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RECURSO ESPECIAL
1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
REsp 1.937.887-RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 25/6/2024. (Tema 414). (Info 818 STJ)
1.1. Situação FÁTICA.
Sabe aquelas casas compostas por várias economias e hidrômetro único, após a aferição do consumo? Pois bem, questiona-se a forma de cálculo da tarifa progressiva dos serviços de fornecimento de água e de esgoto sanitário nessas unidades (Tema 414/STJ).
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 11.445/2007:
Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio de remuneração pela cobrança dos serviços, e, quando necessário, por outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções, vedada a cobrança em duplicidade de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário, nos seguintes serviços:
I – de abastecimento de água e esgotamento sanitário, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços ou para ambos, conjuntamente;
II – de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, conforme o regime de prestação do serviço ou das suas atividades; e
III – de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, na forma de tributos, inclusive taxas, ou tarifas e outros preços públicos, em conformidade com o regime de prestação do serviço ou das suas atividades.
§ 1o Observado o disposto nos incisos I a III do caput deste artigo, a instituição das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico observará as seguintes diretrizes:
I – prioridade para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública;
II – ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de baixa renda aos serviços;
III – geração dos recursos necessários para realização dos investimentos, objetivando o cumprimento das metas e objetivos do serviço;
IV – inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos;
V – recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência;
VI – remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços;
VII – estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes, compatíveis com os níveis exigidos de qualidade, continuidade e segurança na prestação dos serviços;
VIII – incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços.
§ 2º Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários que não tenham capacidade de pagamento suficiente para cobrir o custo integral dos serviços.
§ 3º As novas edificações condominiais adotarão padrões de sustentabilidade ambiental que incluam, entre outros procedimentos, a medição individualizada do consumo hídrico por unidade imobiliária.
§ 4º Na hipótese de prestação dos serviços sob regime de concessão, as tarifas e preços públicos serão arrecadados pelo prestador diretamente do usuário, e essa arrecadação será facultativa em caso de taxas.
§ 5º Os prédios, edifícios e condomínios que foram construídos sem a individualização da medição até a entrada em vigor da Lei nº 13.312, de 12 de julho de 2016, ou em que a individualização for inviável, pela onerosidade ou por razão técnica, poderão instrumentalizar contratos especiais com os prestadores de serviços, nos quais serão estabelecidos as responsabilidades, os critérios de rateio e a forma de cobrança.
Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e de cobrança dos serviços públicos de saneamento básico considerará os seguintes fatores:
I – categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo;
II – padrões de uso ou de qualidade requeridos;
III – quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente;
IV – custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas;
V – ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e
VI – capacidade de pagamento dos consumidores.
1.2.2. Lícita a exigência de tarifa mínima?
R: Yeap!!!!
As diretrizes para instituição da tarifa de água e esgoto, previstas no art. 29 da Lei n. 11.445/2007, assim como os fatores a serem considerados na estrutura de remuneração e cobrança pelos serviços de saneamento, expostos no art. 30 do mesmo diploma legal, não são regras jurídicas inseridas aleatoriamente pelo legislador no marco regulatório do saneamento básico adotado no Brasil. Muito ao contrário: decorrem do modelo econômico alinhavado para o desenvolvimento do mercado de prestação dos serviços públicos de água e esgoto, modelo esse estruturado em um regime de monopólio natural.
A previsibilidade quanto às receitas futuras decorrentes da execução dos serviços de saneamento é obtida por meio da estruturação em duas etapas da contraprestação (tarifa) devida pelos serviços prestados: a primeira, por meio da outorga de uma franquia de consumo ao usuário (parcela fixa da tarifa cobrada); e a segunda, por meio da cobrança pelo consumo eventualmente excedente àquele franqueado, aferido por meio do medidor correspondente (parcela variável da tarifa).
A parcela fixa, ou franquia de consumo, tem uma finalidade essencial: assegurar à prestadora do serviço de saneamento receitas recorrentes, necessárias para fazer frente aos custos fixos elevados do negócio tal como estruturado, no qual não se obedece à lógica do livre mercado, pois a intervenção estatal impõe a realização de investimentos irrecuperáveis em nome do interesse público, além de subsídios tarifários às camadas mais vulneráveis da população. A parcela variável, por sua vez, embora seja fonte relevante de receita, destina-se primordialmente ao atendimento do interesse público de inibir o consumo irresponsável de um bem cada vez mais escasso (água), obedecendo à ideia-força de que paga mais quem consome mais.
A parcela fixa é um componente necessário da tarifa, pois remunera a prestadora por um serviço essencial colocado à disposição do consumidor, e, por consequência, é cobrada independentemente de qual seja o consumo real de água aferido pelo medidor, desde que esse consumo esteja situado entre o mínimo (zero metros cúbicos) e o teto (tantos metros cúbicos quantos previstos nas normais locais) da franquia de consumo outorgada ao usuário. A parcela variável, a seu turno, é um componente eventual da tarifa, podendo ou não ser cobrada a depender, sempre, do consumo real de água aferido pelo medidor, considerado, para tanto, o consumo que tenha excedido o teto da franquia, que já fora paga por meio da cobrança da componente fixa da tarifa.
A análise crítica e comparativa das metodologias de cálculo da tarifa de água e esgoto de condomínios dotados de um único hidrômetro permite afirmar que os métodos do consumo real global e do consumo real fracionado (mais conhecido como “modelo híbrido”) não atendem aos fatores e diretrizes de estruturação da tarifa previstos nos arts. 29 e 30 da Lei n. 11.445/2007, criando assimetrias no modelo legal de regulação da prestação dos serviços da área do saneamento básico que ora colocam o condomínio dotado de um único hidrômetro em uma posição de injustificável vantagem jurídica e econômica (modelo híbrido), ora o colocam em uma posição de intolerável desvantagem, elevando às alturas as tarifas a partir de uma ficção despropositada, que toma o condomínio como se fora um único usuário dos serviços, os quais, na realidade, são usufruídos de maneira independente por cada unidade condominial.
Descartadas que sejam, então, essas duas formas de cálculo das tarifas para os condomínios dotados de um único hidrômetro, coloca-se diante do Tribunal um estado de coisas desafiador, dado que a metodologia remanescente (consumo individual presumido ou franqueado), que permitiria ao prestador dos serviços de saneamento básico exigir de cada unidade de consumo (economia) do condomínio uma “tarifa mínima” a título de franquia de consumo, vem a ser justamente aquela considerada ilícita nos termos do julgamento que edificou o Tema 414/STJ (REsp n. 1.166.561/RJ). Não se verifica, entretanto, razão jurídica ou econômica que justifique manter o entendimento jurisprudencial consolidado quando do julgamento, em 2010, do REsp n. 1.166.561/RJ, perpetuando-se um tratamento anti-isonômico entre unidades de consumo de água e esgoto baseado exclusivamente na existência ou inexistência de medidor individualizado, tratamento esse que não atende aos fatores e diretrizes de estruturação tarifária estabelecidos nos arts. 29 e 30 da Lei n. 11.445/2007.
É preciso, enfim, rever esse entendimento a fim de superá-lo, evitando-se, assim, que alguns consumidores usufruam de posição injustificadamente privilegiada, já que desobrigados de arcar com a franquia de consumo – parcela fixa da tarifa de saneamento básico – que de todos é exigida, e cuja ratio essendi é a amortização dos custos fixos incorridos pelas prestadoras dos serviços para torná-los universais, eficientes e perenemente disponíveis, e para que sejam oferecidos a populações economicamente vulneráveis de forma subsidiada.
Dessa forma, são fixadas as seguintes teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi deste julgado paradigmático de superação do REsp n. 1.166.561/RJ e de revisão do Tema 414/STJ: “1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas. 2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia). 3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.”
