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1.          Benefício fiscal do PERSE: necessidade de inscrição no CADASTUR e vedação aos optantes do Simples Nacional

Indexador

Disciplina: Direito Tributário

Capítulo: Benefícios Fiscais

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

1. Para fruir do benefício fiscal do PERSE, é necessária a inscrição prévia no CADASTUR;

2. Optantes do Simples Nacional não podem se beneficiar da alíquota zero do PERSE, dada a vedação legal à cumulação com outros regimes favorecidos.

REsp 2.126.428-RJ e conexos, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025 (Tema 1283).

Conteúdo-Base

???? Lei 14.148/2021, art. 4º; Lei 11.771/2008, arts. 21 e 22; LC 123/2006, art. 24, § 1º.

???? O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) concede alíquota zero para PIS/Cofins, CSLL e IRPJ a empresas do setor turístico, desde que cadastradas regularmente no CADASTUR.

???? A inscrição no CADASTUR em 18/03/2022 passou a ser requisito legal (Lei 14.592/2023).

???? A LC 123/2006 proíbe expressamente o acúmulo de regimes tributários favorecidos, como o Simples Nacional, com benefícios fiscais não autorizados pela própria lei complementar.

Discussão e Tese

???? O STJ unificou o entendimento sobre os requisitos para adesão ao PERSE, especialmente a exigência do CADASTUR e a incompatibilidade com o Simples Nacional.

Para o STJ:

• A inscrição no CADASTUR é requisito objetivo para fruição do benefício, especialmente em setores como restaurantes e bares.

• A vedação à cumulação é regra estrutural do Simples Nacional e não pode ser afastada por lei ordinária.

Como será Cobrado em Prova

???? Empresas do Simples Nacional podem se beneficiar da alíquota zero do PERSE se exercerem atividade turística cadastrada na CNAE.

Errado. A LC 123/2006 veda expressamente a cumulação do Simples com benefícios fiscais como o do PERSE.

???? Para obter os benefícios fiscais do PERSE, é necessário estar regularmente inscrito no CADASTUR na data de corte definida em lei.

Correto. A legislação posterior tornou a inscrição no CADASTUR condição obrigatória.

Versão Esquematizada

???? PERSE – Requisitos
???? Lei 14.148/2021 e Lei 14.592/2023 ???? CADASTUR em 18/03/2022 → obrigatório ???? Simples Nacional ≠ cumulável com PERSE ???? CNAE + inscrição válida → exigência cumulativa ???? STJ: Tema 1283 – critérios fixados

Inteiro Teor

     A controvérsia repetitiva foi assim delimitada: Definir 1) se é necessário (ou não) que o contribuinte esteja previamente inscrito no CADASTUR, conforme previsto na Lei n. 11.771/2008, para que possa usufruir dos benefícios previstos no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), instituído pela Lei 14.148/2021; 2) se o contribuinte optante pelo SIMPLES Nacional pode (ou não) beneficiar-se da alíquota zero relativa ao PIS/COFINS, à CSLL e ao IRPJ, prevista no PERSE, considerando a vedação legal inserta no art. 24, § 1º, da LC n. 123/2006.

     O PERSE estabeleceu ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19, estabelecendo um benefício de alíquota 0% (zero por cento) para a Contribuição PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ (art. 4º da Lei n. 14.148/2021)..

     A primeira questão diz com a interpretação conjunta do art. 2º, § 1º, IV, da Lei n. 14.148/2021, e dos arts. 21 e 22 da Lei n. 11.771/2008. Busca-se a uniformização da jurisprudência quanto a legitimidade da exigência de prévia inscrição no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – CADASTUR, na data da publicação da Lei n. 14.148/2021, a fim de que as empresas prestadoras de serviços turísticos possam ingressar no PERSE.

     O art. 21 da Lei n. 11.771/2008 traz um rol de atividades econômicas que são consideradas como prestação de serviço de turismo em seu caput. Já, no parágrafo único, dispõe que as sociedades empresárias que prestam atividades enquadradas em um segundo rol de atividades econômicas “poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo”. Anote-se que a Lei n. 14.978, de 18 de setembro de 2024, fez ampliações no conceito de “prestadores de serviços turísticos”, transformou o parágrafo único em § 1º, dentre outras alterações, sem relevância para o deslinde desta controvérsia.

     Por sua vez, o art. 22 da Lei n. 11.771/2008 diz que as prestadoras de serviços turísticos, definidas no artigo anterior, “estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo”, o mencionado CADASTUR.

     O entendimento adotado pelo Ministério da Economia e pela Receita Federal do Brasil foi no sentido de que a “prestação de serviços turísticos” só dá jus ao benefício fiscal se a sociedade empresária estiver inscrita e em situação regular no CADASTUR no momento da publicação das partes vetadas da Lei n. 14.148/2021 (18/3/2022). Nesse mesmo sentido, as normas complementares contêm listas de códigos na CNAE que são potencialmente entendidos como “prestação de serviços turísticos”. O enquadramento nos códigos listados, no entanto, não é tido por suficiente: exige-se a combinação com a inscrição regular no CADASTUR por ocasião da publicação da lei que criou o PERSE.

     Esse entendimento do Poder Executivo foi posteriormente positivado em lei. A Medida Provisória n. 1.147/2022, convertida na Lei n. 14.592/2023, introduziu § 5º no art. 4º da Lei n. 14.148/2021, condicionando o benefício “à regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (CADASTUR)”.

     Ademais, alguns setores são apenas eventualmente ligados à cadeia produtiva do turismo, como o setor de “restaurantes, cafeterias, bares e similares” (art. 21, parágrafo único, I, atual § 1º, I, da Lei n. 11.771/2008), a depender da clientela para o qual o estabelecimento é voltado. Justamente por essa razão, a pessoa prestadora de tais serviços têm a prerrogativa de se cadastrar ou não no CADASTUR, de modo que, somente se cadastrada, terá que observar as obrigações e fará jus aos direitos pertinentes do status de prestador de serviços turísticos, sendo, sob esse aspecto, o cadastro é facultativo. Assim, para esses setores, a opção pelo cadastro é constitutiva da situação de prestador de serviços turísticos, e é nesse sentido que deve ser compreendida a obrigatoriedade do cadastro, prevista no art. 22, em relação àqueles que poderão ser cadastrados, na forma do art. 21, § 1º, da Lei n. 11.771/2008.

     Assim, a exigência da regularidade no CADASTUR foi o critério elemento indicativo adicional para indicar que, naquele caso, o contribuinte do ramo de restaurantes, cafeterias, bares e similares é um prestador de serviços turísticos.

     O § 2º do art. 2º da Lei n. 14.148/2021 é relevante porque autoriza o Poder Executivo a complementar a lei e estabelecer o código do CNAE como critério de enquadramento no Programa. Em um momento em que o distanciamento social era uma exigência de saúde pública, esse mandado conferido pelo legislador ao Poder Executivo simplificava a demonstração do direito ao benefício.

     No entanto, esse dispositivo não exclui a articulação com outros elementos indicativos, que sejam demonstrativos do conceito legal em tela. No caso da prestação de serviços turísticos, é perfeitamente adequada a articulação com o CADASTUR, cadastro com previsão legal específica.

