação obrigacional são empresários (pressuposto subjetivo) e seu objeto decorre da atividade empresarial por eles exercida (pressuposto objetivo).
Essa constatação atinge diretamente a forma como o contrato deve ser interpretado, pois a atividade empresarial é caracterizada pelo risco e regulada pela lógica da livre concorrência, devendo prevalecer nesses ajustes, salvo situação excepcional, a autonomia da vontade e o princípio do pacta sunt servanda.
O tenant mix, por sua vez, refere-se à organização do espaço e é uma das principais características de um shopping center. Nesse contexto, cabe ao empreendedor a escolha das lojas que comporão o empreendimento, a instalação de áreas de lazer e a realização de propaganda e promoções. Essas estratégias servem para atrair o maior número de consumidores ao empreendimento e alcançar a melhor lucratividade, finalidade que atende aos interesses dos lojistas e do próprio shopping, que faz jus ao recebimento de aluguel calculado sobre o faturamento.
Apesar de, em um primeiro momento, parecer que a concorrência entre lojas no mesmo shopping center não é a melhor estratégia, o fato é que em empreendimentos maiores é comum a presença de lojas do mesmo segmento concorrendo entre si, instaladas lado a lado, ou frente a frente, como no caso das lanchonetes de fast food, lojas de sapato e roupas, trazendo atratividade para o shopping, beneficiando os consumidores e, portanto, os demais lojistas.
Sob essa perspectiva, não está vedado ao empreendedor do shopping, caso entenda que a concorrência trará benefícios para a organização das lojas (tenant mix), optar pela instalação de lojas concorrentes, desde que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas. De fato, cabe ao lojista avaliar se os custos para participar daquele empreendimento, no qual pode enfrentar alguma concorrência, compensam.
Não é possível, porém, garantir que o aumento do número de clientes e das vendas resultará no incremento dos lucros dos lojistas, pois várias causas concorrem para esse fim, a exemplo do presente caso em que o faturamento do estabelecimento já estava em declínio antes mesmo da instalação do segundo lojista de mesmo ramo de atividade.
No caso, o contrato previa expressamente a possibilidade de ampliação e revisão do tenant mix e haviam sido inaugurados diversos centros de compras na região ao redor do shopping ora recorrente, de modo que a alteração e ampliação do tenant mix não pode ser considerada uma conduta desarrazoada, violadora da boa-fé objetiva. Ainda, foi constatado que o faturamento do estabelecimento já vinha em declínio antes mesmo da instalação do segundo lojista de mesmo ramo de atividade, não tendo sido efetivamente constatada a violação do contrato firmado entre as partes ou do tenant mix, diante da necessidade de enfrentamento das novas situações de mercado.
7.2.2. Resultado final.
A instalação de lojas do mesmo ramo em shopping center não configura, por si só, atividade predatória nem ofensa ao tenant mix, desde que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas.
8. Enquadramento das decisões proferidas pelo CARF como práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
As decisões proferidas pelo CARF não podem ser enquadradas como práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas, previstas no art. 100, III, do CTN.
AREsp 2.554.882-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 23/5/2024. (Info 814 STJ)
8.1. Situação FÁTICA.
Sumatra Ltda impetrou mandado de segurança pretendendo e afastar a exigência de juros e multa decorrentes de auto de infração e relacionados à compensação indevida de prejuízos fiscais acima do limite de 30%.
A empresa alega que a época de apuração dos seus lucros tributáveis em 2004, o CARF tinha posicionamento consolidado autorizando a compensação de prejuízos fiscais em valor superior a 30% na hipótese específica de extinção da pessoa jurídica, sendo o entendimento em questão modificado apenas em 2009. Alega que seria o caso de enquadramento nas práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas previstas no CTN.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. Questão JURÍDICA.
CTN:
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
8.2.2. Possível o enquadramento?
R: Nooopss!!!