Trata-se, ademais, de evolução substancial da jurisprudência que bem se amolda à previsão do art. 927, § 3º, do CPC, de modo a autorizar a parcial modulação de efeitos do julgamento, a fim de que às prestadoras dos serviços de saneamento básico seja declarado lícito modificar o método de cálculo da tarifa de água e esgoto nos casos em que, por conta de ação revisional de tarifa ajuizada por condomínio, esteja sendo adotado o “modelo híbrido“. Entretanto, fica vedado, para fins de modulação e em nome da segurança jurídica e do interesse social, que sejam cobrados dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a menor decorrentes da adoção do chamado “modelo híbrido”.
Nos casos em que a prestadora dos serviços de saneamento básico tenha calculado a tarifa devida pelos condomínios dotados de medidor único tomando-os como um único usuário dos serviços (uma economia apenas), mantém-se o dever de modificar o método de cálculo da tarifa, sem embargo, entretanto, do direito do condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior e autorizando-se que a restituição do indébito seja feita pelas prestadoras por meio de compensação entre o montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa de saneamento devida pelo condomínio, até integral extinção da obrigação, respeitado o prazo prescricional. Na restituição do indébito, modulam-se os efeitos do julgamento de modo a afastar a dobra do art. 42, parágrafo único, do CDC, à compreensão de que a dinâmica da evolução jurisprudencial relativa ao tema conferiu certa escusabilidade à conduta da prestadora dos serviços.
1.2.3. Resultado final.
1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O expropriado não tem o dever de pagar pela reparação do dano ambiental no bem desapropriado, podendo responder, no entanto, por eventual dano moral coletivo.
AREsp 1.886.951-RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 11/6/2024, DJe 20/6/2024. (Info 818 STJ)
2.1. Situação FÁTICA.
O MP ajuizou Ação Civil Pública pretendendo condenar Tadeu à reparação de dano ambiental alegadamente causado em imóvel de propriedade deste. Ocorre que, durante o andamento de tal processo, o Município iniciou procedimento de desapropriação do imóvel. Mesmo após a desapropriação, o MP insiste na condenação do rapaz ao pagamento de dano moral coletivo, bem como à reparação do dano ambiental.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Questão JURÍDICA.
Súmula n. 623 do STJ: As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.
2.2.2. Deve reparar o dano ambiental?
R: Em parte!!!!
Inicialmente, ressalte-se que nos termos da Súmula n. 623 do STJ, “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”; e do Tema repetitivo n. 1204, cuja tese jurídica detalha que “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente”.
Todavia, o caso em análise se distingue da supracitada orientação quanto à possibilidade de cobrar a reparação do dano tanto do proprietário atual quanto do anterior, visto que no representativo da controvérsia se trata de aquisição derivada da propriedade (transferência voluntária), ao passo que aqui se está diante de aquisição originária por desapropriação, que tem contornos próprios e distintos.
Nesse contexto, o art. 31 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 disciplina que “ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”.
Isso implica dizer que o ônus de reparação que recaía sobre o bem (de natureza histórico-cultural) expropriado já foi considerado no preço (justa indenização) que foi desembolsado pelo Município para a aquisição do imóvel, isto é, a Fazenda municipal já descontou o passivo ambiental do valor pago.
Diante desse quadro superveniente, a condenação da parte expropriada no dever de pagar pela reparação do imóvel desapropriado implicaria violação do postulado do non bis in idem, uma vez que o particular amargaria duplo prejuízo pelo mesmo fato: perceberia indenização já descontada em razão do passivo ambiental e ainda teria que pagá-lo (o passivo) novamente na ação civil pública.
Desse modo, embora a obrigação de reparação ambiental permaneça de natureza propter rem, competirá ao ente expropriante atendê-la (a obrigação), pois o valor relativo ao passivo ambiental já deve ter sido excluído da indenização.
Por outro lado, é possível reconhecer a legitimidade passiva do particular em relação ao dever, em tese, de reparar o suposto dano moral coletivo, pois, nesse caso, a obrigação ou o ônus não estão relacionados ao próprio bem, inexistindo sub-rogação no preço. O dano moral, nessa modalidade, é experimentado pela coletividade em caráter difuso, de modo que o dever de indenizar é completamente independente do destino do imóvel expropriado.
2.2.3. Resultado final.
O expropriado não tem o dever de pagar pela reparação do dano ambiental no bem desapropriado, podendo responder, no entanto, por eventual dano moral coletivo.
RECURSO ESPECIAL
Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor – RPV.
REsp 2.029.636-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024. (Tema 1190). (Info 818 STJ)
3.1. Situação FÁTICA.
Em um cumprimento de sentença não impugnado pela Fazenda Pública que resultaria no pagamento por meio de RPV, não foram fixados honorários advocatícios sucumbenciais, uma vez considerado que não houve resistência da parte contrária.
Porém, os advogados exequentes defendem que a previsão do art. 85, § 7º, do CPC, tem aplicabilidade limitada aos casos que ensejem a expedição de precatórios, não afastando os honorários na hipótese de pagamento via RPV.
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei 9.494/97:
Art. 1o-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.
CPC:
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput , o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:
§ 3º Não impugnada a execução ou rejeitadas as arguições da executada:
II – por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.
3.2.2. Devidos os honorários sucumbenciais?
R: Negativo!!!
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, quando o crédito está sujeito ao regime da Requisição de Pequeno Valor – RPV, é cabível a fixação dos honorários advocatícios em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, independentemente da existência de impugnação à pretensão executória.
A questão remonta ao decidido pela Corte Especial no julgamento dos EREsp n. 217883/RS, em 2003. Na ocasião, firmou-se o entendimento de que, na execução de título judicial, ainda que não embargada, os honorários sucumbenciais seriam devidos, mesmo que o pagamento estivesse submetido ao precatório.
Contudo, a vigência da MP 2.180-35, de 24.8.2001, que acrescentou à Lei n. 9.494/1997 o art. 1º-D, alterou o quadro normativo a respeito da matéria e dispôs que não seriam devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 420.816/PR, confirmou a constitucionalidade do art. 1º-D da Lei 9.494/97. A razão para tal consiste na impossibilidade de o ente público adimplir espontaneamente a obrigação de pagar quantia certa sujeita ao regime dos precatórios. Entretanto, conferiu-lhe a interpretação de que a norma não se aplica às execuções de obrigações legalmente definidas como de pequeno valor, visto que, em tal situação, o processo executivo se acha excepcionalmente excluído do regime a que alude o art. 100, caput, da Constituição Federal de1988.
Na mesma linha do precedente do STF, a Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp n. 676.719/SC, Rel. Ministro José Delgado, passou a afirmar que não mais seriam cabíveis honorários sucumbenciais em execução de obrigação submetida a pagamento por precatório, desde que não embargada. Quanto às obrigações de pequeno valor, fixou-se o entendimento de que os honorários sucumbenciais são devidos, independentemente de impugnação.
A partir de então, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que “os honorários advocatícios de sucumbência são devidos nas execuções contra a Fazenda sujeitas ao regime de requisição de pequeno valor – RPV, ainda que não seja apresentada impugnação.” (AgInt no REsp n. 2.021.231/SC, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, DJe 10/3/2023).
Ocorre que, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe novo regramento a respeito da matéria, a qual voltou a ser debatida e merece passar por um novo olhar. Segundo dispõe, em seu art. 85, §§ 1º e 7º: “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. (…) § 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.”