     Se o CADASTUR não fosse usado como elemento indicativo, todo e qualquer restaurante ou assemelhado faria jus ao PERSE. A lei não deu essa amplitude ao universo de beneficiados, na medida em que o benefício foi ligado ao setor de turismo, não de alimentação.

     Dessa forma, a leitura conjunta do inciso IV do § 1º do art. 2º, Lei n. 14.148/2021, que menciona a “prestação de serviços turísticos”, remetendo sua definição a dispositivo de outra lei (art. 21 da Lei n. 11.771/2008); com o § 2º do mesmo artigo, que estabelece o código da CNAE como elemento indicativo do enquadramento na definição, permite buscar outros elementos indicativos da medida de comparação na legislação específica sobre a prestação de serviços turísticos. A inscrição regular no CADASTUR em dado momento complementa a demonstração da hipótese legal de tratamento diferenciado e está em conformidade com o texto e a finalidade da lei.

     A segunda questão diz respeito à restrição da fruição do mesmo benefício fiscal de redução a 0% (zero por cento) da alíquota para a Contribuição PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ, previsto no art. 4º da Lei n. 14.148/2021, pelas pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional, tendo em vista a interpretação do art. 24, § 1º, da Lei Complementar n. 123/2006.

     O Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional é um regime especial e opcional de tributação que permite o recolhimento unificado dos principais impostos e contribuições (arts. 12 e 13 da Lei Complementar n. 123/2006).

     Como regime especial, o Simples Nacional é regido por uma série de normas aplicáveis aos optantes. Uma dessas normas é a regra que veda a cumulação do regime simplificado com benefícios fiscais (art. 24, § 1º, da Lei Complementar n. 123/2006). A vedação de cumulação faz parte do Simples Nacional, sendo ela aplicável, ainda que não haja reprodução na legislação de regência do benefício fiscal.

     Essa vedação de cumulação é peremptória e inexorável. Não se deixou espaço para aplicação de legislação excepcional ou temporária, como é o caso da Lei n. 14.148/2021, que trata de medidas de combate à pandemia da Covid-19. A Lei Complementar despreza as benesses estabelecidas no exercício da competência tributária por quaisquer dos entes da federação, “exceto as previstas ou autorizadas nesta Lei Complementar”.

     Além disso, tendo em vista o caráter opcional do regime simplificado, aos contribuintes não cabe invocar o princípio da igualdade para exigir o tratamento favorecido. A microempresa ou empresa de pequeno porte não é obrigada a recolher seus tributos pelo regime do Simples Nacional, podendo seguir os regimes não simplificados de tributação, se assim for de seu interesse. Logo, o benefício fiscal não pode ser estendido, com base na isonomia.

     Dessa forma, os optantes do Simples Nacional não fazem jus ao benefício do art. 4º da Lei n. 14.148/2021.

2.        Bem de família e execução de hipoteca para dívida empresarial

Indexador

Disciplina: Direito Civil / Direito Processual Civil

Capítulo: Execução e Garantias

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

            1.         A exceção à impenhorabilidade do bem de família em hipoteca só se aplica se a dívida tiver beneficiado a entidade familiar;

            2.         Quando os sócios são os únicos proprietários do imóvel hipotecado, presume-se o benefício familiar, cabendo ao devedor provar o contrário.

REsp 2.093.929-MG e REsp 2.105.326-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 5/6/2025 (Tema 1261).

Conteúdo-Base

???? Lei 8.009/1990, art. 3º, V.

???? A hipoteca feita por pessoa física para garantir dívida de empresa familiar pode comprometer o bem de família.

???? A exceção à impenhorabilidade exige prova de que a dívida beneficiou a família.

???? A distribuição do ônus da prova varia conforme a titularidade do imóvel.

Discussão e Tese

V, da Lei 8.009/90 em execuções de dívida empresarial com garantia hipotecária.

Para o STJ:

• Se o imóvel é de sócio que não é único titular da empresa → credor deve provar o benefício familiar.

• Se o imóvel pertence exclusivamente aos sócios da empresa → presume-se o benefício, cabendo ao devedor afastá-lo.

Como será Cobrado em Prova

???? Se todos os sócios da empresa são os proprietários do imóvel hipotecado, presume-se que a dívida beneficiou a entidade familiar.

Correto. A presunção pode ser afastada, mas inverte-se o ônus da prova.

???? O imóvel residencial oferecido em hipoteca por um dos sócios de empresa familiar pode ser penhorado independentemente do benefício à família.

Errado. O STJ exige prova de que a dívida favoreceu a entidade familiar para aplicar a exceção à impenhorabilidade.

Versão Esquematizada

???? Bem de Família – Hipoteca Empresarial
???? Lei 8.009/1990, art. 3º, V ???? Exceção → só com benefício familiar ???? Prova do credor (1 sócio) ???? Prova do devedor (sócios únicos) ???? STJ: Tema 1261 – critérios definidos

Inteiro Teor

     A questão em discussão consiste em saber se a penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar, exige comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar, e como se distribui o ônus da prova nas garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária.

     O bem de família previsto na Lei n. 8.009/1990 constitui forma de proteção do imóvel urbano ou rural destinado à moradia familiar, retirando-o da possibilidade de excussão juntamente com os demais bens que compõem o patrimônio do devedor. Trata-se, em verdade, de proteção cujo instituidor é o próprio Estado, criada por norma de ordem pública e instituída imediata e ex lege pelo simples fato de constituir o imóvel residência do grupo familiar.

     No entanto, a Lei n. 8.009/1990 excepciona a regra da impenhorabilidade do bem de família na hipótese de execução hipotecária sobre o imóvel oferecido pelo casal ou entidade familiar: art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) V – para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

     O dispositivo legal torna penhorável o imóvel destinado à moradia da família desde que o bem tenha sido oferecido à constituição de garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar.

     O Superior Tribunal de Justiça, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter com a necessária proteção à moradia erga omnes da família, ao interpretar a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar, avançando para distribuir o ônus da prova da seguinte forma: (i) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e (ii) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

     Deve ser referido que a hipótese em que se justifica a exceção à impenhorabilidade se origina no oferecimento do bem imóvel em garantia hipotecária, comumente para o entabulamento de contrato de mútuo, de forma voluntária e formal, pelo devedor ou devedores.

     A partir do contexto da existência da garantia hipotecária, constituída sobre o imóvel ofertado pelo devedor, as instituições financeiras concedem-lhe financiamentos, pautados na confiança legítima e na formalização da garantia.

     Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo potest venire contra factum proprium tem por efeito impedir o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia.

     Desta forma, fixam-se as seguintes TESES: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar; II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

3.         Aposentadoria provisória e contagem de tempo de contribuição

Indexador

Disciplina: Direito Previdenciário / Direito Processual Civil

Capítulo: Benefícios Previdenciários

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Procuradorias

Destaque

Não é possível computar o período de percepção de aposentadoria por tempo de contribuição obtida via tutela provisória posteriormente revogada para fins de nova aposentadoria.