As normas complementares em matéria tributária, de acordo com a doutrina, “são preceitos de menor hierarquia que versam, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes, tais como atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas e outros elencados no art. 100 do CTN”. O art. 100, III, do CTN, especificamente, trata de “práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas, significando, de um lado, práticas dos contribuintes aceitas – comprovada e estavelmente – pela Administração Tributária e, de outro lado, práticas da própria Administração, em geral, contra legem“.
Nesse sentido, as decisões proferidas pelo CARF não podem ser enquadradas como práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas, previstas no art. 100, III, do CTN. Isso porque a existência de inúmeras decisões administrativas sobre um determinado tema evidencia, na verdade, instabilidade do entendimento da Administração Tributária, visto que a Fiscalização adota posicionamento contrário ao contribuinte e divergente daquele observado pelo CARF.
Destarte, não por outro motivo que o art. 100, II, do CTN possui previsão específica para enquadrar as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa como normas complementares, exigindo, para tanto, que a lei lhes atribua eficácia normativa, atingindo tanto os agentes da Fiscalização quanto os contribuintes.
8.2.3. Resultado final.
As decisões proferidas pelo CARF não podem ser enquadradas como práticas reiteradamente observadas e aceitas pelas autoridades administrativas, previstas no art. 100, III, do CTN.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Independentemente da orientação sexual da vítima, o delito de injúria se caracteriza pela utilização de insultos preconceituosos e homofóbicos que ofendem a honra subjetiva do ofendido
AgRg no HC 844.274-DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2024, DJe 15/5/2024. (Info 814 STJ)
9.1. Situação FÁTICA.
Gabriel estava em sua casa quando seu vizinho passou a proferir xingamentos contra ele e a companheira de Gabriel. O vizinho utilizou-se de insultos homofóbicos na ocasião, mesmo Gabriel não tendo tal orientação sexual.
Após a queixa, o vizinho sustenta a atipicidade da conduta já que o ofendido não pertence a nenhum grupo minoritário que possa ter sido ofendido com os xingamentos proferidos.
9.2. Análise ESTRATÉGICA.
9.2.1. Conduta atípica?
R: Negativo!!!!
No caso, a vítima gravou as ofensas no interior da sua casa no momento em que seu vizinho de casa contígua proferia diversos xingamentos contra ele e a companheira.
A gravação realizada pela vítima sem o conhecimento do autor do delito não se equipara à interceptação telefônica, sendo prova válida. Caso em que a vítima, dentro de sua própria residência, gravou as ofensas homofóbicas proferidas pelo vizinho a ela direcionadas.
Independentemente da real orientação sexual da vítima, o delito de injúria restou caracterizado quando o acusado, valendo-se de insultos indiscutivelmente preconceituosos e homofóbicos, ofendeu a honra subjetiva do ofendido, seu vizinho.
Isto é, não é porque a vítima é heterossexual que não pode sofrer homofobia (injúria racial equiparada) quando seu agressor, acreditando que a vítima seja homossexual, profere ofensas valendo-se de termos pejorativos atrelados de forma criminosa a esse grupo minoritário e estigmatizado.
9.2.2. Resultado final.
Independentemente da orientação sexual da vítima, o delito de injúria se caracteriza pela utilização de insultos preconceituosos e homofóbicos que ofendem a honra subjetiva do ofendido
RECURSO ESPECIAL
O terceiro delatado tem o direito de impugnar a validade do acordo de colaboração premiada, o que pressupõe o direito de acessar as gravações das tratativas e da audiência de homologação do acordo pelo juiz, a fim de verificar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade do colaborador ao assinar o instrumento de colaboração.
REsp 1.954.842-RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024. (Info 814 STJ)
10.1. Situação FÁTICA.
Dr. Creisson, juiz federal, negou o acesso ao investigado Tibúrcio, terceiro delatado, às tratativas prévias ao acordo de colaboração premiada firmado por Geremias e à gravação da audiência de homologação desses acordos.