Observa-se que a regra é o pagamento de honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença e na execução, resistida ou não. Porém, uma EXCEÇÃO ocorre quando o cumprimento de sentença ensejar a expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnado. À luz do princípio da causalidade, o Poder Público não dá causa à instauração do rito executivo, uma vez que se revela impositiva a observância do art. 535, § 3º, II, do CPC.
No cumprimento de sentença que impõe a obrigação de pagar quantia certa, os entes públicos não têm a opção de adimplir voluntariamente. Ainda que não haja impugnação, o Código de Processo Civil vigente impõe rito próprio que deverá ser observado pelas partes, qual seja, o requerimento do exequente, que deverá apresentar demonstrativo discriminado do crédito (art. 534 do CPC), seguido da ordem do juiz para pagamento da quantia, que “será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.”
Dessa forma, a única conduta que o Estado pode adotar em favor do imediato cumprimento do título executivo judicial é a de não impugnar a execução e depositar a quantia requisitada pelo juiz no prazo legal. Não é razoável que o particular que pague voluntariamente a obrigação fique isento do pagamento de honorários sucumbenciais (art. 523, § 1º, do CPC), mas o Poder Público, reconhecendo a dívida (ao deixar de impugná-la) e pagando-a também no prazo legal, tenha de suportar esse ônus.
Por oportuno, recorda-se que, se a Fazenda Pública optar por impugnar parcialmente os cálculos apresentados pelo credor, os honorários terão como base apenas a parcela controvertida, nos termos da jurisprudência desta Corte. A propósito: AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp n. 2.031.385/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 21.9.2023; AgInt no AREsp n. 2.272.059/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 24.8.2023; AgInt no REsp n. 2.045.035/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 23.8.2023; e AgInt nos EDcl no REsp n. 1.885.625/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 1.6.2021.
Nesse sentido, seria financeiramente mais favorável à Administração Pública a impugnação parcial da execução, ainda que com argumentos frágeis, do que reconhecer a dívida. Por essa razão, manter o entendimento favorável ao cabimento de honorários advocatícios ainda que não impugnada a execução premia o conflito, e não a solução célere e consensual da lide.
Por tudo isso, a mudança da jurisprudência do STJ é necessária. Esse entendimento não contraria aquele firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 420.816/PR ao reconhecer a constitucionalidade do 1º-D da Lei n. 9.494/1997, justamente porque o Poder Público está impossibilitado de adimplir espontaneamente a obrigação de pagar quantia certa sujeita ao regime dos precatórios. À luz do novo Código de Processo Civil, a mesma ratio deve ser estendida ao cumprimento de sentença que determine o pagamento de quantia submetida a RPV.
Os pressupostos para a modulação estão presentes, uma vez que a jurisprudência do STJ havia se firmado no sentido de que, nas hipóteses em que o pagamento da obrigação é feito mediante Requisição de Pequeno Valor, seria cabível a fixação de honorários advocatícios nos cumprimentos de sentença contra o Estado, ainda que não impugnados.
3.2.3. Resultado final.
Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor – RPV.
RECURSO ESPECIAL
Incerto o endereço do réu no país estrangeiro, admite-se a citação por edital, dispensada a carta rogatória. O valor da causa na ação de querela nullitatis deve corresponder ao valor da causa originária ou do proveito econômico obtido, a depender do teor da decisão que se pretende declarar inexistente.
REsp 2.145.294-SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024, DJe 21/6/2024. (Info 818 STJ)
4.1. Situação FÁTICA.
Após o trânsito em julgado de ação condenatória, Gertrude ajuizou ação de nulidade sob o argumento de que houve ilegalidade na citação por edital realizada. Alega que havendo ciência de que a parte ré residia em país estrangeiro, deveria ter sido enviada solicitação de informação à Alfândega dos Estados Unidos da América, por meio da cooperação jurídica internacional, para que fosse descoberto o seu endereço. Somente com eventual resposta negativa por parte da Alfândega ou, em caso de resposta positiva, após o cumprimento da carta rogatória no endereço, é que teriam sido esgotados todos os meios de localização pessoal, o que autorizaria a citação editalícia.
Informou ainda valor da causa simbólico, por entender que não haveria proveito econômico na ação de “querela nullitatis”, pois o reconhecimento da nulidade da citação não implicaria nulidade do negócio jurídico da ação principal, mas apenas reabertura do prazo para apresentação de contestação.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Civil:
Art. 256. A citação por edital será feita:
II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando;
§ 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;
4.2.2. Correta a citação por edital?
R: Obviamente!!!
Cinge-se a controvérsia a definir se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital.
Entre os mecanismos de cooperação jurídica internacional está a carta rogatória, que pode ser meio de citação quando o citando residir no exterior, em endereço certo e conhecido.
Nada obstante, o art. 256, II, do Código de Processo Civil estabelece que a citação por edital será feita quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando. Assim, sendo incerto o endereço do réu, no Brasil ou no exterior, admite-se a citação por edital, nos termos do referido artigo do CPC.
Portanto, embora o art. 256, § 1º, do CPC, preveja que se considera inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória; isso não significa que a negativa da carta rogatória seja pré-requisito para o deferimento de citação por edital, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória.
O simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital. Contudo, se for incerto o seu endereço no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória.
E quanto ao valor da causa da ação declaratória de nulidade???
Deve corresponder ao valor da causa ORIGINÁRIA!!!!
Embora comumente denominada ação declaratória de nulidade, a querela nullitatis opera-se no plano da existência da sentença, pois o defeito ou a inexistência da citação é vício transrescisório de tamanha gravidade que macula existência do ato jurídico.
No que tange ao estabelecimento do valor da causa, a lógica adotada para a ação rescisória pode ser utilizada para a querela nullitatis, observadas as particularidades de cada uma das ações.
Assim, rememora-se que o entendimento do STJ define que o valor da causa nas ações rescisórias deve corresponder ao da causa originária, devidamente atualizado, salvo se o proveito econômico pretendido com a rescisão do julgado for discrepante daquele valor, ocasião em que este último prevalecerá.
Portanto, nem sempre o valor da causa da ação rescisória corresponderá ao da ação originária. É o que ocorre, por exemplo, quando se pleiteia apenas a rescisão parcial da sentença ou acórdão ou quando se pretende rescindir decisão de parcial procedência do pedido. Nestas hipóteses, o valor da causa da ação rescisória não guardará correspondência com aquele da ação originária, mas sim com o conteúdo econômico imediatamente pretendido pela parte com a rescisão do julgado.
Nessa mesma linha, sendo o objetivo da querela nullitatis declarar a inexistência de sentença em razão da ausência de citação, essa decisão será desconsiderada por inteiro, motivo pelo qual o valor a ser atribuído à ação declaratória corresponderá ao do decisum que se pretende declarar inexistente. Assim, se a decisão alegadamente inexistente tiver decidido pela total procedência do pedido da ação originária, o valor a ser atribuído à ação de declaratória corresponderá ao da ação originária, pois este será o proveito econômico pretendido pelo autor da querela nullitatis.
É precisamente isto que o art. 292, II do CPC estabelece ao determinar que na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor da causa será do ato ou o de sua parte controvertida.
Reitera este entendimento a jurisprudência firmada na Terceira Turma do STJ no sentido de que o valor da causa deve equivaler, em princípio, ao conteúdo econômico a ser obtido na demanda, embora o provimento jurisdicional buscado tenha conteúdo meramente declaratório. (REsp n. 2.096.465/SP, Terceira Turma, DJe de 16/5/2024).
4.2.3. Resultado final.
Incerto o endereço do réu no país estrangeiro, admite-se a citação por edital, dispensada a carta rogatória. O valor da causa na ação de querela nullitatis deve corresponder ao valor da causa originária ou do proveito econômico obtido, a depender do teor da decisão que se pretende declarar inexistente.