REsp 1.457.398-SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 13/5/2025

Conteúdo-Base

???? Lei 8.213/1991; CPC/2015, art. 300, § 3º.

???? A tutela provisória é precária e reversível.

???? O benefício cessado por decisão posterior não gera direito adquirido ao tempo de recebimento.

???? O tempo de contribuição exige recolhimento efetivo de contribuições, o que não se dá durante o recebimento do benefício.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se o tempo de recebimento de aposentadoria provisória pode ser somado para futura concessão.

Para o STJ:

• A revogação da tutela implica retorno à situação anterior.

• Não houve exercício de atividade remunerada nem contribuição nesse período.

• A contagem violaria a natureza contributiva do regime.

Como será Cobrado em Prova

???? O tempo em que o segurado recebeu benefício previdenciário provisório pode ser somado como tempo de contribuição, mesmo após revogação da tutela.

Errado. O STJ afirma que, revogada a tutela, não há direito à contagem, pois não houve contribuição efetiva.

???? A aposentadoria provisória cessada por revogação judicial gera efeitos para fins de cômputo de tempo de contribuição.

Errado. O tempo não pode ser considerado como contribuição válida.

Versão Esquematizada

???? Tutela Antecipada e Tempo de Contribuição
???? Tutela → precária e reversível ???? Revogada = retorno ao status quo ???? Sem recolhimento → sem tempo válido ???? STJ: contagem indevida

Inteiro Teor

     A questão submetida a julgamento consiste em saber se o tempo em que o recorrente recebeu o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em razão de tutela provisória posteriormente revogada pode ser somado ao seu tempo de contribuição com a finalidade de obter a aposentadoria.

     Em regra, a tutela antecipada ou de urgência figura como provimento judicial provisório e reversível (art. 273, § 2º, do CPC/1973 e artigos 296 e 300, § 3º, do CPC/2015). Ou seja, a rigor, a revogação da decisão que concede o mandamento provisório produz efeitos imediatos e retroativos, impondo o retorno à situação anterior ao deferimento da medida, cujo ônus deve ser suportado pelo beneficiário da tutela.

     Com efeito, como o cumprimento provisório ocorre por iniciativa e responsabilidade do autor, cabe a este, em regra, suportar o ônus decorrente da reversão da decisão precária, visto que, a rigor, pode, de antemão, prever os resultados de eventual cassação da medida, escolher sujeitar-se a tais consequências e até mesmo trabalhar previamente para evitar ou mitigar o dano no caso de reversão.

     Nesse sentido, no julgamento da Pet 12.482/DF, a Primeira Seção do STJ ratificou o entendimento anteriormente firmado no julgamento do Tema repetitivo n. 692 do STJ, segundo o qual a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela obriga a parte beneficiária à restituição dos valores recebidos.

     Desse modo, cassada a decisão que antecipa a tutela, a parte beneficiária obriga-se à devolução dos valores, uma vez que é da natureza do instituto a reversibilidade dos efeitos da decisão, conforme dispõe o § 3º do art. 300 do CPC.

     Portanto, a tutela provisória, tendo natureza precária e provisória, uma vez cassada, deve restituir as partes à situação anterior ao seu deferimento.

     Além disso, a legislação que rege a matéria (Lei n. 8.213/1991 e o Decreto n. 3.048/1999) estabelece expressamente qual é o período que deve ser considerado como tempo de contribuição do segurado que deixou de exercer atividade remunerada.

     Verifica-se, pois, que o conceito normativo de tempo de contribuição é o tempo correspondente aos períodos para os quais tenha havido contribuição obrigatória ou facultativa para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

     Logo, conjugando-se a definição do que deve ser considerado como tempo de contribuição, nos termos da legislação de regência, com a natureza precária da antecipação de tutela, os valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela não podem ser equiparados aos benefícios de auxílio-acidente ou de aposentadoria por invalidez.

4.        Cobrança de laudêmio em permuta no local envolvendo terrenos de marinha

Indexador

Disciplina: Direito Administrativo

Capítulo: Terrenos de Marinha e Laudêmio

Área

Magistratura

Procuradorias

Destaque

É legítima a cobrança de laudêmio na transferência onerosa de imóveis edificados sobre terrenos de marinha, ainda que decorrente de “permuta no local” entre o ex-titular do domínio útil e a incorporadora.

REsp 1.652.517-SC, Rel. Min. Afrânio Vilela, Segunda Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 9.636/1998; Decreto-Lei 9.760/1946.

???? A permuta não descaracteriza a transferência onerosa, pois envolve troca com valor econômico.

???? A transferência dos imóveis ao ex-proprietário configura fato gerador autônomo do laudêmio.

???? A titularidade parcial reservada não desconstitui a operação perante a União.

???? A permuta difere de contrato de empreitada.

Discussão e Tese

???? O STJ discutiu a incidência do laudêmio na permuta entre o titular do domínio útil e a incorporadora, quando parte do terreno é devolvida em forma de imóveis construídos.

Para o STJ:

• A permuta equivale a negócio oneroso.

• A titularidade privada não se sobrepõe à exigência pública.

• A reserva contratual não substitui aforamento ou registro formal junto à União.

Como será Cobrado em Prova

???? A permuta entre particular e incorporadora sobre terreno de marinha isenta o novo imóvel da incidência de laudêmio.

Errado. O STJ entendeu que a permuta é negócio oneroso e incide o laudêmio, inclusive sobre os imóveis entregues.

???? A entrega de imóveis edificados ao antigo titular do terreno em permuta sobre área de marinha isenta a incidência do laudêmio.

Errado. O STJ reconheceu a legitimidade da cobrança por configurar transferência onerosa.

Versão Esquematizada

???? Laudêmio – Permuta em Terreno de Marinha
???? Transferência onerosa = fato gerador ???? Permuta = negócio jurídico com valor ???? Reserva de titularidade ≠ oponível à União ???? STJ: legitimidade da cobrança reconhecida

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de cobrança do laudêmio pela transferência onerosa de imóveis edificados sobre terreno de marinha, em caso de “permuta no local”, espécie de negócio pelo qual a incorporadora recebe o terreno em troca dos imóveis futuramente construídos.

     Segundo o Tribunal de origem, a incidência não estaria justificada porque a parte recorrida reservou para si, desde o início, a parcela de 22,43% da fração ideal do terreno, por ocasião da primeira etapa da permuta. Essa parcela seria equivalente aos imóveis construídos que, portanto, jamais teriam saído da titularidade do cedente do domínio útil.

     Contudo, para o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito privado, essa entrega dos imóveis construídos é uma relação autônoma, pela qual o ex-proprietário do terreno paga, com ele, pelos novos imóveis que recebe. Isto é: a permuta não desnatura o negócio consumerista de compra do imóvel construído (REsp n. 686.198/RJ, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/10/2007, DJ de 1/2/2008), nem a relação tributária imobiliária das duas etapas da troca (REsp n. 722.752/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/3/2009, DJe de 11/11/2009).