O Tribunal local concedeu ordem para autorizar o acesso dos documentos à defesa de Tibúrcio. Inconformado, o MP sustenta que Tibúrcio não pode impugnar o acordo do qual não faz parte (terceiro não apita).
10.2. Análise ESTRATÉGICA.
10.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 12.850/2013:
Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos.
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:
10.2.2. Terceiro apita?
R: Piiiiii!!!!
De acordo com o art. 3º-A da Lei n. 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada tem natureza jurídica híbrida e consubstancia, a um só tempo, negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova.
Uma vez que o acordo de colaboração premiada também é meio de obtenção de prova e, por isso, serve de instrumento para a coleta de elementos incriminatórios contra terceiros e atinge a esfera jurídica deles, é natural que esses terceiros tenham interesse e legitimidade para impugnar não apenas o conteúdo de tais provas, mas também a legalidade da medida que fez com que elas aportassem aos autos.
Não é apenas o conteúdo das provas fornecidas pelo delator que interfere na esfera jurídica do acusado, porquanto é só por meio do acordo de colaboração que as provas são obtidas. Assim, essas provas só podem ser valoradas se o acordo que levou até elas também for válido. Comparativamente, por exemplo, em uma busca e apreensão (outro meio de obtenção de prova), é indiscutível que os indivíduos prejudicados pela medida podem questionar tanto a sua validade – mesmo quando amparada em autorização judicial – quanto o conteúdo das provas colhidas por meio dela.
Obstar essa possibilidade de questionamento pelo terceiro delatado com base no postulado civilista da relatividade dos negócios jurídicos implicaria inadmissível cerceamento de defesa e, por consequência, abriria margem para a ocorrência de abusos, porque conferiria a legitimidade para impugnação dos acordos tão somente àqueles que mais têm interesse na sua preservação: Ministério Público e colaborador. Aliás, mesmo no direito privado, o princípio da relatividade dos negócios jurídicos vem sendo constantemente mitigado à luz da função social do contrato – em sua eficácia externa -, especialmente quando atinge direitos de terceiros, justamente para evitar que aquele que não participou voluntariamente do negócio alheio seja indevidamente prejudicado.
Isso significaria, hipoteticamente, que, se fossem oferecidos benefícios indevidos ao delator a fim de obter a incriminação de terceiro e a medida fosse chancelada pelo magistrado, nada poderia ser feito para questionar o acordo. Da mesma forma, se o colaborador fosse coagido a delatar alguém e, para não perder os benefícios, deixasse de impugnar a avença, ninguém mais poderia fazê-lo caso o Juiz não identificasse a coação ao homologar o acordo.
Ao determinar que deverá “o juiz ouvir sigilosamente o colaborador”, o art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/2013 não estabelece uma regra perpétua quanto à restrição da publicidade do ato. Trata-se, apenas, de preservar aquele momento incipiente da investigação, em que o sigilo se faz necessário para assegurar a eficácia de diligências em andamento, as quais podem ser frustradas se o indivíduo delatado tiver acesso a elas.
Todavia, oferecida e recebida a denúncia, a regra volta a ser a que deve imperar em todo Estado Democrático de Direito, isto é, publicidade dos atos estatais e respeito à ampla defesa e ao contraditório, nos termos do art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013: “O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese”.
Esse dispositivo, embora se refira expressamente apenas ao acordo e aos depoimentos do colaborador, também deve ser aplicado às tratativas – obrigatoriamente gravadas por imposição do § 13 do art. 4º – e à audiência de homologação do acordo, em virtude da mesma lógica: recebida a denúncia, o sigilo excepcional perde a razão de existir e cede espaço à regra da necessária publicidade dos atos estatais, assim como do respeito ao contraditório e à ampla defesa, exceto quanto às diligências em andamento que possam ter sua execução prejudicada pela revelação das informações.