RECURSO ESPECIAL
Os valores de juros, calculados pela taxa SELIC ou outros índices, recebidos em face de repetição de indébito tributário, na devolução de depósitos judiciais ou nos pagamentos efetuados decorrentes de obrigações contratuais em atraso, por se caracterizarem como Receita Bruta Operacional, estão na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS cumulativas e, por integrarem o conceito amplo de Receita Bruta, na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas.
REsp 2.065.817-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 25/6/2024. (Tema 1237). (Info 818 STJ)
5.1. Situação FÁTICA.
Trata-se de julgamento de recurso repetitivo para o STJ decidir se incidem PIS e Cofins sobre juros Selic recebidos via repetição de indébito tributário — ação para pedir a restituição de tributo pago indevidamente ou a maior — e na devolução de depósitos judiciais ou de pagamentos efetuados por clientes em atraso.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. Questão JURÍDICA.
CTN:
Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
5.2.2. Tais valores compõem a BC do PIS/COFINS?
R: Yeap!!!!
Conforme a autonomia do Direito Tributário positivada no art. 109, do CTN, a definição dos efeitos tributários dos institutos de direito civil se submete à norma tributária. Assim, quando se está a falar da percepção da verba por pessoas jurídicas, os juros, sejam moratórios (danos emergentes na repetição de indébito tributário ou lucros cessantes nas demais hipóteses como pagamentos de clientes em atraso), sejam remuneratórios (produto do capital investido ou devolução de depósitos judiciais), recebem classificação contábil tributária consoante a legislação em vigor.
Os juros remuneratórios – categoria que abrange os juros SELIC incidentes na devolução dos depósitos judiciais – são Receitas Financeiras (remuneração do capital) integrantes do Lucro Operacional, consoante o disposto no art. 17, do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e o art. 9º, da Lei n. 9.718/1998, portanto integrantes do conceito maior de Receita Bruta Operacional.
Já os juros moratórios, se recebidos em face de repetição de indébito tributário – categoria que abrange os juros SELIC incidentes na repetição de indébito tributário – são, excepcionalmente, recuperações ou devoluções de custos (indenizações a título de danos emergentes) integrantes da Receita Bruta Operacional, consoante o disposto no art. 44, III, da Lei n. 4.506/1964.
Caso auferidos nas demais hipóteses de inadimplemento – categoria que abrange os juros incidentes sobre os pagamentos efetuados por clientes em atraso – são Receitas Financeiras (indenizações a título de lucros cessantes) integrantes do Lucro Operacional, consoante o disposto no art. 17, do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e o art. 9º, da Lei n. 9.718/1998, portanto integrantes do conceito maior de Receita Bruta Operacional.
Ainda que se entendesse inaplicável o disposto no art. 44, III, da Lei n. 4.506/1964, aos juros moratórios, subsistiria a aplicação do art. 17, do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e do art. 9º, da Lei n. 9.718/1998, que os classificaria como Receitas Financeiras, sendo que todas as Receitas Financeiras também integram o conceito maior de Receita Bruta Operacional.
Desta forma, a lei tributária estabelece expressamente que o aumento do valor do crédito das pessoas jurídicas contribuintes em razão da aplicação de determinada taxa de juros, seja ela qual for, por força de lei ou contrato, atrelada ou não a correção monetária (como o é a taxa SELIC), proveniente de ato lícito (remuneração) ou ilícito (mora) possui a natureza de Receita Bruta Operacional, assim ingressando na contabilidade das empresas para efeitos tributários. Precedente repetitivo: REsp. n. 1.138.695-SC, Primeira Seção, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 22/5/2013 e juízo de retratação julgado em em 26/4/2023.
Essa natureza jurídico-tributária dos juros (de mora ou remuneratórios) como Receita Bruta Operacional os coloca dentro da base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS sob os regimes cumulativo (base de cálculo Receita Bruta Operacional ou faturamento) e não cumulativo (base de cálculo Receita Bruta em sentido amplo ou total).
A condição dos juros de mora na repetição do indébito tributário como verba indenizatória a título de dano emergente – Temas ns. 808 e 962 da Repercussão Geral do STF, RE n. 855.091 e RE n. 1.063.187 e Tema 505/STJ, Juízo de Retratação no REsp. n. 1.138.695-SC – pode lhes retirar a natureza jurídica de renda ou lucro, relevante para o IRPJ e para a CSLL, mas não lhes retira a natureza de Receita Bruta a qual é determinante para o deslinde da causa para as contribuições ao PIS/PASEP e COFINS.
5.2.3. Resultado final.
Os valores de juros, calculados pela taxa SELIC ou outros índices, recebidos em face de repetição de indébito tributário, na devolução de depósitos judiciais ou nos pagamentos efetuados decorrentes de obrigações contratuais em atraso, por se caracterizarem como Receita Bruta Operacional, estão na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS cumulativas e, por integrarem o conceito amplo de Receita Bruta, na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas.
RECURSO ESPECIAL
O estabelecimento de teto para adesão ao parcelamento simplificado, por constituir medida de gestão e eficiência na arrecadação e recuperação do crédito público, pode ser feito por ato infralegal, nos termos do art. 96 do CTN. Excetua-se a hipótese em que a lei em sentido restrito definir diretamente o valor máximo e a autoridade administrativa, na regulamentação da norma, fixar quantia inferior à estabelecida na lei, em prejuízo do contribuinte.
REsp 1.679.536-RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 1º/7/2024. (Tema 997). (Info 818 STJ)
6.1. Situação FÁTICA.
A Receita Federal, por meio de Portaria, estabeleceu requisitos para adesão ao parcelamento simplificado. Dentre os requisitos, constava um teto ao valor possível de parcelamento.
Inconformada, a empresa Longa Esperança contesta a legalidade do teto limitador, por entender que tal critério deveria ter sido estabelecido por meio de lei.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Questão JURÍDICA.
CTN:
Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sôbre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.
6.2.2. Ato infralegal pode estabelecer teto de parcelamento?
R:Como regra, SIM!!!
Cinge-se a controvérsia em saber se o estabelecimento de valor máximo (“teto”) para formalização e adesão ao parcelamento simplificado por atos normativos infralegais, seja da Receita Federal ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ofende o princípio da legalidade.
Segundo o art. 155-A do CTN, o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. Por se tratar (o parcelamento) de liberalidade submetida à conveniência do Fisco, cabe à lei em sentido estrito definir, essencialmente, o respectivo prazo de duração, os tributos aos quais ela se aplica, bem como o número de prestações e periodicidade de seu vencimento.
A Lei n. 10.522/2002, por sua vez, versa sobre o denominado “parcelamento ordinário” (ou comum) de débitos com o Fisco, abrangendo generalizadamente os contribuintes que possuam pendências com a Administração Tributária Federal. No mesmo diploma normativo, consta a criação, em caráter igualmente geral, do “parcelamento simplificado” de débitos.
A origem do parcelamento simplificado, na forma estipulada na Lei n. 10.522/2002, consiste na Medida Provisória n. 1621-30, de 12.12.1997, que dispunha em seu art. 11, § 6º (redação idêntica ao do mesmo dispositivo da Lei n. 10.522/2002), que: “Atendendo ao princípio da economicidade, observados os termos, os limites e as condições estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda, poderá ser concedido, de ofício, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira parcela confissão irretratável da dívida e adesão ao sistema de parcelamentos de que trata esta Medida Provisória”. Tal dispositivo, como se infere, limitou-se a instituir o parcelamento simplificado, delegando ao Ministro de Estado da Fazenda ampla atribuição normativa, ao prever que a ele competia estabelecer os respectivos termos, limites e as condições.