     Não há nem mesmo possibilidade de confusão entre o domínio útil do terreno e dos imóveis construídos, como parece ter concluído a origem. Pela natureza do negócio entabulado, o que se pode compreender é que as construções transferidas ao ex-titular do domínio útil sobre o terreno equivaleriam, financeiramente, a aproximados 78% do valor do domínio útil do terreno todo, razão pela qual a parte recorrida reservou a titularidade da parcela remanescente. Essa questão, porém, diz respeito unicamente aos particulares e ao valor do negócio entre eles.

     Caso fossem relações privadas, haveria regular cobrança de ITBI (ou tributos sobre a renda, conforme o caso) sobre ambas as etapas da troca, tanto na transferência do terreno à construtora quanto na entrega dos imóveis construídos ao ex-proprietário do terreno.

     Em analogia, sendo aqui abordada relação de direito administrativo, há incidência do laudêmio pela transferência dos imóveis edificados, que não se confundem, de qualquer maneira, com o terreno anteriormente existente.

     Concluída a obra, portanto, aperfeiçoa a permuta pela transferência do novo imóvel ao ex-titular do domínio útil do terreno. É dizer, em outros termos, que a permuta no local não se confunde com contrato de empreitada, realizada esta pela construtora, em troca do domínio útil do terreno.

     Assim, no que tange ao pagamento do laudêmio sobre as edificações, o acórdão comporta reforma.

     Quanto à questão do laudêmio sobre o terreno nu, conforme a inicial, a autora reservou para si 22% das benfeitorias existentes sobre o terreno, e não sobre o próprio terreno. Não é possível compreender essa condição como reserva da titularidade do domínio útil sobre o terreno de marinha.

     Ainda que a reserva tivesse sido efetivada sobre o terreno, o que se extrairia seria a existência de uma espécie de “contrato de gaveta” sobre a titularidade do domínio útil do terreno de marinha, eventualmente válido entre os particulares, mas inoponível à União, ainda que registrado. Isso porque a transferência parcial do domínio útil demandaria novo aforamento e desmembramento do imóvel. Nesse mesmo sentido, por analogia, são as teses fixadas nos Temas a n. 1.142/STJ e n. 419/STJ.

     Nesse sentido, a transferência do domínio útil poderia ser parcial, disso não há dúvida, e somente seria cobrado o laudêmio sobre a parcela transferida, mas para isso seria necessária a atribuição da propriedade. Porém, o anterior titular do domínio não providenciou esse ato, tanto assim que foi necessário o recolhimento integral do laudêmio.

     Inexiste nessa exigência administrativa ilicitude apta a desconstituir a cobrança. Seria indispensável evidenciar a nulidade do ato administrativo, em primeiro lugar, ainda que pela regularização da titularidade do terreno de marinha, para posteriormente discutir-se a eventual insubsistência da cobrança.

     Dessa forma, mantida a premissa de que a transferência, no que tange à União, foi integral, não é viável restituir o laudêmio por força de contrato entre os particulares.

5.        Plano de saúde e negativa de cobertura de medicamento com canabidiol

Indexador

Disciplina: Direito Civil / Direito do Consumidor

Capítulo: Contratos de Plano de Saúde

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Destaque

É lícita a negativa de cobertura, por plano de saúde, de medicamento à base de canabidiol de uso domiciliar, não listado no rol da ANS.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/6/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 9.656/1998, art. 10, VI e §13.

???? Medicamentos de uso domiciliar só têm cobertura obrigatória se expressamente previstos em lei, contrato ou normas da ANS.

???? A forma de administração (em casa) é determinante.

???? O canabidiol não está listado e não foi prescrito para internação ou uso sob supervisão contínua.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se é abusiva a negativa de cobertura de medicamento à base de canabidiol administrado em domicílio.

Para o STJ:

• O uso domiciliar retira a obrigatoriedade de cobertura.

• A exceção legal exige previsão contratual ou regulamentar.

• Não houve violação à boa-fé ou à função social do contrato.

Como será Cobrado em Prova

???? Medicamentos de uso domiciliar devem ser sempre cobertos pelo plano de saúde, desde que tenham prescrição médica.

Errado. O STJ entende que a cobertura depende de previsão contratual, legal ou regulamentar, especialmente quando o uso for domiciliar.

???? É válida a negativa de cobertura de medicamento à base de canabidiol de uso domiciliar, quando ausente previsão contratual e regulamentar.

Correto. A decisão reafirma a aplicação do art. 10, VI, da Lei 9.656/1998.

Versão Esquematizada

???? Canabidiol – Plano de Saúde
???? Uso domiciliar = regra de exclusão ???? Rol da ANS → não incluído ???? Exceções: contrato, internação, supervisão direta ???? STJ: negativa lícita

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia quanto à obrigatoriedade ou não de cobertura, pela operadora de plano de saúde, de medicamento à base de canabidiol (pasta de canabidiol), de uso domiciliar, não previsto no rol da ANS, prescrito para o tratamento de beneficiária diagnosticada com transtorno do espectro autista.

     É clara a intenção do legislador, desde a redação originária da Lei 9.656/1998, de excluir os medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória imposta às operadoras de planos de saúde; por esse motivo, inclusive, de lá para cá, algumas poucas exceções a essa regra foram sendo acrescentadas à lei e ao rol da ANS.

     Admitir que há obrigação de cobertura de medicamentos de uso domiciliar quando preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998 é, na prática, fazer daquela regra uma exceção, considerando que estariam as operadoras obrigadas a prestar assistência farmacológica a um significativo número de beneficiários, portadores de variadas doenças crônicas, para cujo tratamento há, no mercado, inúmeros medicamentos de uso domiciliar de comprovada eficácia, nos moldes do que exige o § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998.

     Essas duas normas, portanto, conforme entendimento doutrinário, devem ser interpretadas como “partes de um só todo, destinadas a complementarem-se mutuamente”.

     Dessa forma, por força do que dispõe o art. 10, VI, da Lei 9.656/1998, salvo nas hipóteses excepcional e expressamente previstas em lei, no contrato ou em norma regulamentar, a operadora não está obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar (exceção legal), ainda que preenchidos os requisitos do § 13, porquanto tais requisitos, de acordo com a própria redação do dispositivo, estão relacionados à obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento excluído do plano-referência apenas por não estar previsto no rol da ANS (exceção regulamentar).

     Especificamente quanto à cobertura de medicamento à base de canabidiol, é certo que há, na jurisprudência do STJ, julgados no sentido de impor a sua cobertura à operadora do plano de saúde (AgInt no REsp 2.107.501/SP, Terceira Turma, julgado em 14/10/2024, DJe de 17/10/2024; AgInt nos EDcl no REsp 2.107.741/SP, Terceira Turma, julgado em 26/8/2024, DJe de 29/8/2024; REsp 2.128.977/SP, Ministro Antônio Carlos Ferreira, DJe 09/09/2024; REsp 2.130.379/SP, Ministro João Otávio de Noronha, DJe 07/05/2024).

     No entanto, quando essa questão foi examinada sob a ótica da forma de administração do medicamento (domiciliar), como no presente recurso, a Terceira Turma do STJ afastou tal obrigação, concluindo que “a regra que impõe a obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS (§ 13) não alcança as exceções previstas nos incisos do caput do art. 10 da Lei 9.656/1998, de modo que, salvo nas hipóteses estabelecidas na lei, no contrato ou em norma regulamentar, não pode a operadora ser obrigada à cobertura de medicamento de uso domiciliar, ainda que preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998” (REsp 2.071.955/RS, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024).