No caso, o Tribunal de origem determinou que o Juízo singular fornecesse à defesa do réu – indivíduo delatado – o acesso aos vídeos e às atas das audiências realizadas com os colaboradores, a fim de que ela pudesse analisar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade das colaborações.
Não há ilegalidade a ser reconhecida no acórdão, uma vez que o réu delatado tem legitimidade para questionar a validade do acordo de colaboração do delator – o que pressupõe o acesso às tratativas e à audiência de homologação – e o sigilo não mais se justifica, porque a denúncia já foi recebida e nenhum risco concreto a diligências em andamento foi apontado.
De todo modo, nada impede que, constatando a pendência de alguma diligência sigilosa, o Juízo singular preserve, pontualmente, com fundamentação concreta, o sigilo dela, mas sem vedar indefinidamente, em abstrato e de antemão, o acesso da defesa à totalidade das tratativas do acordo e à audiência de homologação.
10.2.3. Resultado final.
O terceiro delatado tem o direito de impugnar a validade do acordo de colaboração premiada, o que pressupõe o direito de acessar as gravações das tratativas e da audiência de homologação do acordo pelo juiz, a fim de verificar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade do colaborador ao assinar o instrumento de colaboração.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Não há como reconhecer a nulidade por cerceamento de defesa no caso em que comprovado que, a despeito de o paciente encontrar-se foragido desde a data dos fatos e de serem infrutíferas as diversas tentativas de intimação pessoal do acusado, durante toda a instrução processual ele foi devidamente assistido, tendo respondido a todos os atos processuais por meio de advogado constituído, de modo que a finalidade da citação foi integralmente alcançada.
AgRg no HC 823.208-RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 29/4/2024, DJe 3/5/2024. (Info 814 STJ)
11.1. Situação FÁTICA.
Creitinho foi condenado pelo crime de roubo. Em HC, sua defesa objetiva a declaração de nulidade de todo o processo, por ausência de citação. Aduz que não houve regular constituição da relação processual, uma vez que após o recebimento da denúncia, o rapaz não foi citado pessoalmente ou sequer por edital.
O MP observa que durante toda a instrução processual, Creitinho esteve foragido, e ainda foi devidamente assistido, tendo respondido a todos os atos processuais por meio de advogado constituído.
11.2. Análise ESTRATÉGICA.
11.2.1. Nulo?
R: Negativo!!!
A citação do acusado é o ato processual por meio do qual se perfectibiliza a relação jurídico-processual penal deflagradora do devido processo legal substancial.
O colegiado de origem afastou a nulidade por cerceamento de defesa por estar comprovado nos autos que o acusado tinha total conhecimento da ação penal, porquanto constituiu defensor logo após a decisão de primeiro grau que recebeu a denúncia, determinou a citação dos acusados e decretou a prisão preventiva, concluindo que, “embora não tenha sido encontrado para ser citado por estar foragido, teve o seu direito de defesa amplamente exercido”.
Na hipótese, a despeito de o paciente encontrar-se foragido desde a data dos fatos e de serem infrutíferas as diversas tentativas de intimação pessoal do acusado, durante toda a instrução processual ele foi devidamente assistido, tendo respondido a todos os atos processuais por meio de advogado constituído, de modo que a finalidade da citação foi integralmente alcançada.
Desse modo, não há como reconhecer a nulidade por cerceamento de defesa, mormente porque não comprovado prejuízo decorrente da citação por edital, sendo certo que o paciente não pode beneficiar-se de sua própria torpeza a fim de nulificar os atos processuais a que deu causa.
11.2.2. Resultado final.
Não há como reconhecer a nulidade por cerceamento de defesa no caso em que comprovado que, a despeito de o paciente encontrar-se foragido desde a data dos fatos e de serem infrutíferas as diversas tentativas de intimação pessoal do acusado, durante toda a instrução processual ele foi devidamente assistido, tendo respondido a todos os atos processuais por meio de advogado constituído, de modo que a finalidade da citação foi integralmente alcançada.
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Estratégia Concursos