A premissa que se depreende da norma acima é de que o “parcelamento simplificado” não representa, na essência, modalidade substancialmente distinta do parcelamento ordinário. Não se trata do estabelecimento de um programa específico, com natureza ou características diversas, em relação ao parcelamento comum, mas exatamente o mesmo parcelamento, cuja instrumentalização/operacionalização é feita de modo menos trabalhoso, ou, para usar a terminologia empregada na sua denominação literal, de modo mais “simples” (diretamente pelo contribuinte, on-line, sem a apresentação de garantias).
A nota distintiva, portanto, entre os dois tipos de parcelamento reside exclusivamente na circunstância de que o simplificado, para ser formalizado, dispensa a prévia apresentação de garantia. Representa, assim, mera técnica que, em observância ao princípio da eficiência, introduz mecanismo destinado a garantir maior qualidade na gestão e arrecadação do crédito público.
Nos termos acima, merece destaque a constatação de que o estabelecimento dos limites e condições para o parcelamento simplificado jamais constituiu matéria reservada à disciplina por lei em sentido estrito. Pelo contrário, a Lei n. 10.522/2002 expressamente fixava competência para o Ministro da Fazenda, por ato infralegal, definir critérios para diferenciar se o débito poderia ser parcelado no regime simplificado ou no comum.
A judicialização do tema ocorreu porque o art. 11, § 6º, da citada Lei foi revogada pelo art. 35 da Lei n. 11.941/2009, de modo que o parcelamento simplificado passou a ser disciplinado no art. 14-C (Lei n. 10.522/2002), nos seguintes termos: “Art. 14-C. Poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário”. Observa-se, assim, que foi preservada a existência do parcelamento simplificado, consistindo a única novidade na supressão da referência expressa de que ato infralegal do Ministro de Estado da Fazenda estabeleceria os termos, limites e condições para a concessão do parcelamento simplificado.
Nesse sentido, a utilização adequada dos métodos de hermenêutica conduz ao entendimento de que a supressão da norma que previa incumbir ao Ministro de Estado da Fazenda estabelecer, por ato infralegal, os limites de valor para adesão ao parcelamento simplificado, não é suficiente para justificar a conclusão de que o legislador ordinário tomou para si tal atribuição. Isso porque se revela indispensável aplicar corretamente o princípio da legalidade no âmbito do Direito Tributário.
De acordo com o art. 96 do CTN, a “expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Dito de outro modo, os tributos e relações jurídicas a eles pertinentes são disciplinados por uma vasta gama de diplomas normativos, tais como: a) as leis; b) os tratos e as convenções internacionais; c) os decretos e d) as normas complementares. Tem-se, assim, a “legislação tributária” como gênero, composta pelas respectivas espécies normativas, de modo que, nem tudo que verse sobre tributos – e, notadamente, sobre relações jurídicas atinentes aos tributos – deve ser disciplinado exclusivamente por lei em sentido estrito.
Consoante observado, já no regime anterior (redação original da Lei n. 10.252/2002), a matéria nunca foi disciplinada por lei em sentido estrito, sendo incabível, portanto, concluir que o tema está sujeito ao princípio da reserva legal. Com efeito, se a lei prevê a existência do parcelamento comum e do simplificado, não se justifica a exegese cujo resultado, ao retirar do administrador a competência para especificar os débitos cujo parcelamento pode ser formalizado de modo singelo, implica a inexistência de parcelamentos diferenciados, pois haveria apenas o parcelamento simplificado, excluindo-se a hipótese para a concessão do parcelamento ordinário. Dessa forma, tal exegese impediria a Administração Tributária de exigir a apresentação de garantia real ou fidejussória – expressamente autorizada por lei (art. 11, § 1º, da Lei n. 10.522/2002) para os débitos inscritos na dívida ativa da União -, comprometendo grave e injustificadamente a aplicação do princípio da eficiência na instituição de medidas assecuratórias da melhor qualidade na recuperação do crédito público.
Dessarte, inexiste violação ao princípio da legalidade, pois o estabelecimento do valor máximo (teto) para identificação do regime de parcelamento (simplificado ou ordinário) não foi feito com a intenção de restringir direitos uma vez que, os referidos parcelamentos são idênticos entre si, de modo que a impossibilidade de adesão ao parcelamento simplificado em nada interfere com o acesso ao mesmo parcelamento na outra modalidade ordinária. A única diferenciação entre ambos consiste na simplificação do meio de adesão, matéria que diz respeito à administração e gestão do crédito tributário, plenamente passível de disciplina por normas complementares de Direito Tributário, sendo a autoridade que administra o crédito quem possui, naturalmente, contato direto com a realidade cotidiana que envolve o estabelecimento dos critérios e meios de obter, com maior eficácia, a recuperação do crédito público.
6.2.3. Resultado final.
O estabelecimento de teto para adesão ao parcelamento simplificado, por constituir medida de gestão e eficiência na arrecadação e recuperação do crédito público, pode ser feito por ato infralegal, nos termos do art. 96 do CTN. Excetua-se a hipótese em que a lei em sentido restrito definir diretamente o valor máximo e a autoridade administrativa, na regulamentação da norma, fixar quantia inferior à estabelecida na lei, em prejuízo do contribuinte.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
I. Os tributos recolhidos em substituição tributária não integram o conceito de custo de aquisição previsto no art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/1977; e II. Os valores pagos pelo contribuinte substituto a título de ICMS-ST não geram, no regime não cumulativo, créditos para fins de incidência das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS devidas pelo contribuinte substituído.
EREsp 1.959.571-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 25/6/2024. (Tema 1231). (Info 818 STJ)
7.1. Situação FÁTICA.
A empresa Rudiger ajuizou ação por meio da qual requereu o reconhecimento ao direito de apurar créditos de PIS/COFINS sobre as mercadorias adquiridas para revenda sempre que comprovado que o ICMS-ST tenha sido destacado na nota fiscal de entrada das mercadorias no seu estabelecimento e integrado o preço pago.
Inconformada, a Fazenda Nacional sustenta divergência entre as Turmas do STJ e que não tem direito o contribuinte ao creditamento, no âmbito do regime não- cumulativo do PIS e COFINS, dos valores que, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-substituição.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Os tributos recolhidos integram o conceito de custo de aquisição?
R: Negativo!!!!
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de creditamento, no âmbito do regime não-cumulativo das contribuições ao PIS e COFINS, dos valores que o contribuinte, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-substituição (ICMS-ST).
Quando o ICMS-ST é cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário este é mero depositário do valor financeiro correspondente ao tributo que será posteriormente entregue ao Fisco, em outras palavras, o substituto tributário é mero depositário de valor correspondente a tributo de outrem.
Não sendo receita bruta do substituto tributário, o ICMS-ST não está na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas por si (pelo substituto) devidas e definida nos arts. 1º e § 2º, das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003.
Como o princípio da não cumulatividade preconiza que o valor do tributo incidente sobre o bem na saída do vendedor é que irá gerar o valor do crédito na entrada do bem para o adquirente, se não houver tributação na saída do vendedor (substituto), não haverá creditamento na entrada para o adquirente (substituído) e qualquer crédito concedido nessa situação ou para além do valor do tributo pago na etapa anterior é crédito presumido ou fictício, carecedor de lei específica, na forma do art. 150, §6º, da CF/1988. Precedentes: Súmula Vinculante n. 58/STF; Repercussão Geral Tema n. 844/STF; recurso repetitivo REsp. n. 1.894.741/RS, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27.04.2022. Assim, se as contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não incidirem sobre o ICMS-ST na etapa anterior (substituto), na ausência de lei expressa criadora do crédito presumido, não podem gerar crédito para ser utilizado na etapa posterior (substituído).