     Convém ressaltar que não prospera o argumento de que “os medicamentos à base de canabidiol, embora sejam de uso domiciliar, não devem ser equiparados àqueles adquiridos diretamente pelos consumidores em farmácias comuns”, porque o que caracteriza o medicamento como de uso domiciliar é a sua forma de administração – em ambiente externo ao de unidade de saúde.

     Convém ademais ressaltar, noutra toada, que a cobertura será obrigatória se a medicação, embora de uso domiciliar, for administrada durante a internação domiciliar substitutiva da hospitalar, nos termos do que estabelece o art. 12, II, d, da Lei 9.656/1998, e o art. 13 da Resolução ANS 465/2021.

     Igualmente, ainda que administrado em ambiente externo ao de unidade de saúde, como em domicílio, será obrigatória a sua cobertura se exigir a intervenção ou supervisão direta de profissional de saúde habilitado (REsp 1.927.566/RS, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021; AgInt nos EREsp 1.895.659/PR, Segunda Seção, julgado em 29/11/2022, DJe de 9/12/2022).

     Por fim, insta salientar que tramita, no Senado Federal, o PL 89/2023, que visa ao fornecimento, pelo SUS, de medicamentos formulados de derivado vegetal à base de canabidiol, de modo que espera-se, assim, que, em breve, todos aqueles que necessitam de medicamentos de uso domiciliar à base de canabidiol possam ter acesso gratuito ao fármaco devidamente prescrito.

6.        Responsabilidade por acidente de trânsito e fortuito externo

Indexador

Disciplina: Direito Civil

Capítulo: Responsabilidade Civil

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Destaque

Não há responsabilidade do motorista por acidente de trânsito causado exclusivamente por estouro de pneu com defeito de fabricação, por configurar fortuito externo.

REsp 2.203.202-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

Conteúdo-Base

???? CDC, art. 12; CC, art. 927, parágrafo único.

???? A teoria do corpo neutro exclui o nexo causal quando o agente é mero instrumento de fato externo imprevisível.

???? O defeito do produto rompe o nexo de causalidade entre conduta e dano.

???? Não se aplica a responsabilidade objetiva por ausência de voluntariedade.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se o motorista responde civilmente por acidente causado por defeito no pneu, sem culpa.

Para o STJ:

• O defeito caracteriza fortuito externo.

• Não houve dolo, culpa ou infração de dever objetivo de cuidado.

• A responsabilidade do fabricante pode ser discutida, mas não a do condutor.

Como será Cobrado em Prova

???? O estouro do pneu por defeito de fabricação rompe o nexo causal e afasta a responsabilidade do condutor em caso de acidente.

Correto. A decisão aplica a teoria do corpo neutro.

Versão Esquematizada

???? Acidente de Trânsito – Fortuito Externo
???? CDC, art. 12; CC, art. 927 ???? Defeito → causa exclusiva do dano ???? Motorista = corpo neutro ???? STJ: ausência de responsabilidade

Inteiro Teor

     O propósito da controvérsia consiste em decidir se deve ser afastada a responsabilidade do motorista por fato de terceiro (fortuito externo), diante de acidente de carro, comprovadamente causado por defeito de fabricação no pneu, que resultou em danos a outrem.

     No caso, o motorista de carro, em razão do estouro de pneu por defeito de fabricação, perdeu o controle da direção e colidiu com caminhão, o que ocasionou a morte do primeiro condutor e danos materiais ao segundo.

     Diante da responsabilidade civil extracontratual derivada de acidentes automobilísticos, o Superior Tribunal de Justiça tem realizado interpretação a partir da teoria do corpo neutro, segundo a qual há a exclusão do nexo de causalidade por fato de terceiro quando este for a única causa do dano, sendo que tal se verifica quando não há ato volitivo do agente utilizado como instrumento. A teoria, usualmente invocada em situações de engavetamento, abrange também hipóteses nas quais o agente é, de modo inevitável, reduzido a mero instrumento físico por meio do qual terceiro ocasiona o dano.

     Nos sinistros veiculares, a decisão acerca da existência de fortuito externo (com o rompimento do nexo de causalidade) guarda intrínseca relação com a voluntariedade do agente no momento do acidente, isto é, com os elementos subjetivos da responsabilidade civil (dolo ou culpa).

     Compreende-se como involuntária e não volitiva a atuação do motorista de carro que, em razão do estouro de pneu por – comprovado – defeito de fabricação, perde o controle da direção e colide com caminhão, ocasionando a morte do primeiro condutor e danos materiais ao segundo. Nesta situação, o defeito do produto (art. 12 do CDC) configura fortuito externo que, por si só, é capaz de romper o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocasionado a outrem.

     Sem desconsiderar que os automóveis são instrumentos com potencialidade lesiva, não se pode conceber que a mera condução de veículo seja, de per si, causa suficiente para aplicação automática da responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único, do Código Civil), ainda mais quando o automóvel se encontra em velocidade compatível com a via e com sinais de manutenção regular.

     Conclui-se que o defeito do produto (art. 12 do CDC) configura fortuito externo que, por si só, é capaz de romper o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocasionado a outrem.

7.        Pedido de gratuidade de justiça após a primeira manifestação: admissibilidade e efeitos

Indexador

Disciplina: Direito Processual Civil

Capítulo: Gratuidade da Justiça

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Destaque

O pedido de gratuidade de justiça pode ser formulado em qualquer momento do processo, inclusive após a primeira manifestação da parte, sem necessidade de comprovação de alteração na situação financeira, sendo seus efeitos prospectivos.

REsp 2.186.400-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/6/2025.

Conteúdo-Base

???? CPC, art. 99, caput e §1º.

???? A gratuidade pode ser requerida a qualquer tempo e grau.

???? Não se exige prova de variação patrimonial se o pedido for superveniente.

???? Os efeitos são prospectivos e não retroagem a encargos processuais anteriores.

???? Exceções ocorrem apenas quando houver revisão de benefício anteriormente deferido ou negado.

Discussão e Tese

???? A controvérsia era se o pedido posterior à contestação exige comprovação de alteração econômica.

Para o STJ:

• Não há exigência de mudança patrimonial.

• A avaliação deve considerar o momento do requerimento.

• Encargos anteriores não são abrangidos automaticamente.

Como será Cobrado em Prova

???? A gratuidade de justiça pode ser requerida mesmo após a primeira manifestação da parte nos autos.

Correto. O art. 99 do CPC permite a formulação em qualquer momento.

???? O pedido superveniente de gratuidade não precisa ser acompanhado de prova de alteração da situação financeira.

Correto. A jurisprudência do STJ afasta essa exigência.

Versão Esquematizada

???? Gratuidade – Pedido Superveniente
???? CPC, art. 99 ???? A qualquer tempo ???? Sem exigência de variação econômica ???? Efeitos apenas prospectivos ???? STJ: admissibilidade confirmada

Inteiro Teor

     O propósito recursal consiste em decidir se a concessão da gratuidade de justiça, requerida pela primeira vez em sede recursal, exige a comprovação do decréscimo patrimonial ou da redução da capacidade econômico-financeira do requerente.