Com o julgamento do Tema 1125/STJ (“O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva”), o Superior Tribunal de Justiça equiparou a situação econômica dos contribuintes de direito do ICMS normal àquela dos contribuintes de fato do ICMS-ST, em razão do princípio da isonomia, tornando a escolha do Estado em tributar determinada mercadoria via ICMS ou ICMS-ST economicamente neutra para as contribuições ao PIS/PASEP e COFINS e, por consequência, para as empresas.
Caso hoje fosse concedido o creditamento, a distorção existente entre o contribuinte de fato do ICMS-ST e o contribuinte de direito do ICMS normal voltaria a ocorrer, desta vez em prejuízo deste último. Isso porque o primeiro, além de excluir o ICMS-ST da base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS por si devidas, também ganharia o direito ao crédito dos valores correspondentes ao ICMS-ST, caracterizando odioso duplo benefício (ganharia de volta o crédito sem ter o débito correspondente), sendo que o segundo nenhum benefício mais tem depois do advento dos os artigos 6º e 7º, da Lei n. 14.592/2023 (não tem crédito e não tem débito).
Os tributos recolhidos em substituição tributária não integram o conceito de custo de aquisição previsto no art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/1977, isto porque i) a lei foi publicada em período onde não havia substituição tributária progressiva (substituição tributária “para frente”) no Brasil, não podendo dar efeitos a algo que não existia, desta forma, sequer é possível instrução normativa que assim trate a matéria, sob pena de extrapolar a lei de regência; ii) Os tributos recolhidos em substituição tributária “para frente” são mera antecipação de um tributo que incidiria na venda (não na aquisição) a ser feita pelo substituído, ou seja, não são juridicamente uma oneração na aquisição, mas uma oneração antecipada da venda a ser futuramente feita; e iii) a classificação de “tributo recuperável” e “tributo não recuperável” não é aplicável aos casos de substituição tributária, porque monofásicos.
Ainda que o ICMS-ST integrasse o conceito de custo de aquisição, o STJ tem posicionamento pacificado no sentido de que nem todo o custo de aquisição gera direito ao creditamento na sistemática não cumulativa das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS. Precedentes em recursos repetitivos: REsp. n. 1.221.170/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22.02.2018 e REsp. n. 1.894.741/RS, Primeira Seção, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 27.04.2022.
Dessa forma, seja em razão dos limites impostos pelo princípio da não cumulatividade, seja em razão da impossibilidade de tratamento anti-isonômico entre os contribuintes, seja porque não configuram custo de aquisição e seja porque nem todo o custo de aquisição gera direito ao creditamento na sistemática não cumulativa das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS, os valores despendidos pelo contribuinte substituído, a título de reembolso ao contribuinte substituto pelo recolhimento do ICMS-ST, não geram créditos das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas.
7.2.2. Resultado final.
I. Os tributos recolhidos em substituição tributária não integram o conceito de custo de aquisição previsto no art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/1977; e II. Os valores pagos pelo contribuinte substituto a título de ICMS-ST não geram, no regime não cumulativo, créditos para fins de incidência das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS devidas pelo contribuinte substituído.
RECURSO ESPECIAL
A compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida.
REsp 2.039.614-PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 28/6/2024. (Tema 1207). (Info 818 STJ)
8.1. Situação FÁTICA.
Geremia teve benefício previdenciário negado administrativamente pelo INSS, o que resultou no ajuizamento de ação previdenciária na qual foi reconhecido o direito ao benefício em questão. Ocorre que, quando do cumprimento da sentença, o INSS insistiu em abater os valores recebidos no período em razão de outro benefício, listado entre os não acumuláveis.
Sustenta a autarquia que a fim de evitar cumulação ilícita de benefícios previdenciários, deve-se não apenas zerar as competências em que houve gozo de benefício pago na via administrativa, mas também deduzir e/ou compensar valores a maior pagos.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 8.213/1991:
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
I – aposentadoria e auxílio-doença;
II – mais de uma aposentadoria;
III – aposentadoria e abono de permanência em serviço;
IV – salário-maternidade e auxílio-doença;
V – mais de um auxílio-acidente;
VI – mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.
8.2.2. A compensação limita-se ao valor do título judicial?
R: Exatamente!!!!
A controvérsia circunscreve-se à definição sobre qual a forma de compensação das prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, no momento da elaboração dos cálculos de cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, à luz do art. 124 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios).
O exame da matéria parte das seguintes premissas: (a) ambos os benefícios foram concedidos com atendimento aos seus requisitos e (b) são concomitantes em certo período.
Assim, o objetivo é decidir se, nos meses em que houver o percebimento (na via administrativa) de importância maior que a estabelecida na via judicial, a dedução (i) deverá abranger todo o quantum recebido pelo beneficiário naquela competência ou (ii) terá como teto o valor referente à parcela fruto da coisa julgada.
A mesma questão foi objeto de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR n. 5023872-14.2017.4.04.000 perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Tema 14), o qual definiu: “O procedimento no desconto de valores recebidos a título de benefícios inacumuláveis quando o direito à percepção de um deles transita em julgado após o auferimento do outro, gerando crédito de proventos em atraso, deve ser realizado por competência e no limite do valor da mensalidade resultante da aplicação do julgado, evitando-se, desta forma, a execução invertida ou a restituição indevida de valores, haja vista o caráter alimentar do benefício previdenciário e a boa-fé do segurado, não se ferindo a coisa julgada, sem existência de “refomatio in pejus“, eis que há expressa determinação legal para tanto.”
De fato, o art. 124 da Lei n. 8.213/1991 veda o recebimento conjunto de benefícios substitutivos de renda, bem como de mais de um auxílio-acidente. E, na hipótese, não houve percepção conjunta de benefícios. Contudo, na apuração do valor em cumprimento de sentença, observou-se que as parcelas atrasadas alcançavam um período em que o segurado havia usufruído outro benefício na via administrativa, o que acarreta a necessidade de compensação entre tais verbas.
Ocorre que o encontro de competências e, por conseguinte, a imposição legal de compensar as parcelas inacumuláveis não transformam o recebimento de benefício concedido mediante o preenchimento dos requisitos legais, no âmbito administrativo, em pagamento além do devido, de modo a se exigir sua restituição aos cofres da autarquia, pois não se trata de pagamento por erro da Administração ou por má-fé.
É possível que uma prestação previdenciária concedida na via administrativa seja superior àquela devida por força do título judicial transitado em julgado, pois o seu valor depende da espécie de benefício e do percentual estabelecido por lei a incidir na sua base de cálculo. Isso ocorre porque é a legislação que determina os critérios para fixação da Renda Mensal Inicial – RMI de cada prestação previdenciária. A RMI, por sua vez, é apurada com base no Salário de Benefício (SB), que é a média dos salários de contribuição do segurado. Ainda, cada espécie de benefício previdenciário possui um percentual específico que incidirá sobre o salário de benefício.
Assim, a depender do percentual do salário de benefício estipulado na norma, haverá diferença de valores. Além desse aspecto, a incidência, ou não, de fator previdenciário, de igual modo, implica alteração na RMI, e tudo isso pode elevar a renda mensal de uma aposentadoria em relação a outra, ainda que relativa ao mesmo segurado.
Portanto, eventuais diferenças a maior decorrentes, frise-se, de critérios legais não podem ser decotadas, pois, além de serem verbas de natureza alimentar recebidas de boa-fé, são inerentes ao próprio cálculo do benefício deferido na forma da lei, ao qual a parte exequente fez jus.
Ademais, o cumprimento de sentença deve observar o título judicial, sendo incabível falar em excesso de execução por falta de abatimento total das parcelas pagas administrativamente. Entendimento contrário levaria a uma execução invertida, pois tornaria o segurado-exequente em devedor, em certas competências, o que não se pode admitir, sobretudo quando o indeferimento indevido de benefícios tem ocasionado demasiada judicialização de demandas previdenciárias.
8.2.3. Resultado final.
E-Hub Tecnologia Ltda impetrou mandado de segurança por meio do qual intenta ter declarado direito à não incidência da contribuição patronal sobre o adicional de insalubridade. A Fazenda Nacional não concorda com a tese e sustenta que, por se tratar de verba de natureza remuneratória, não haveria que se falar em não incidência.
RECURSO ESPECIAL
Incide a contribuição previdenciária patronal sobre o adicional de insalubridade, em razão da sua natureza remuneratória.
REsp 2.050.498-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe de 2/7/2024. (Tema 1252). (Info 818 STJ)
9.1. Situação FÁTICA.
E-Hub Tecnologia Ltda impetrou mandado de segurança por meio do qual intenta ter declarado direito a não incidência da contribuição patronal sobre o adicional de insalubridade.
A Fazenda Nacional não concorda com a tese e sustenta que, por se tratar de verba de natureza remuneratória, não haveria que se falar em não incidência.
9.2. Análise ESTRATÉGICA.
9.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 8.212/1991:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;
9.2.2. Incide a contribuição patronal?
R: Com certeza!!!!
A contribuição previdenciária devida pela empresa encontra-se prevista na Constituição Federal nos seguintes termos: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.”.
A Constituição Federal também estabelece que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei” (art. 201, §11, da CF).
No âmbito infraconstitucional, a Lei n. 8.212/1991, em seu art. 22, I, determina que a contribuição previdenciária a cargo da empresa é de “vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa”.
O art. 28, I, da Lei n. 8.212/1991, por seu turno, traz o conceito de salário de contribuição para o empregado e trabalhador avulso como sendo “a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;”.
Diante disso, o STJ consolidou firme jurisprudência no sentido de que não sofrem a incidência de contribuição previdenciária “as importâncias pagas a título de indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador” (REsp n. 1.230.957/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/3/2014, submetido ao art. 543-C do CPC). Por outro lado, se a verba trabalhista possuir natureza remuneratória, destinando-se a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, ela deve integrar a base de cálculo da contribuição.
No caso, verifica-se que o adicional de insalubridade está previsto na CLT com a seguinte redação: “Art. 189 – Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.”.
A orientação pacífica das duas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ é no sentido de que o adicional de insalubridade possui natureza remuneratória, sujeitando-se à incidência da contribuição previdenciária patronal.
Ademais, o adicional de insalubridade não consta no rol das verbas que não integram o conceito de salário de contribuição, listadas no § 9° do art. 28 da Lei n. 8.212/1991, uma vez que não é importância recebida a título de ganhos eventuais, mas, sim, de forma habitual. Desse modo, em se tratando de verba de natureza SALARIAL, é legítima a incidência de contribuição previdenciária a cargo da empresa sobre o adicional de insalubridade.
9.2.3. Resultado final.
Incide a contribuição previdenciária patronal sobre o adicional de insalubridade, em razão da sua natureza remuneratória.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
É possível a arguição de nulidade como matéria de defesa em ação de infração de desenho industrial.
EREsp 1.332.417-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 12/6/2024, DJe 18/6/2024. (Info 818 STJ)
10.1. Situação FÁTICA.
Pardal Ltda ajuizou ação de obrigação de não fazer cumulada com perdas e danos em face de Mancha S.A., na qual alega a infração a registro de desenho industrial.
O tribunal local julgou o pedido procedente, mas Mancha interpôs recurso no qual defende a possibilidade de arguição de nulidade de patente e de desenho industrial como matéria de defesa em ações de infração, ao contrário do que foi decidido em acórdão.
10.2. Análise ESTRATÉGICA.
10.2.1. Questão JURÍDICA.
Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
10.2.2. Possível a arguição de nulidade como matéria de defesa?
R: Yeap!!!!
A Lei n. 9.279/1996 – Lei de Propriedade Industrial – exige, como regra, a participação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, autarquia federal, nas ações que objetivam a declaração de nulidade de direitos da propriedade industrial (marca, patente e desenho industrial), de modo que é da Justiça Federal a competência para processar e julgar tais demandas.
Esse mesmo diploma legal, no entanto, contém ressalva expressa no que diz respeito, especificamente, às patentes e aos desenhos industriais, autorizando a arguição de nulidade pelo réu, em ação de infração, como matéria de defesa. Nessas hipóteses, como a relação jurídica processual não é integrada pelo INPI, não há falar em usurpação de competência da Justiça Federal.
O reconhecimento da nulidade de patentes e de desenhos industriais pela Justiça estadual, por ocorrer em caráter incidental, somente opera efeitos inter partes, podendo servir, exclusivamente, como fundamento condutor do julgamento de improcedência dos pedidos deduzidos na correlata ação de infração.
Ademais, havendo autorização expressa na Lei n. 9.279/1996 acerca da possibilidade de arguição de nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa, obstar os efeitos da norma em questão resultaria em indevida restrição do direito fundamental à ampla defesa, em clara violação ao disposto no art. 5º, LV, da Constituição da República.
10.2.3. Resultado final.
É possível a arguição de nulidade como matéria de defesa em ação de infração de desenho industrial.
HABEAS CORPUS
Fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial configura fundada suspeita a autorizar busca pessoal em via pública, mas a prova desse motivo, cujo ônus é do Estado, por ser usualmente amparada apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio, o que implica rechaçar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos dos autos.
HC 877.943-MS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 18/4/2024, DJe 15/5/2024. (Info 818 STJ)
11.1. Situação FÁTICA.
Creitinho avistou e foi avistado por viatura policial. Por quase que reflexo, o rapaz saiu correndo, mas foi alcançado e abordado pelos policiais. Realizada busca pessoal, foram encontradas drogas na posse do rapaz.
Após a condenação por tráfico, a defesa de Creitinho impetrou Habeas Corpus no qual alega a nulidade da busca e apreensão em razão da ausência de fundada suspeita.
11.2. Análise ESTRATÉGICA.
11.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
11.2.2. Fundada suspeita???
R: SIM sinhô!!!
No julgamento do RHC n. 158.580/BA, a Sexta Turma do STJ propôs criteriosa análise sobre a realização de buscas pessoais e apresentou como conclusões, no que interessa: a) “Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência…” b) “Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial”.
No mesmo sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal encampou essa compreensão quanto à necessidade de elementos objetivos para a busca, ao firmar a tese, no HC n. 208.240/SP, de que “a busca pessoal, independente de mandado judicial, deve estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele, ou aparência física“.
Não se ignora que o STJ vem rechaçando a validade de buscas domiciliares realizadas com base apenas no fato de o suspeito haver corrido para dentro de casa ao avistar uma guarnição policial. Também não se desconhece a recente decisão proferida sobre o tema pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 169.788/SP. É importante notar, porém, que, ao contrário do que noticiaram alguns veículos de informação, embora a ordem de habeas corpus não haja sido concedida pela Suprema Corte, não houve maioria no colegiado para estabelecer a tese de que a fuga do suspeito para o interior da residência ao avistar a polícia justifica, por si só, o ingresso domiciliar. Assim, por imperativo de coerência, é necessário esclarecer o motivo pelo qual essa atitude, embora não justifique uma busca domiciliar sem mandado, pode justificar uma busca pessoal em via pública. Para isso, é preciso invocar a noção de standards probatórios, os quais devem seguir uma tendência progressiva, de acordo com a gravidade da medida a ser adotada.