     De acordo com o art. 99, caput e § 1º, do CPC, “o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso”, sendo que, “se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo”.

     A corroborar o texto legal, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a gratuidade da justiça pode ser solicitada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (AgInt nos EDcl no AREsp 1.064.017/SC, Quarta Turma, DJe de 20/5/2019; AgInt no AREsp 862.843/PR, Quarta Turma, DJe de 28/8/2017; e AgRg no Ag 979.812/SP, Quarta Turma, DJe de 5/11/2008).

     Além disso, a legislação não impõe que o pedido superveniente de gratuidade, formulado após a primeira manifestação nos autos, venha acompanhado de provas da alteração da condição econômica do requerente. Portanto, a análise deve considerar a situação financeira no momento da solicitação, sendo irrelevante eventual variação patrimonial desde o início da demanda. Presentes os requisitos legais (insuficiência de recursos financeiros), o benefício será concedido; ausentes, será indeferido.

     Situação diversa ocorre quando a benesse houver sido anteriormente negada ou concedida e fatos supervenientes tenham o condão de possibilitara sua revisão.

     Apesar da possibilidade de requerer a gratuidade a qualquer momento, o benefício não retroage para alcançar encargos processuais anteriores ao pedido. Ou seja, o indivíduo que o pleitear em momento posterior não está desincumbido dos débitos anteriores ao deferimento da benesse, entre os quais se incluem os honorários advocatícios a que fora previamente condenado.

8.        Indeferimento da gratuidade: exigência de preparo e prazo

Indexador

Disciplina: Direito Processual Civil

Capítulo: Gratuidade da Justiça

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Destaque

preparo recursal só é exigível após o julgamento do agravo interno interposto contra decisão monocrática que indeferiu o pedido de gratuidade, ou após o decurso do prazo sem sua interposição.

REsp 2.186.400-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/6/2025.

Conteúdo-Base

???? CPC, art. 101, §2º; CF, art. 5º, XXXV.

???? A decisão monocrática que indefere a gratuidade pode ser impugnada por agravo interno.

???? O preparo só é exigível após confirmação colegiada do indeferimento.

???? O recurso não pode ser julgado deserto nesse ínterim.

???? Princípios: acesso à justiça, duplo grau e primazia do julgamento de mérito.

Discussão e Tese

???? O STJ definiu o momento em que nasce a exigência de preparo após indeferimento da gratuidade.

Para o STJ:

• A exigência prematura compromete o contraditório.

• A regra protege a parte hipossuficiente.

• A exigibilidade se dá após decisão colegiada ou inércia recursal.

Como será Cobrado em Prova

???? Indeferida a gratuidade, o preparo recursal deve ser recolhido imediatamente, sob pena de deserção.

Errado. O STJ exige o esgotamento da via recursal antes de considerar o recurso deserto.

Versão Esquematizada

???? Gratuidade Indeferida – Efeitos
???? CPC, art. 101, §2º ???? Agravo interno → suspende exigência de preparo ???? Acesso à justiça e contraditório ???? STJ: exigibilidade postergada

Inteiro Teor

          O propósito recursal consiste em decidir se o recolhimento do preparo recursal pode ser exigido pelo relator antes do transcurso do prazo para a interposição de agravo interno contra a decisão de indeferimento da gratuidade da justiça.

     Quando o relator indefere o pedido de gratuidade da justiça, a determinação de recolhimento do preparo no prazo de 5 dias, na forma do art. 101, § 2º, do CPC, só pode ocorrer após a confirmação do indeferimento, o que ocorre (I) pelo julgamento do agravo interno interposto contra a referida decisão; ou (II) pelo transcurso do prazo recursal sem a interposição do agravo interno.

     Trata-se de interpretação que melhor se coaduna com o disposto no art. 101, § 2º, do CPC e com o direito fundamental de acesso à justiça aos economicamente hipossuficientes (art. 5º, XXXV, da CF/88), o princípio da primazia do julgamento de mérito (artigos 4º e 6º do CPC) e o direito ao julgamento colegiado.

     Nesse panorama, uma vez interposto agravo interno contra a decisão monocrática que indeferiu a gratuidade de justiça, o preparo não é exigível imediatamente, devendo-se observar o prazo disposto na lei, e o recurso não poderá ser julgado deserto enquanto não confirmado o indeferimento pelo órgão colegiado.

9.        Superendividamento: ausência de contraproposta não gera sanções automáticas

Indexador

Disciplina: Direito do Consumidor

Capítulo: Superendividamento

Área

Magistratura

Defensoria Pública

Destaque

A ausência de contraproposta por parte do credor na audiência de repactuação de dívidas por superendividamento não acarreta automaticamente as penalidades previstas no art. 104-A, §2º, do CDC.

REsp 2.188.689-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 17/6/2025.

Conteúdo-Base

???? CDC, art. 104-A, §2º; Lei 14.181/2021.

???? A Lei do Superendividamento prevê duas fases: conciliação e, se frustrada, fase judicial.

???? Sanções previstas para ausência injustificada ou falta de poderes para transigir.

???? A falta de contraproposta não está abrangida pelo texto legal.

Discussão e Tese

???? O STJ discutiu se a omissão do credor em apresentar contraproposta autoriza sanção automática.

Para o STJ:

• O silêncio do credor não equivale a obstrução injustificada.

• A lei não prevê sanção para recusa tácita à proposta do devedor.

• A fase judicial poderá impor medidas cautelares adequadas.

Como será Cobrado em Prova

???? O credor que não apresenta contraproposta na audiência de superendividamento fica sujeito automaticamente às sanções do CDC.

Errado. O STJ entende que as penalidades só se aplicam a condutas previstas expressamente no art. 104-A, §2º.

Versão Esquematizada

???? Superendividamento – Audiência Preliminar
???? CDC, art. 104-A ???? Sanções apenas para ausência injustificada ???? Contraproposta ≠ obrigatória ???? STJ: penalidade restrita às hipóteses legais

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia à possibilidade, ou não, de se impor ao credor as penalidades do artigo 104-A, § 2º do CDC quando, embora devidamente representado por preposto e advogado com poderes para transigir na audiência preliminar atinente à repactuação de dívidas por superendividamento, deixe de aderir ou oferecer contraproposta ao plano de pagamento apresentado pelo devedor.

     O tema possui inegável relevância jurídica, espelhando importante desdobramento da aplicação prática da Lei n. 14.181/2021, que promoveu alterações no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Pessoa Idosa para aperfeiçoar a disciplina de concessão de crédito ao consumidor e, em especial, dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

     Assim, entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, às quais englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada, sem comprometer seu mínimo existencial, conforme artigo 54-A, § 1º e 2º do CDC.

     A Lei n. 14.181/2021 inovou ao introduzir, no CDC, tratamento amplo acerca do superendividamento, não mais limitado a pretensões revisionais em demandas judiciais ou renegociações individuais, em mutirões de dívidas. Nesse sentido, a novatio legis oferece uma espécie de antídoto à crise financeira do consumidor, mediante a organização de um plano para viabilizar o pagamento dos seus débitos, restabelecer seu acesso ao mercado e voltar a consumir, além de preservar o mínimo existencial.

     O procedimento estabelecido em lei prescreve uma fase conciliatória e preventiva à repactuação de dívidas, mediante realização de audiência preliminar com todos os credores, oportunidade na qual o consumidor apresentará um plano voluntário para o pagamento dos débitos.

     Nessa primeira etapa foram fixadas sanções contra comportamentos do credor que inviabilizem ou retirem a utilidade da própria audiência, quais sejam: o não comparecimento injustificado, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir (art. 104-A, § 2º, do CDC).

     Nessas hipóteses específicas, que colidem com os princípios nos quais se baseia a lei, em especial, a cooperação e a solidariedade, ocorrerá a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de adimplemento da dívida, caso o montante devido ao ausente for certo e conhecido pelo consumidor, circunstância na qual o pagamento do respectivo crédito somente ocorrerá após saldado o débito junto aos credores presentes à audiência conciliatória.

     Em que pese a importância da audiência e o prestígio dado pelo sistema à autocomposição, não há respaldo legal para a aplicação, por analogia, das penalidades acima referidas, isto é, caso não haja acordo entre as partes, ou na hipótese do credor não apresentar contraproposta.

     Dessa forma, a ausência de aceitação do plano de pagamento sugerido pelo devedor e a falta de apresentação de contraposta não geram, como consequência, a aplicação dos efeitos do § 2º do artigo 104-A do CDC, ensejando, apenas, a eventual instauração da segunda fase do processo de superendividamento para a revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas, ficando a cargo do juiz a possibilidade de conceder tutelas cautelares, as quais podem incluir, entre outras, as medidas do § 2º do artigo 104-A do CDC.

10.        Assistência jurídica qualificada no Tribunal do Júri em casos de feminicídio

Indexador

Disciplina: Direito Processual Penal

Capítulo: Proteção da Vítima e Tribunal do Júri

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Destaque

A assistência jurídica qualificada prevista na Lei Maria da Penha é obrigatória, inclusive no Tribunal do Júri, sendo legítima a nomeação da Defensoria Pública como assistente da vítima, ainda que sem manifestação prévia da ofendida.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/6/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 11.340/2006, arts. 27 e 28; LC 80/1994, art. 4º, § 6º; CF, art. 134, § 4º.

???? A lei assegura que mulheres vítimas de violência doméstica sejam acompanhadas por advogado em todos os atos processuais.

???? A ausência de defensor pessoal não impede nomeação da Defensoria como medida provisória.

???? A atuação simultânea da Defensoria nos dois polos é válida, desde que por defensores distintos.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se é obrigatória a assistência jurídica da vítima em processo de feminicídio no Júri e se a Defensoria pode atuar como assistente, mesmo sem requerimento da ofendida.

Para o STJ:

• A assistência é cogente e tem caráter protetivo.

• A atuação da Defensoria Pública como assistente não ofende sua unidade institucional.

• A vítima pode, a qualquer momento, constituir advogado, cessando a atuação pública.

Como será Cobrado em Prova

A nomeação da Defensoria Pública como assistente da vítima no Júri é válida mesmo sem manifestação expressa da ofendida.

Correto. O STJ entende que se trata de medida provisória que garante o direito à assistência técnica.

???? A assistência jurídica à vítima no Tribunal do Júri é facultativa e depende de requerimento da parte interessada.

Errado. A Lei Maria da Penha impõe a obrigatoriedade da assistência, inclusive na esfera criminal e no Júri.

Versão Esquematizada

???? Assistência Jurídica no Júri – Violência Doméstica
???? Lei Maria da Penha: arts. 27 e 28 → cogência ???? Atuação da Defensoria = possível nos dois polos ???? Nomeação judicial = tutela provisória ???? Vítima pode substituir defensor público por particular ???? STF: proteção reforçada à vítima no procedimento do Júri

Inteiro Teor

     As questões em discussão consistem em saber se (1) é obrigatória a chamada “assistência jurídica qualificada”, prevista nos artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, e se tem aplicação perante o Tribunal do Júri; (2) se atuação da Defensoria Pública em polos opostos nos mesmos autos configura ofensa à sua unidade e indivisibilidade; (3) se é legítima a atuação compulsória da Defensoria Pública como assistente da vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher, e se isso viola o direito de livre escolha da ofendida.

     Inicialmente, cumpre asseverar que a atuação da Defensoria Pública em polos opostos nos mesmos autos não configura ofensa à sua unidade e indivisibilidade (CF, art. 134, § 4º). A natureza institucional da Defensoria, que a distingue dos advogados privados, não obsta que defensores públicos diversos, investidos de independência funcional (LC n. 80/1994, art. 4º, § 6º), atuem simultaneamente em defesa do réu e da vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher no mesmo processo, desde que ausente qualquer identidade subjetiva entre os membros que os patrocinam.

     A Lei Maria da Penha traz diversos mecanismos, não apenas para coibir e prevenir a violência, mas para apoiar as mulheres vítimas dessa mazela social. Nesse contexto, albergou preceitos cogentes e de eficácia plena. Entre eles, o disposto no artigo 27, in verbis: “Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei”. Trata-se de norma de comando vinculante, sem qualquer margem para discricionariedade judicial. O verbo “deverá” exprime mandamento obrigatório, não autorizando exegese que condicione sua eficácia à manifestação de vontade da vítima, sob pena de malferimento à própria mens legis do diploma.

     O artigo 28, por sua vez, garante à mulher o acesso aos serviços da Defensoria Pública ou de assistência judiciária gratuita “nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado”, ou seja, direito de assistência jurídica distinta da prestada ao ofensor, de forma a se assegurar especialização e sensibilidade.

     Tais dispositivos de lei não criaram uma nova modalidade de intervenção de terceiros, apenas preconizaram a presença de advogado ou defensor público a fim de orientar, proteger e fazer valer os direitos da vítima de violência doméstica do sexo feminino. A representação processual da vítima prevista nos referidos artigos da Lei n. 11.340/2006 visa, ainda, evitar julgamentos com exteriorização de preconceitos, estereótipos e considerações depreciativas sobre o comportamento da ofendida, prevenindo-se a continuação da violência, na forma institucional.

     Em relação à aplicabilidade nos feitos de competência do Tribunal do Júri, não há razões jurídicas para discordar que o instituto da assistência qualificada às vítimas de feminicídio também vige no âmbito dessa Corte especializada. A expressão “em todos os atos processuais, cíveis e criminais”, ao contrário de afastar, corrobora a necessidade da assistência especializada e humanizada no Tribunal do Júri, notadamente quando considerada a complexidade do julgamento, feito por pares, além de todas as etapas processuais existentes naquele procedimento, sem falar na maior fragilidade psicológica imprimida às vítimas de feminicídio e seus familiares.