Enquanto a proteção contra buscas pessoais arbitrárias está no Código de Processo Penal (art. 244) e decorre apenas indiretamente das proteções constitucionais à privacidade, à intimidade e à liberdade, a inviolabilidade do domicílio está prevista expressamente em diversos diplomas internacionais de proteção aos direitos humanos e na Constituição Federal, em inciso próprio do art. 5º, como cláusula pétrea, além de a afronta a essa garantia ser criminalizada nos arts. 22 da Lei n. 13.869/2019 e 150 do Código Penal. É bem verdade que as buscas pessoais são invasivas e algumas delas eventualmente podem ser quase tão constrangedoras quanto buscas domiciliares. No entanto, não há como negar a diferença jurídica de tratamento entre as medidas. Nesse sentido, o art. 5º, XI, da Constituição Federal exige, para o ingresso domiciliar sem mandado judicial – ressalvadas as hipóteses de “prestar socorro” ou “desastre” -, a existência de flagrante delito.
Ainda quanto ao assunto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 280, reputou necessário haver “fundadas razões” prévias quanto à existência de situação flagrancial no interior do imóvel. Assim, embora o STF não haja imposto um standard probatório de plena certeza, trata-se de uma exigência elevada quanto à provável existência de flagrante delito, diante da ressaltada dimensão que a proteção domiciliar ocupa e da interpretação restritiva que se deve atribuir às exceções a essa garantia fundamental. E, ao contrário do que se dá na busca pessoal, o direito à inviolabilidade do domicílio não protege apenas o alvo de uma atuação policial, mas todo o grupo de pessoas que residem ou se encontram no local da diligência.
No que concerne às buscas pessoais, apesar de evidentemente não poderem ser realizadas sem critério legítimo, o que a lei exige é a presença de fundada suspeita da posse de objeto que constitua corpo de delito, isto é, uma suspeição razoavelmente amparada em algo sólido, concreto e objetivo, que se diferencie da mera suspeita intuitiva e subjetiva.
É possível cogitar quatro motivos principais para que alguém empreenda fuga ao avistar uma guarnição policial: a) estar praticando crime naquele exato momento (flagrante delito); b) estar na posse de objeto que constitua corpo de delito (o que nem sempre representa uma situação flagrancial); c) estar em situação de descumprimento de alguma medida judicial (por exemplo, medida cautelar de recolhimento noturno, prisão domiciliar, mandado de prisão em aberto etc.) ou cometendo irregularidade administrativa (v. g. dirigir sem habilitação); d) ter medo de sofrer pessoalmente algum abuso por parte da polícia ou receio de ficar próximo a eventual tiroteio e ser atingido por bala perdida, sobretudo nas comunidades periféricas habitadas por grupos vulneráveis e marginalizados, em que a violência policial e as intensas trocas de tiros entre policiais e criminosos são dados presentes da realidade.
Com base nessas premissas, diante da considerável variabilidade de possíveis explicações para essa atitude, entende-se que fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial não configura, por si só, flagrante delito, nem algo próximo disso para justificar que se excepcione a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Trata-se, todavia, de conduta intensa e marcante que consiste em fato objetivo – não meramente subjetivo ou intuitivo -, visível, controlável pelo judiciário e que, embora possa ter outras explicações, no mínimo gera suspeita razoável, amparada em juízo de probabilidade, sobre a posse de objeto que constitua corpo de delito (conceito mais amplo do que situação de flagrante delito).
Ademais, também não se trata de mera “suspeita baseada no estado emocional ou na idoneidade ou não da reação ou forma de vestir” ou classificação subjetiva de “certa reação ou expressão corporal como nervosa”, o que é insuficiente para uma busca pessoal, segundo decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fernandez Prieto e Tumbeiro v. Argentina. Fugir correndo é mais do que uma mera reação sutil, como seria o caso, por exemplo, de: a) um simples olhar (ou desvio de olhar), b) levantar-se (ou sentar-se), c) andar (ou parar de andar), d) mudar a direção ou o passo, enfim, comportamentos naturais de qualquer pessoa que podem ser explicados por uma infinidade de razões, insuficientes, a depender do contexto, para classificar a pessoa que assim se comporta como suspeita. Essas reações corporais, isoladamente, são assaz frágeis para embasar de maneira sólida uma suspeição; a fuga, porém, se distingue por representar atitude intensa, nítida e ostensiva, dificilmente confundível com uma mera reação corporal natural.
Não se deve ignorar, entretanto, a possibilidade de que se criem discursos ou narrativas dos fatos para legitimar a diligência policial. Daí, por conseguinte, a necessidade de ser exercido um “especial escrutínio” sobre o depoimento policial, na linha do que propôs o Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO (Tema de Repercussão Geral n. 280): “O policial pode invocar o próprio testemunho para justificar a medida. Claro que o ingresso forçado baseado em fatos presenciados pelo próprio policial que realiza a busca coloca o agente público em uma posição de grande poder e, por isso mesmo, deve merecer especial escrutínio”.
Trata-se, portanto, de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase que inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade; do contrário, deve-se submetê-los a cuidadosa análise de coerência – interna e externa -, verossimilhança e consonância com as demais provas dos autos.
Assim, à luz de todas essas ponderações, conclui-se que fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial configura motivo idôneo para autorizar uma busca pessoal em via pública. Porém, a prova desse motivo, cujo ônus é do Estado, por ser usualmente amparada apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio, o que implica rechaçar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos dos autos.
No caso, o réu, ao avistar uma viatura policial que fazia patrulhamento de rotina na região dos fatos, correu, em fuga, para um terreno baldio, o que motivou a revista pessoal, na qual foram encontradas drogas. Assim, diante das premissas estabelecidas e da ausência de elementos suficientes para infirmar ou desacreditar a versão policial, mostra-se configurada a fundada suspeita de posse de corpo de delito a autorizar a busca pessoal, nos termos do art. 244 do CPP.
11.2.3. Resultado final.
Fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial configura fundada suspeita a autorizar busca pessoal em via pública, mas a prova desse motivo, cujo ônus é do Estado, por ser usualmente amparada apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio, o que implica rechaçar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos dos autos.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
A realização do julgamento de forma virtual, mesmo com a oposição expressa da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou de cerceamento de defesa.
AgRg no HC 832.679-BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 15/4/2024, DJe 18/4/2024. (Info 818 STJ)
12.1. Situação FÁTICA.
Em um processo criminal, foi realizado julgamento de forma virtual, mesmo com oposição expressa da parte ré. Após a condenação, a defesa impetrou Habeas Corpus no qual sustenta que tal prática implicaria em nulidade e cerceamento de defesa.
12.2. Análise ESTRATÉGICA.
12.2.1. Causa de nulidade?
R: Não é para tanto!!!
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido que não há, no ordenamento jurídico vigente, o direito de exigir que o julgamento ocorra por meio de sessão presencial. Portanto, o fato de o julgamento ter sido realizado de forma virtual, mesmo com a oposição expressa e tempestiva da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa.
Ademais, mesmo nas hipóteses em que cabe sustentação oral, se o seu exercício for garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, não haverá qualquer prejuízo ou nulidade, ainda que a parte se oponha a essa forma de julgamento, porquanto o direito de sustentar oralmente as suas razões não significa o de, necessariamente, o fazer de forma presencial.
Outrossim, não se demonstrou a necessidade de exclusão do feito da pauta virtual, não sendo suficiente para tanto a mera alegação de que deve ser dada a oportunidade de acompanhamento do julgamento do recurso interposto e a indicação abstrata de relevância da matéria.
12.2.2. Resultado final.
A realização do julgamento de forma virtual, mesmo com a oposição expressa da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou de cerceamento de defesa.
Créditos:
Estratégia Concursos