     Vale ressaltar que a tipificação do crime feminicídio, através da Lei n. 13.104/2015, impôs à análise desse grave delito sob a perspectiva de gênero, assegurando, ainda que indiretamente, o sistema protetivo da Lei Maria da Penha às vítimas sobreviventes e aos familiares de quem não dispôs de proteção estatal efetiva e veio a falecer. Isso porque é no Tribunal do Júri onde a memória da vítima sofre as maiores incursões.

     A Lei n. 14.245/2021, corroborando o processo de não revitimização da vítima de violência doméstica, em relação aos atos praticados no Plenário do Júri, impôs a todas partes o respeito à sua dignidade, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, “vedando a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objetos de apuração nos autos e a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas” (CPP, art. 474-A, I e II).

     É nesse contexto que se pode inferir que a assistência jurídica qualificada da vítima adquire caráter cogente também no Tribunal do Júri, devendo a mulher vítima de feminicídio, em situação de violência doméstica e familiar, estar acompanhada de advogado em todos os atos processuais.

     A Lei n. 11.340/2006 criou uma modalidade de assistência obrigatória, que não comporta juízo de discricionariedade, e implica dizer que independe de autorização judicial e de oitiva do órgão acusador. Nas ações penais públicas, condicionadas ou não, não cabe ao Ministério Público defender ou pleitear interesses individuais da mulher vítima de violência doméstica. O único órgão estatal que tem por escopo garantir os direitos da vítima vulnerável é a Defensoria Pública, condição que foi erigida pela Constituição Federal de 1988.

     Por fim, a nomeação judicial da Defensoria Pública sem prévia anuência da vítima não afronta a sua liberdade de escolha e nem ignora a sistemática supletiva prevista implicitamente na própria Lei Maria da Penha. Em verdade, o que a norma contempla é a obrigatoriedade da presença de defensor técnico – não necessariamente da Defensoria Pública -, sendo certo que, caso a vítima constitua advogado de sua confiança, este substituirá a Defensoria, exonerando-a do munus. A nomeação judicial opera, nesse cenário, como medida de tutela provisória, à míngua de manifestação expressa da ofendida.

11.       Erro na execução (aberratio ictus) e tentativa de homicídio

Indexador

Disciplina: Direito Penal

Capítulo: Concurso de Crimes

Área

Magistratura

Ministério Público

Defensoria Pública

Carreiras Policiais

Destaque

No erro na execução com unidade simples (aberratio ictus), o agente responde apenas pelos crimes cometidos contra as vítimas que pretendia atingir, não se configurando crime autônomo em relação à vítima atingida por engano.

AgRg no REsp 2.167.600-RS, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Des. conv.), Sexta Turma, julgado em 21/5/2025, DJEN 27/5/2025.

Conteúdo-Base

???? Código Penal, arts. 70 e 73.

???? A aberratio ictus com unidade simples implica responsabilização apenas pela conduta dirigida à vítima pretendida.

???? A vítima atingida por engano não gera novo tipo penal autônomo se o agente não tinha dolo direto ou eventual contra ela.

???? Aplica-se ficção jurídica de responsabilização como se tivesse atingido a vítima visada.

Discussão e Tese

???? A controvérsia residiu em saber se o agente que dispara contra policiais e atinge um transeunte deve responder por tentativa de homicídio contra o terceiro.

Para o STJ:

• Aplica-se a regra do art. 73 do CP, com unidade simples.

• Não se configura dolo eventual em relação ao terceiro atingido.

• Inviável imputar tentativa autônoma por erro na execução.

Como será Cobrado em Prova

???? A aberratio ictus com unidade simples gera concurso formal entre o crime contra a vítima pretendida e o terceiro atingido.

Errado. O STJ entende que não há concurso formal, mas unidade simples e responsabilização apenas pela conduta visada.

???? Quando o agente erra o alvo e atinge terceiro, responde como se tivesse atingido a vítima pretendida.

Correto. Essa é a regra do art. 73 do CP, aplicada na unidade simples.

Versão Esquematizada

???? Aberratio Ictus – Unidade Simples
???? CP, art. 73 – ficção jurídica ???? Terceiro atingido por erro ≠ crime autônomo ???? Sem dolo ou culpa → sem nova imputação ???? STJ: tentativa só quanto às vítimas visadas

Inteiro Teor

     A questão consiste em saber se é possível a imputação de crime autônomo em relação ao terceiro atingido ou se o agente somente responde como se tivesse atingido aqueles que pretendia ofender, quando, no contexto da ação criminosa, incorre em erro na execução e atinge uma vítima não visada por disparo de arma de fogo em via pública.

     Consoante se extrai da redação do artigo 73 do Código Penal, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da equivalência na hipótese de erro na execução (aberratio ictus), determinando que o agente responda como se tivesse atingido a pessoa originalmente visada.

     Trata-se de ficção jurídica que busca equiparar, para fins penais, o resultado produzido ao inicialmente pretendido, preservando a tipificação do delito conforme a intenção do autor.

     Ademais, caso o erro resulte na ofensa simultânea tanto à vítima pretendida quanto a terceiro, aplica-se a regra do artigo 70 do Código Penal, que prevê o concurso formal de crimes, impondo a responsabilização por cada um dos eventos lesivos produzidos.

     O dispositivo, portanto, opera como um critério de imputação penal, assegurando que a configuração típica da conduta não seja alterada pelo erro na execução, salvo nas hipóteses em que se verifique o concurso efetivo de crimes.

     No caso, os denunciados efetuaram diversos disparos de arma de fogo contra três policiais civis, não logrando êxito em atingi-los em razão da reação armada destes. Contudo, em razão de erro na execução (aberratio ictus), um dos projéteis disparados acabou por atingir uma vítima transeunte, que, socorrida, sobreviveu.

     Nessa perspectiva, à luz do artigo 73 do Código Penal, a tipificação do delito deve considerar o número de vítimas visadas, e não o resultado concreto, razão pela qual a denúncia imputou aos acusados a prática de três tentativas de homicídio qualificado contra os policiais civis. A exclusão da quarta tentativa decorreu do entendimento de que, na aberratio ictus com unidade simples, o agente responde pelo crime contra aqueles que efetivamente pretendia ofender, não incidindo, nessa hipótese, a regra do concurso formal prevista no artigo 70 do Código Penal.

     Consoante precedentes desta Corte Superior, “[o]corre aberratio ictus com resultado duplo, ou unidade complexa, de que dispõe o art. 73, segunda parte, do CP, quando, na execução do crime de homicídio doloso, além do resultado intencional, sobrevém outro não pretendido, decorrente de erro de pontaria, em que, além da vítima originalmente visada, outra é atingida por erro na execução” (REsp 1853219-RS, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 8/6/2020).

     Mutatis mutandis, não havendo duplo resultado, não pode prosperar a imputação de uma quarta tentativa de homicídio por dolo eventual aos denunciados, sob pena de bis in idem, uma vez que, pelo mesmo contexto fático, já respondem por três homicídios tentados contra as vítimas efetivamente visadas. O atingimento do transeunte decorreu de erro na execução, hipótese em que a norma penal estabelece que o agente deve responder como se tivesse atingido aqueles que pretendia ofender, não se configurando crime autônomo em relação ao terceiro atingido.

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